Desculpem lá, sei que já se falou muito neste livro mas eu tenho um problema com os Nobel, quando saem fala-se tanto neles que fico farta e não me apetece nada lê-los. Geralmente deixo para mais tarde. Quando a euforia já passou e eu puder lê-los sem a névoa da fama à frente.

Foi o que fiz com este ‘Os anos’ (Há um romance da Virginia Woolf com o mesmo nome, e curiosamente é quase o oposto deste, ou seja, no de Woolf a passagem do tempo é vista através das estações e da subjetividade de cada personagem, é a visão interior face ao exterior de Annie. Seria interessante fazer um estudo comparado dos dois, mas já deve haver).

Portanto, quase dois anos depois de Annie Ernaux ser nobelizada, cá estou eu a lê-la.

Experiência: foi tal qual como me disseram que ia ser. Já lhe chamaram autobiografia impessoal, mas é mais uma espécie de autobiografia coletiva, ou a história de uma geração, a que cresceu depois da Sgeunda Guerra e viveu os anos da recuperação e depois do regresso à crise.

Annie conta a sua história através da história de França entre os anos 40 e 2006. Mesmo para quem não é francês, há muitos acontecimentos que partilhamos, e é muito interessante de ler, pelo menos para um europeu. Aqui testemunhamos uma altura da Humanidade em que mais coisas devem ter mudado, desde a forma de viver à de pensar. É muito interessante como ela nota que a certa altura os mais velhos deixaram de falar sobre a Segunda Guerra porque depois de acontecimentos como o 11 de Setembro, que importância tinha a Segunda Guerra?

Quando digo que foi tal qual o que me disseram que ia ser, não é bem assim. É que isto, sendo de facto a tal ‘autobiografia de uma geração’ ou ‘autobiografia coletiva’, dá-nos muito que pensar. Pelo menos a mim deu.

Quanto da nossa vida são experiências partilhadas, quanto da nossa história é uma história que temos em comum com milhares de outras pessoas? Somos mesmo pessoas especiais ou somos levados na correnteza dos acontecimentos tal como a nossa vizinha do lado?

Este é o livro de alguém no fim da vida, que tenta perceber em que mundo viveu. Até que ponto nós somos o mundo, ou o mundo faz parte de nós?Esta sensação do passar do tempo, para mim, foi angustiante. E não apenas porque, na segunda parte do livro, a autora se farta de protestar (enfim, cheia de razão, diga-se de passagem) contra uma sociedade egoista e obcecada pela velocidade e pelo consumismo. Mas pela própria sensação da passagem do tempo. Que vida é esta que testemunhámos, o que deixámos para trás e que importância tem aquilo que vivemos?

Também fiquei a pensar se este livro terá o mesmo tipo de interesse para quem tem agora 20 ou 30 anos, por exemplo. Será ‘apenas’ o livro de uma geração para a mesma geração, ou será lido com o mesmo interesse pelos mais jovens? (Ainda não pude tirar isto a limpo, mas quando souber logo vos direi).

Outra coisa para que ninguém me preparou é que está tão bem escrito que somos levados na corrente. Por alturas no Nobel, lembro-me que Annie Ernaux foi acusada de ser ‘muito simples’. De facto, nós portugueses ainda achamos que escrever bem é dizer ‘esposa’ em vez de ‘mulher’. Isto pode parecer simples àqueles que também acham que eram capazes de pintar a mesma coisa que, sei lá, o Mondrian. Mas é apenas enganadoramente simples. É mesmo poético, bem escrito e às vezes quase metafísico.

Dito isto, estamos quase quase a saber quem será o próximo Nobel da literatura. Seja quem for, já sabem que vão esperar dois anos para o verem nesta página.

Os anos’, Annie Ernaux – Livros do Brasil, 14,99

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