Aos 41 anos e após duas décadas na área de gestão e administração de empresas, Cátia Alves, de 41 anos, aceitou um novo desafio (e que faz bem sentido nos dias de hoje!): liderar a área de sustentabilidade de uma entidade financeira. A colaborar há perto de uma década com a UCI (União de Créditos Imobiliários), assumiu o cargo de Directora de Sustentabilidade e Responsabilidade Corporativa desta empresa. O nome é ‘impactante’, mas qual o real impacto de uma política de sustentabilidade numa empresa de serviços? Até que ponto pode fazer a diferença no esforço coletivo que a sociedade tem que assumir rumo à defesa do meio ambiente e à procura de práticas mais sustentáveis? Como é possível uma empresa ser mais ‘verde’, indo além da reciclagem do papel ou de acabar com os copos de plástico quando se bebe o café matinal? Foi isso mesmo que quisemos saber quando entrevistámos Cátia, uma mulher a liderar um processo de transformação fundamental e a tornar a sustentabilidade pilar de desenvolvimento de uma empresa dentro do sector imobiliário.
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- Como foi o seu percurso profissional até ocupar este novo cargo?
O meu percurso na UCI começou em 2014. Antes disso fui membro do Comité de Direção da companhia de Seguros Groupama e passei também pela consultora EY, onde desempenhei vários cargos de gestão. Na UCI comecei por trabalhar na área de Auditoria Interna e Gestão do Risco, tendo sido responsável pela implementação do projeto de Enterprise Risk Management. Depois, em 2017, surgiu a oportunidade de desenvolver uma nova área da UCI e aceitei o desafio de liderar o projeto Green Mortgages & Loans, uma iniciativa que promove a compra de casas com elevada eficiência energética e a reabilitação do parque imobiliário como estratégia para contribuir para a descarbonização da economia europeia. Um projeto que foi crescendo, o que se tornou no mote para criar uma nova Direção na empresa, da qual sou responsável desde o início do ano.
- Qual o papel da área dos recursos humanos em levar os colaboradores a adotar práticas mais sustentáveis?
Esta questão transcende a área de recursos humanos. Tem de ser antes de mais uma questão identitária para as empresas, com compromissos assumidos pela Direção como um todo. Na UCI por exemplo, começámos por assumir um compromisso com 9 dos 16 Objetivos de Desenvolvimento Sustentável da ONU, entre os quais se encontram a promoção das Energias Renováveis e Acessíveis, das Cidades e Comunidades Sustentáveis, da Produção e Consumo Sustentáveis e da Ação Climática.
A partir do momento em que a empresa assume a sustentabilidade como um desígnio seu, os colaboradores vão ficando naturalmente alinhados com esse propósito, e começam a perceber que os comportamentos sustentáveis no interior da empresa são o complemento natural às soluções disponibilizadas ao exterior que têm também uma componente sustentável. Mas claro, há um papel importante dos recursos humanos e da comunicação interna de ir colocando este tema na agenda, dando sobretudo acesso a informação.
- A nível da empresa, em que consiste este processo? Quais as principais etapas?
Diria que há 3 etapas fundamentais. À primeira chamaria “liderar pelo exemplo”, em que o foco é a empresa repensar os seus negócios à luz daquilo que são os princípios da sustentabilidade e da redução da pegada ecológica. Num segundo momento importa “repensar o dia a dia”, aqui com uma abordagem focada no interior da empresa, no olhar criticamente para o dia a dia da empresa e encontrar formas mais eficientes e ecológicas de fazer as coisas. Num terceiro momento a “educação e informação” devem estar no centro. Partilhar informação sobre sustentabilidade, explicar o porque é que certos comportamentos são importantes, que há pequenas mudanças que podem fazer uma grande diferença. O que tem de ser feito de forma consistente e contínua, mas é um investimento que vale a pena porque estamos a promover uma mudança de comportamentos nos colaboradores que transcende o espaço da empresa e essa é uma grande vitória.
- Quais as áreas de atuação e as medidas efetivamente colocadas em prática na empresa?
Podemos sintetizar as áreas de ação em 2: externa e interna. A externa é o negócio da empresa, e a forma como impacta o mercado. E a esse nível em primeiro lugar destaco a criação de soluções de crédito habitação green, que permitem a aquisição de imóveis com elevada eficiência energética, assim como a melhoria da eficiência energética de outros imóveis. Por outro lado, há também a nossa relação com os nossos parceiros de negócio, neste caso a mediação imobiliária, que tem passado por partilhar conhecimento e informação sobre sustentabilidade, criando vários momentos de comunicação sobre o tema.
A nível interno, fizemos várias mudanças, muito ligadas à redução do consumo de recursos. Por exemplo, em relação ao papel, deixámos de imprimir vários documentos, introduzimos soluções de assinatura digital de documentos, generalizámos a adoção de faturas digitais por todos os departamentos e até incentivamos os nossos clientes a aderir ao extrato digital, deixando de receber mensalmente o extrato por carta. Além disso, o papel usado quando necessário é papel com certificação FSC, o que significa que provém de florestas geridas de forma sustentável.
