St. Petersburg III (©Teresa Freitas)

À primeira vista podem parecer pinturas, as fotografias de Teresa Freitas que se distinguem pelas cores pastel e pela dimensão de sonho e fantasia. A atitude perante a cor já lhe valeu, mais que uma vez, comparações com o cineasta Wes Anderson, que ficou conhecido por filmes como ‘O Grande Hotel Budapeste’. “Fico honrada porque é um mestre do cinema. O tratamento de cor não é o mesmo, e tem uma paleta diferente, mas a abordagem à cor é semelhante: ajuda a moldar a percepção que o espetador tem da imagem e do que nela está representado.”

Embora a fotografia esteja estado sempre muito presente na sua infância, nem por isso se revelou a escolha profissional óbvia: nas Belas Artes esteve um ano em Pintura antes de mudar para Arte Multimédia. “Nunca foi algo muito consciente. Na disciplina de projeto, que era uma cadeira anual, acabava por fazer tudo no formato de Fotografia, ainda que não tivesse em mente seguir esse caminho a nível profissional. Estava muito presa à ideia de que para viver da fotografia tinha que ser fotógrafa de casamentos/outros eventos, ou muito comercial e perder o cunho artístico.” Foi no Instagram (@teresacfreitas) que se deu a conhecer ao mundo e é lá fora que é mais conhecida. Os seus principais mercados são os EUA, Reino Unido e agora também o Brasil e alguns países asiáticos, facto que atribui à evolução natural dos acontecimentos e não tanto por se sentir ‘incompreendida’ em Portugal. “Quando comecei a ser notada foi pelas revistas internacionais e a partir daí comecei a ganhar mais seguidores.” As fotografias de viagem, com o seu cunho artístico muito próprio, são o seu principal cartão de visita, mas surpreende também nas colaborações que faz com as mais diversas marcas, da Dior à Huawei. Aprende a descobrir e evolui por tentativa e erro, sem estar presa às ditas boas práticas da fotografia. O céu (azul) é o limite.

Instagram

“Apareceu na altura em que fui para a faculdade. Era uma plataforma que apreciava muito porque no Facebook era tudo à base da família, dos amigos e dos amigos dos amigos. O Instagram surge e eu de repente posso começar a seguir artistas. A primeira fotógrafa que segui foi a Ana Sampaio Barros, uma ex-arquiteta que vive em Viena. Na altura nem publicava, era mesmo só para ver o que as outras pessoas andavam a fazer, mas era já muito para a fotografia que eu me inclinava. O Instagram deu-nos acesso ao mundo inteiro. Antes, ser fotógrafo era uma coisa caríssima, era preciso ter uma boa máquina, comprar rolos, revelá-los. Era muito difícil singrar, dependia-se muito de pessoas específicas para ter sucesso, como galeristas e editores. Hoje, qualquer pessoa com um telemóvel pode tornar-se fotógrafo ou ter boas fotografias a serem reconhecidas pelos outros. Sigo várias pessoas que não fazem parte nem exercem na área artística: um carteiro, outro engenheiro informático… todos têm uma oportunidade.”

Serralves I (©Teresa Freitas)

Inspiração

“O meu pai, biólogo de formação e hoje ligado às ciências da educação, era fotógrafo amador e andava sempre com a máquina atrás. Começou a virar-se para retratos de família, nomeadamente da minha família materna, ainda antes de eu e os meus irmãos aparecermos. Depois, em quase todos os fins de semana havia uma sessão fotográfica, nas férias então era todos os dias! Sem dúvida que teve um papel muito importante no meu gosto pela fotografia. O meu avô materno, por outro lado, era colecionador de cultura portuguesa – livros, azulejos, cerâmica… – e tenho vários familiares ligados às artes, à arquitetura, design… tudo isso me influenciou. O meu pai disse uma vez ‘a filha deste peixe criou um oceano só seu’, como quem diz que peguei na sua influência e segui o meu próprio caminho. De uma forma diferente, também fui influenciada pelos videojogos. A Nintendo 64 foi a consola com a qual cresci e sempre gostei muito de ver os meus irmãos a jogar (tanto em consolas como no computador – com o meu pai ligado às ciências da educação, fomos expostos relativamente cedo a esse mundo). A estética dos jogos da altura, nomeadamente dos japoneses, era muito apelativa para mim. A Mario Series, por exemplo, ou o Zelda: Ocarina of Time, o meu preferido. Eram muito coloridos e tinham um forte lado de fantasia. A mistura da realidade com coisas que não existem sempre me atraiu. Aspeto que acabou por ser uma inspiração para o meu trabalho, tal como filmes de animação e cinematografia.”

