Em que momento percebeu que tinha de ser uma voz ativa pela igualdade de género?
Desde muito cedo tive de me confrontar à questão da igualdade, não somente de género, e pude rapidamente adquirir a convicção da continuidade em todas as relações de poder e mecanismos de opressão.
Em que é que o feminismo de hoje é diferente do feminismo dos anos 60-70?
Hoje, beneficiamos de muitas das lutas feitas pelas mulheres que nos antecederam e um dos desafios é justamente o de poder manter direitos adquiridos atualmente postos em causa.
O que significa para si o movimento feminismo negro e o que a fez despertar para ele?
O feminismo negro insiste sobre a Interseccionalidade das opressões e das lutas, dá a voz a uma parte da população que pertence às franjas mais discriminadas e invisibilizadas. O discurso da Sojourner Truth “Ain’t I A Woman?” foi sem dúvida um marco.
As mulheres têm de ser duas vezes mais competentes que os homens para serem consideradas para um posto?
Uma mulher é desde logo considerada como suspeita, suspeita de incompetência, suspeita de ter feito algum “favor” para ali chegar. Para as mulheres a incompetência não é uma possibilidade, homens medíocres em qualquer tipo de posto é um dado naturalizado.
As mulheres continuam a ser mais escrutinadas nos seus cargos que os homens?
Sem dúvida, não têm direito ao erro, são escrutinadas no que dizem, no que vestem, no que comem, com quem dormem. Quantas de nós já ouvimos a frase: “Quem ficou a tomar conta das crianças?”
Que livro todas as mulheres (e homens) deviam ler?
Difícil escolha, mas talvez o ‘E Eu Não Sou Uma Mulher? Mulheres Negras e Feminismo‘ da Bell Hooks.
Que livro sobre igualdade de género a marcou mais?
Os livros mais marcantes são os mais disruptivos, os que colocam em causa e desconstroem o padrão heteronormativo monogâmico escritos por autoras como a Valerie Solanas, Virginie Despentes, Alice Coffin, Judith Buttler, Dossie Easton & Janet W. Hardy, etc.
Uma artista plástica que admire muito
Não vou ser original, respondo a Frida Kahlo pela força das suas obras, da sua vida, é um modelo de liberdade apesar dos seus constrangimentos. Deploro que a sua imagem seja hoje tão mercantilizada e despolitizada ocultando a sua verdadeira mensagem.
A maior conquista das mulheres portuguesas
Não consigo pensar só numa. Uma grande parte das conquistas são bastante recentes, direito de voto, liberdade de viajar e de abrir conta num banco sozinhas, direito à IVG, à PMA, etc. Para resumir, o acesso à independência, à liberdade e igualdade.
O que as mulheres francesas conquistaram que falta às portuguesas?
Em França, estamos a caminho da inscrição do aborto na Constituição. Precisamos de fortalecer o mais possível os nossos direitos, porque são frágeis.
A conquista que é urgente reclamar
Precisamos de dar um passo enorme em relação ao combate à violência feita contra as mulheres. Consciencialização, mas também meios.
Uma citação para emoldurar
Tantas, mas a que me acompanha constantemente é a da Audre Lorde “Não sou livre enquanto outra mulher for prisioneira, mesmo quando as suas correntes são diferentes das minhas”.
Uma mulher inspiradora
Tantas, também. A Malala Yousafzai, por exemplo. Mas sobretudo as mulheres anónimas com as que convivo no mundo associativo ou no ativismo e que sacrificam muito do seu bem-estar próprio em prol do bem comum.
A sua maior luta no dia-a-dia
O James Baldwin dizia que ser negro nos EUA e ter alguma consciência era estar com raiva quase o tempo todo. Eu, enquanto, mulher, afro-europeia, bissexual, etc. e, espero, com alguma consciência, luto justamente para não passar o meu tempo com raiva, no desespero.
Como tenta incutir aos seus filhos a igualdade de género e o antirracismo?
Mais do que discurso, levo os meus filhos às manifestações, mostro-lhes documentários, temos conversas longas sobre estas temáticas.
Uma injustiça que a tenha deixado indignada recentemente
A violência com que foi tratada a artista trans Keyla Brasil após a sua ocupação do palco no São Luiz. O nível avassalador de transfobia da sociedade portuguesa e do seu comentariado mediático e a cobardia e moleza moral de pessoas que pensávamos ser aliadas. Choca-me o nível de normalização e de impunidade do discurso transfóbico. A transfobia mata.
O que lhe dá esperança num mundo mais igualitário?
Nas manifestações e nos grupos ativistas sou testemunha de uma nova geração, mais do que pronta a tomar as rédeas das lutas pela Igualdade, com convicção e muita criatividade. Emocionam-me e dão-me esperança.