Catarina Poiares, artesã e criadora do atelier ‘A Oficina dos Presentes’, acumula dificuldades desde que nasceu: 3 malformações congénitas, agora 16 problemas de saúde diferentes, vários períodos no hospital, e uma incapacidade de 93%. Mesmo assim, ganha a sua vida e consegue ser independente, mostrando que todos os obstáculos se ultrapassam.
1. Conte-nos um pouco da sua história até aqui.
Nasci com 3 malformações congénitas; uma em ambas as pernas e pés, e outras duas que só foram descobertas na idade adulta, ambas na coluna. Depois a partir de certa altura começaram a aparecer outros problemas de saúde que todos juntos originam uma verdadeira batalha dentro do meu corpo. Já perdi conta às vezes que estive internada, mas levo sempre as coisas na positiva. Em criança fui opeara duas vezes a ambas a pernas, mas só me lembro da segunda cirurgia. Também me lembro que comecei a 2.ª classe com gessos nas pernas. Em 2001 decidi criar o meu posto de trabalho através de um projecto de apoio do IEFP: foi o primeiro e pioneiro atelier de presentes totalmente personalizados em Portugal.
2. Quais foram as maiores dificuldades que enfrentou?
A nível pessoal foi quando transitei da primária para o então ciclo-preparatório onde mudei de escola e fui alvo de bullying por parte dos meus colegas, da própria directora de turma e de outros alunos. