Cresceu a duvidar da sua luz própria, mas hoje é um farol na vida de muitas mulheres, por reivindicar a beleza no seu todo, sem padrões, chavões ou fitas métricas. Na sua jornada pessoal de empoderamento, tem sido a mudança mais do que necessária num mundo que se habituou a olhar para o que foge à norma com desdém e crítica, por medo de perceber que é nas nossas diferenças que reside a riqueza de cada um e da própria vida. Carmo Sousa Lara não tem esse medo, embora tenha crescido com ele imposto. Hoje é uma força inquestionável, que abraça o outro com a mesma ternura como se aprendeu a abraçar a si. Porque acredita genuinamente que é a mudança, o amor e o elogio que fazem o mundo avançar.
O seu primeiro livro, fruto deste caminho de autodescobrimento que tanto inspira quem a segue, já está nas bancas e é um sucesso de vendas. “Autoestima sem tamanho” é o título deste projeto que é mais um sonho concretizado de Carmo Sousa Lara e que faz parte de um objetivo comum: o de ajudar as mulheres, mostrando-lhes que o valor individual de cada um não depende do tamanho que veste e, muito menos, da sua celulite, estrias e gordura localizada. Porque Carmo sabe que uma mulher que se ama tem a capacidade de mudar o mundo. Tal como ela já o está a fazer.
Quando crescemos sem espaço para sermos quem somos, numa tentativa de pertença ao que é socialmente aceite e expectável, calamos a nossa voz e a nossa luz e esquecemo-nos de quem queríamos ser?
Completamente. É exatamente isso que acontece e é exatamente isso que acaba por ser muito perigoso. Uma criança crescer num ambiente, que devia ser o seu lugar seguro, mas que é aquele que lhe cala a voz, é dramático, porque essa criança rapidamente se torna num adolescente que, por sua vez, se torna num adulto. E um adulto com uma voz perdida é um adulto perdido. Posso ter sido um caso assim e vejo muito disso à minha volta, também. As famílias devem ser um lugar seguro, que aceita e estimula a natureza e a voz daquela pessoa – em vez de ser a primeira, muitas vezes, a condenar.
Como é que se volta à nossa essência depois de anos a tentar encaixar numa norma e num padrão?
É difícil… Mas acho que temos dentro de nós uma espécie de bússola que fala connosco – pode ser encarada como intuição, fé, o que fizer mais sentido para cada um. E a minha sempre falou muito comigo e permitiu-me não esquecer que sou alguém, que tenho uma voz, que tenho ideias… Mas isto é um caminho que se vai desbravando. Eu não comecei logo a perceber que podia ter uma voz, que podia ser eu. Na verdade, foi o Instagram que me deu o palco que precisava para encontrar a minha voz. Porque aquilo que não conseguia fazer no meu meio, conseguia fazer ali e foi neste desbravar que tudo se começou a encaixar.
Esse caminho que tens percorrido para te resgatares a ti e ao teu amor próprio simboliza um quebrar de ciclo geracional...
Não sei se quebrei esse ciclo, embora acredite que sim na minha linhagem, ou seja, de mim para os meus filhos. E sinto-me disruptiva ao ponto de conseguir quebrar esses ciclos…
Algo que é fundamental quando se quer educar crianças que sejam futuros adultos emocionalmente saudáveis?
Exatamente. Emocionalmente saudáveis e felizes. Honestamente, sempre me senti disruptiva, sempre fui a pessoa que quebra um bocadinho as coisas. Se calhar, antes, estava era muito investida em quebrar esses ciclos e a querer que todos à minha volta fizessem o mesmo. Mas isso não acontecia, o que me desgastava. Entendi, então, que eu quebro os meus padrões sozinha e isso espelha-se nos meus. Não tenho que impor nada, só tenho que viver. Só tenho que mudar o meu mundo, vivê-lo, desconstrui-lo e recuperá-lo. E é isso que irá iluminar quem tiver que iluminar. O mesmo acontece no Instagram. Naquele espaço, falo sobre os temas que preciso arrumar dentro de mim e que, como consequência, chegam aos outros.
E o teu livro faz exatamente isso?
O livro começa com um propósito de catarse, de libertação, mas sempre tendo presente esta minha vontade inabalável de ajudar as mulheres.
E essa é uma missão muito necessária, não é?! Porque embora se fale muito de uma mudança do papel da mulher na sociedade, nós, mulheres, sabemos que essa mudança ainda está em curso, não está plenamente estabelecida e exige que o empoderamento feminino seja real – algo que ainda não é totalmente aceite e assusta muita gente.
É isso mesmo. Não é que estejamos a viver um falso empoderamento, o tema está no ar, mas o problema das modas é que, de uma maneira geral, não nos fazem pensar e ir à raiz das questões. Ou seja, numa altura em que ouvimos palavras e expressões como “cuida de ti” e “aceita-te”, torna-se necessário perceber o que é isto. Porque o auto-cuidado, o amor-próprio e a auto-estima que não foram desenvolvidos na infância, podem e devem ser desenvolvidos na idade adulta, independentemente se temos 30, 40 ou 50 anos. No tema do empoderamento feminino, temos todos que ir um bocadinho mais a fundo.
Aceitando o repto de irmos um bocadinho mais a fundo, não sentes que este tema está diretamente relacionado com uma quase necessidade que a sociedade patriarcal tem de ditar o que as mulheres devem e podem ser?
