Falámos com o designer de moda a propósito dos seus 25 anos de carreira.
Que recordações tem de Moçambique, onde nasceu?
O cheiro, as cores e as paisagens naturais. O contacto com diferentes culturas e a vivência de realidades completamente diferentes marcaram-me muito positivamente. Fui criado na diferença, mas com a consciência de que no fundo somos todos iguais. O importante é o respeito.
O seu país natal reflete-se nas suas criações?
Tive uma infância feliz. Tudo era diferente. Estávamos perto de África do Sul. Quem nasce em África tem uma postura de vida diferente, pois a magia desse continente perpetua em nós. Moçambique era um país que queria ser moderno, com necessidade de se mostrar livre e grandioso. Essas manifestações refletiam-se nas festas e o luxo transparecia de uma forma natural. Claro que crescer nesse ambiente livre, festivo e de glamour facilitou o meu percurso, influenciando decisivamente, ainda hoje, a minha carreira no mundo da Moda.
Como nasceu a paixão pela moda?
Aos 17 anos, fui estudar para Lisboa, seguindo o percurso natural de qualquer estudante. E depressa percebi que estava no curso errado, a minha paixão eram as Artes. Sempre gostei de Moda e decidi candidatar-me, hoje sei que foi a decisão certa.
O que o caracteriza como designer de moda?
Como Designer de Moda de autor, sempre acreditei que a Moda deve ser consciente e responsável, e que deve valorizar a qualidade e a durabilidade. Esta é uma das preocupações e o ADN da marca Carlos Gil. Não me considero um revolucionário no mundo da Moda porque dou mais importância à elegância, mas obrigo-me a estar em constante evolução. Estudar o corpo das mulheres e conseguir realçar a sua elegância e simplicidade com uma peça ou coordenado é mais exigente do que ser um designer insurgente ou vanguardista.
Nestes 25 anos de carreira, quais foram as mudanças na sociedade que marcaram a evolução do seu trabalho?
Nos últimos 25 anos, a Moda sofreu várias mudanças significativas que refletem as mudanças na sociedade como um todo. A Moda tornou-se mais inclusiva, sustentável e tecnológica, enquanto as mulheres assumem cada vez mais um papel de liderança na sociedade.
O ADN da marca Carlos Gil há muito que se preocupa com a sustentabilidade até porque as minhas clientes sempre o exigiram. Qualquer Designer de Moda deve ser consciente e responsável, valorizando sempre a qualidade material e a durabilidade das peças. Temos a responsabilidade de incutir essa consciência.
Trabalhar para a mulher é hoje muito diferente do que há 25 anos. Hoje a forma de pensar e de agir das mulheres é muito diferente. A moda feminina adaptou-se às novas necessidades das mulheres, que agora são mais independentes, poderosas, influentes e autossuficientes. “É a mulher que usa a moda e não a moda que usa a mulher”.
Se fosse conhecido por uma peça de roupa, qual seria? Qual é que lhe dá mais gozo criar?
Considero que o blazer e o sobretudo são as peças base de arquitetura no mundo da Moda.
Que coleção mais o marcou nestes 25 anos de carreira? Conte-nos um episódio caricato….
Foi sem dúvida ter conseguido, com êxito, apresentar em 2020 a coleção Now Know na ModaLisboa durante a pandemia.
Um episódio caricato… num desfile da Fashion Week da Polónia, uma das minhas manequins, que encerrava o desfile, desmaiou, o que me criou uma situação bastante complexa. Numa fração de segundos, tomei a decisão de chamar a diretora da Fashion Week Polónia, convidando-a a encerrar o meu desfile, o que acabou por ser um sucesso, pois sendo estrangeiro dei protagonismo ao país que me acolhia.
Estabelecer-se no Fundão foi uma escolha consciente e um statement?
Passados estes 25 anos de carreira, lembro-me da luta e do caminho que desbravei, desde que abri o atelier e loja no Fundão. A maior dificuldade que senti, foi a imposição dos códigos de uma cidade do interior, mas que serviu para me tornar mais forte e convicto das minhas opiniões e decisões. Sou uma pessoa resiliente. Viver no Fundão foi e continua a ser uma escolha consciente e acredito que foi a decisão correta pois é onde me sinto feliz.
Qual é o principal mercado internacional para a marca Carlos Gil?
Os países árabes, mas tenho uma enorme vontade de estabelecer ligações com outros países e retomar alguns contatos perdidos durante a pandemia, principalmente na Ásia.
O que define a sua mais recente coleção, é uma coleção que celebra os mais de 20 anos de existência?
TIME é o nome da nova coleção, uma linha de peças onde os contrastes, a cor e o movimento são constantes. O tempo é o mote para a reflexão entre o passado, o presente e o futuro. A elegância, excentricidade e o equilíbrio que procuramos no presente serviram como conceito base para criar toda coleção, onde destaco ainda a linha de Denim, uma novidade na marca Carlos Gil, e as peças de inspiração na alfaiataria.
Uma peça-chave para esta primavera/verão?
A imagem de abertura do desfile, com quatro manequins de quatro fatos de cores diferentes, dá o mote para o desfile.
Os tons e materiais com que mais gosta de trabalhar…
O que mais aprecio trabalhar são tecidos nobres como sedas e caxemiras.
O ditado ‘amigos, amigos, negócios à parte’ não se aplica ao Carlos e à Carla? Qual o segredo do sucesso desta dupla?
Somos muito amigos do nosso amigo, adoramos viver em família e rodeados de verdadeiros amigos. Tivemos a sorte de nos encontrar e apaixonarmo-nos muito cedo, conseguindo conciliar o amor e os sonhos, a paixão e o trabalho. A Moda é o nosso mundo, a nossa vida, a nossa profissão e paixão.
Onde vê a sua marca daqui a mais 25 anos?
O meu maior trunfo foi ter conquistado as minhas clientes. Nestes 25 anos ganhei maturidade, não trabalho para o show-off, continuo a ouvir a opinião dos outros, mas confio no meu instinto, nos meus valores e nos da marca Carlos Gil. Sou fiel aos meus princípios e às minhas clientes e, por isso, daqui a 25 anos, desejo ver a marca com a mesma essência.
Fotos: divulgação