Criatividade

“Não preciso necessariamente de me sentir criativa para criar. Muitas vezes, o problema é estarmos limitados à ideia de que nada vai resultar se não nos sentirmos inspirados ou motivados para isso, e fecharmos logo a porta. Mas é comparável quando, na faculdade, tinha que fazer um trabalho: começar era ‘horrível’, com uma sensação de procrastinação máxima, mas a partir do momento que começava a escrever, percebia qual era o caminho e as coisas acabavam por fluir. É preciso ultrapassar esse bloqueio, que para mim é psicológico. Não precisamos de estar sempre no nosso melhor para criar.”

Powdered Playground (©Teresa Freitas)

Estilo & identidade

“Ainda demorei cerca de dois anos até chegar aqui, até encontrar aquilo que queria. Não sabia o que era – não pensei ‘quero fazer exatamente assim’. Comigo foi mais ‘ainda não estou contente com isto’. É sempre difícil definirmos o nosso próprio estilo: na mesma fotografia, existem tons pastel mas também tons mais fortes e saturados, o que é um paradoxo visual que me intriga. Os pasteis são muito associados à suavidade e tranquilidade, mas não é por isso que na mesma imagem não possa existir um encarnado ou um azulão. Claro que tem muito a ver com composição, com os sítios que escolho para fotografar e com o que atrai o meu olhar, mas é a edição e o trabalho de cor que se tornam a parte mais marcante do meu trabalho. O que tento fazer é subverter a realidade que foi fotografada (que surge sempre de um ponto de vista) e torná-la menos tangível, sendo assim mais cinemática e ficcional. As minhas cores têm um lado muito positivo, sereno, não complicado e um bocadinho fantasioso e sonhador. Acho que eu própria partilho essas características. Tenho esta forma de ver o mundo, também pelo sítio e contexto em que cresci, pela maneira como vivo e pela sorte que tenho. As condições que a vida me dá também me permitem ser assim. Tento ver o lado bom das coisas.”

Instinto

“Ainda tenho muito para aprender, sou uma autodidata. Nas Belas Artes, há muito essa forma de ensinar e trabalhar: embora tenha tido uma ou duas cadeiras de fotografia, aprendemos a parte teórica, interpretamos referências e pensamos como desenvolver um lado mais autoral e conceptual, mas a parte técnica aprendemos sozinhos. Na faculdade, as cadeiras de fotografia eram feitas com máquinas analógicas e filme. Não fiz nenhum curso técnico de fotografia. Aprendo a descobrir, a experimentar, e isso tem o seu lado bom. Tem a vantagem de não estar presa a nada, de não ter regras. Funciono muito por instinto. Há pessoas que baixam muito a exposição à luz, para não ficarem com os brancos ‘estourados’, já sem informação. Eu muitas vezes vou até ao limite, porque acho que vai resultar, para mim e para as minhas imagens. É muito por tentativa e erro, e perceber como a maneira de fotografar me pode ajudar mais tarde, na edição. Hoje, à partida, sei o que vai e não vai funcionar. Evito, por exemplo, fotografar quando o dia está muito cinzento. Adoro nuvens mas com céu azul misturado, tem que haver uma luz evidente do sol. Nesses dias mais carregados não vale a pena sair à rua, porque as minhas cores não vão funcionar assim. Há pessoas que gostam de fotografar de madrugada, no lusco-fusco, na golden-hour, e eu é ao contrário, gosto do meio da manhã, do meio dia, do sol forte. Depende do estilo de cada um.”