Completamente. Aí é que vamos por o dedo na ferida, porque as mulheres são vítimas de uma sociedade patriarcal que precisa das inseguranças femininas para subsistir e sobreviver. Esta sociedade aponta-nos todos os defeitos – sejas gorda, magra, alta, baixa, o que seja – para te sentires sempre mal na tua pele. E quando te sentes mal na tua pele, estás numa cadeia constante de consumo e de auto-crítica, sem espaço mental e emocional para a crítica social necessária de que a mudança precisa.
Porque ainda se alimenta uma ideia de perfeição que é completamente ilusória e não existe?
Sim e essa perfeição que não existe tem a ver com estes padrões de beleza que vão sendo criados e que vão mudando ao longo dos anos. Padrões que são irrealistas e altamente perigosos, que nos levam a ser escravas de uma ditadura sem fim. É de uma violência gigante uma mulher andar desde pequena a magoar-se, a restringir-se, a punir-se e a perpetuar um discurso negativo para com o seu próprio corpo, porque sente que ele tem que ser diferente. E isto passa de geração em geração. É urgente quebrar isto, porque é absurdo. Nunca teremos uma mulher empoderada, livre, em paz e que se ama enquanto acreditar que devemos ser de acordo com um padrão. E sofremos. Tudo isto atira as mulheres para um lado muito negro, de muita dor. A saúde mental e física da mulher fica mesmo em causa. Porque és uma mulher que não te amas, que não te queres e que não te aceitas. E daí só avém dor.
Neste jogo, a culpa e a comparação constantes são outras das consequências mais nefastas?
São, exatamente. Estes padrões pretendem provocar essa comparação, porque vamos continuar a acreditar que os outros são sempre melhores. E este ciclo de comparação-punição é terrível. É isto que atira as mulheres para os desequilíbrios alimentares. Às vezes até conseguimos fazer aquela dieta que nos faz perder dez quilos, somos super elogiadas, ficamos a achar que estamos ótimas e a sentirmo-nos empoderadas, mas depois vai tudo por água por baixo quando voltas a ganhar o peso perdido e ainda mais algum. E isto é uma coisa muito promíscua, é um ciclo vicioso que é preciso ser quebrado. Temos todos que ser mais inclusivos, para que possamos olhar uns para os outros, não numa tentativa de comparação, mas para percebermos que somos todos diferentes e que isso é que está certo.
Nesse processo é necessário mostrarmos que ninguém tem o direito de falar e opinar sobre o corpo de outro da forma natural e leviana como ainda se faz?
Nem mais, porque este à vontadinha que todos nos habituámos a ter em relação à crítica fácil, ou até àquela espécie de elogio, que na verdade é uma crítica, tem que acabar. A observação e a crítica constante do corpo e da vida alheia é errado, até porque não sabemos nada do que se passa na vida dos outros para nos colocarmos nesse pedestal da pessoa que se acha superior. Além disso, isto gera uma sensação de que, quando emagrecemos, somos espetaculares, válidas, incríveis, mas que quando ganhamos peso somos um nojo e erradas. Foi isto que fragilizou profundamente a minha saúde mental quando engordei. Porque passei dez anos da minha vida em dietas restritivas e esta dualidade fez-me acreditar que só sou bonita quando tenho determinado peso. É muito cruel tudo isto. Mas acredito que estas críticas dizem muito mais de quem as diz do que de quem as recebe. Porque quando somos realmente empoderados, ficamos felizes com o sucesso e com a felicidade dos outros. E estas críticas revelam muito da infelicidade geral que há. Só quando conseguirmos verdadeiramente empoderar a mulher e aceitá-la como ela é, é que vamos caminhar para a felicidade e a liberdade das mulheres. Só aí teremos um mundo muito mais feliz. Enquanto este sistema conseguir continuar a fazer com que a mulher se sinta errada, culpada e desadequada, também consegue ter menos uma cabeça ativa neste patriarcado. Porque uma mulher realmente empoderada é uma mulher que consegue tudo e é isso que assusta e faz tremer. A mulher é muito poderosa e pode, de facto, tudo. Desde que se sinta válida para isso.
A mudança acontece quando mudamos a nossa narrativa interior ou é preciso mudarmos primeiro a narrativa exterior?
É uma pergunta difícil porque essas duas narrativas conseguem andar de mãos dadas. Ainda assim, acho que temos sempre que mudar primeiro a narrativa interior. E o meu livro aponta para aí. Nenhuma árvore nasce sem raiz. Tu és uma semente que tens que germinar num solo fértil para poderes crescer com força.
No fundo é usarmos o nosso amor-próprio, aquele que deve ser nutrido diariamente, para com ele nutrirmos o mundo e os outros?
É isso, sim. Mas o amor-próprio é a questão com rasteira, porque a maioria das mulheres tem dificuldade em amar-se. Não sabe por onde começar. É um bocadinho como quando aprendemos a andar de bicicleta. Para nos podermos amar e acolher esse amor-próprio, temos que cair algumas vezes. Até chegarmos à fase em que já andamos de bicicleta sem pensar, de forma fluída e o amor-próprio é isso. Quando chegamos a esta fase, conseguimos emanar a nossa luz e iluminar tudo à nossa volta. Perpetuamos amor e não dor.