Dentro da empresa erradicámos o plástico, distribuímos garrafas, canecas e chávenas reutilizáveis por todos os colaboradores, instalámos ecopontos e um ponto de recolha de pilhas na empresa e partilhamos todos os meses dicas e informações sobre boas práticas de reciclagem, porque muitas vezes as pessoas querem fazer bem, mas não sabem como. Fora da empresa, temos convertido a nossa frota automóvel por uma frota de híbridos plug-in.
Enfim, são exemplos de ações, entre muitas outras.
- Quais são os maiores obstáculos com que se depara?
Não falaria em obstáculos, mas sim em desafios. Acho que o grande desafio está sobretudo no mercado, em conseguir que quem vai comprar casa deixe de encarar a eficiência energética como algo que torna as casas mais caras e que só interessa para ser amigo do ambiente. A redução das emissões de CO2 é obviamente um ponto fundamental de ter uma casa com elevada eficiência energética, mas as vantagens transcendem em muito esse aspeto e compensam o preço mais alto que é pago pela casa. E isso é fácil de perceber quando sabemos que uma consequência da maior eficiência energética é uma redução dos consumos de energia elétrica, o que tem um impacto nas faturas de energia a longo prazo. Para além de gerar um conforto muito maior e de tornar a casa um espaço mais saudável. Adicionalmente, estamos a falar de casas que valem mais. Investir na melhoria da eficiência energética de uma casa é investir na sua valorização, e essa é uma mensagem que é muito importante compreender.
Em termos internos, é claro que a mudança é sempre desafiante. As pessoas estão habituadas a fazer as coisas de uma maneira e quando lhes é dito que deviam fazer de outra, há sempre um processo de habituação e resistência, mas mostrando o impacto que esse comportamento tem e dando alternativas fáceis de implementar, vai-se conseguindo ultrapassar as reservas iniciais.
- De 0 a 10, qual o grau de sensibilidade para as questões ambientais da parte dos colaboradores?
Diria que é um 9. Tem havido um crescimento contínuo e acreditamos que ainda vai haver mais.
- Há uma política de incentivos? Se sim, quais?
Há algumas ações pontuais que têm incentivos associados. Por exemplo: estamos agora a lançar internamente a ação “Contos Pelo Planeta”, em que desafiamos filhos de colaboradores a fazerem desenhos e contos ligados à defesa do ambiente e essa ação tem prémios associados. Mas no geral, achamos que a mudança de comportamentos ambientais não deve ser feita a troca de incentivos diretos. O grande incentivo é deixarmos um planeta aos nossos filhos.
- No momento do recrutamento, até que ponto uma consciência ‘mais verde’ é valorizada na seleção de um colaborador?
Para as pessoas que integram a direção de sustentabilidade e responsabilidade corporativa é um elemento fundamental, obviamente aliado a um know-how e experiência na área de sustainable finance, future finance, finance intelligence e taxonomia green.
Em termos gerais, uma empresa quer sempre pessoas que se identifiquem com os seus valores, portanto a consciência verde é um ponto a considerar. Mas não é exclusivo, claro, tem sempre de ser conjugado com competências técnicas.
- Uma empresa mais ‘verde’ é uma empresa mais competitiva?
Sem dúvida, especialmente no contexto atual em que ter soluções e comportamentos green está a deixar de ser apenas aconselhável e a tornar-se obrigatório. Está-se cada vez mais a criar essa expectativa no mercado e nos clientes, que procuram empresas alinhadas com os seus pontos de vista.
E claro, o green é muitas vezes sinónimo de poupança. Se gastamos menos energia e papel, poupamos recursos.
- Na sua vida fora da empresa, como gere estas questões no dia a dia? Que práticas adota com vista a uma diminuição da sua pegada ecológica?
Por mais complexo que pareça gerir e integrar estas questões no dia a dia, a verdade é que é bem mais fácil do que possa pensar. Aliás, alguns comportamentos estão ao alcance de um simples passo. Alguns dos hábitos e práticas que adoto no meu quotidiano são, por exemplo, o uso de alternativas para os sacos de plásticos e as garrafas de água, substituindo estes itens por alguns de maior durabilidade e que posso reutilizar mais vezes (desta forma apoiamos a economia circular); separação e reciclagem de resíduos; a redução no consumo de água, através da eliminação de hábitos tais como deixar torneiras abertas durante o processo de lavagem dos dentes ou banhos demorados, e ainda através da utilização de torneiras smart, isto é, com várias válvulas que podem ser reguladas em quatro níveis, o que faz com que se use apenas a quantidade de água necessária para cada tarefa; a redução do consumo energético através do uso de luzes led (que gastam muito menos que as incandescentes) e de tomadas inteligentes, ou seja, os eletrodomésticos que normalmente ficavam em stand by , agora podem ser controlados (ligados e desligados quando necessário) por uma app no telemóvel, o que reduz significativamente a fatura de energia no fim do mês. E estes são apenas alguns exemplos de práticas que já fazem parte do meu dia-a-dia, mas que qualquer um pode e deve adotar.
Não se trata só de uma questão ambiental, mas sim de pequenos cuidados que contribuem também para a qualidade de vida, bem-estar, e que impactam o nosso orçamento.Creio que para muitos, felizmente para nós e para o Planeta, a sustentabilidade deixou de ser uma tendência e tornou-se um estilo de vida.