Easter Garden (©Teresa Freitas)

Viagens

“Quando viajamos, temos outra perspetiva. São coisas que nunca vimos e, de repente, somos confrontados com imensa informação visual nova e queremos capturar aquilo tudo. Não poder viajar foi, para mim, a pior parte da pandemia. O que gosto mesmo é de fotografar cidades. Adoro paisagens e o meu sítio preferido para estar é no Alentejo, mas não é o que mais gosto de fotografar e mostrar aos outros. Até agora, a que considerei como cidade mais fotogénica foi São Francisco. É uma cidade muito engraçada de descobrir e a que acabou por me dar mais vontade de tirar fotografias, em cada bairro e cada esquina. Senti-me muito bem lá, foi um sítio em que me senti imediatamente em casa. O país, talvez Itália, é lindo para a esquerda e para a direita. Mas ainda me falta ir ao Japão…”

Telemóvel

“Ao início, fotografava muito em casa, procurava composições com objetos que achava bonitos, situações e momentos que me interessavam. Às vezes, ia passear e tirava fotografias às fachadas de Lisboa. Eram coisas muito simples e do dia a dia, funcionando como um diário gráfico. Fotografava com o telemóvel e tirava as fotografias que a tecnologia me permitia.

Depois, instalei aplicações que possibilitavam uma edição mais criativa, como colagens e justaposições – no fundo brincar com a fotografia. Foi num trabalho para uma marca, em que precisavam de fotografias com mais qualidade, que comecei a explorar uma máquina digital que tinha comprado há pouco tempo. Mesmo assim, só comecei a usá-la na altura para colaborações com marcas. Entre 2012 e 2016 era tudo capturado com o telemóvel.”

San Francisco III (©Teresa Freitas)

Futuro

“Gosto de trabalhar em diferentes meios, ter a parte das viagens e a parte das colaborações com as marcas. Gosto de me desafiar e de experimentar coisas diferentes. Também comecei a colaborar com marcas de roupa em editoriais de moda, e consigo manter a mesma estética e estilo porque acabo por enquadrar a pessoa num cenário e ambiente pensado, com as cores e tons previamente definidos. Um dos meus fotógrafos preferidos é Rodney Smith, que tinha um sentido de humor peculiar, sendo um excelente exemplo de como um editorial de moda pode sair completamente fora do expectável.

Começo agora a virar-me muito para vídeo e para a técnica de stop-motion, que é basicamente uma sequência de fotografias que dá a ilusão de movimento contínuo.

Nunca me senti muito atraída pelo mundo das galerias e da arte mais institucional. Só quando sentir que faz sentido, seja por me identificar com a galeria, as pessoas, ou com o evento em si, é que vou dar esse salto. A ideia agora é começar a fazer mais vídeos de backstage/behind-the-scenes e partilhar o meu conhecimento, que é uma das coisas em que sinto haver uma lacuna neste mundo, especialmente na vertente comercial, em que há muito secretismo. Felizmente, plataformas como o Youtube e tutoriais para autodidatas começam a mudar isso – sinto que é algo de que quero fazer parte.

Duvido seriamente que as viagens alguma vez me irão cansar, também por serem momentos esporádicos e equilibrados com outras coisas, não são uma obrigação constante e cansativa – há sempre países novos a visitar, pessoas e culturas por descobrir e capturar. A nível de edição, sinto que cheguei a um ponto que me enche as medidas, com uma alteração pequena aqui ou ali, a base está fundada e deverá partir sempre daqui.

Estive em constante evolução de 2011 a 2018 e a partir do momento em que cheguei a esta forma de editar, que surgiu quando fui a São Francisco, nunca mais mudei… se evoluir será para uma coisa muito parecida ou então dá-me um chilique e passo só a fotografar a preto e branco, que era o que fazia na faculdade (risos). A minha maneira de ver a vida pode mudar, mas o que interessa é que eu esteja contente com o resultado.”

Entrevista originalmente publicada na revista ACTIVA em Novembro de 2020

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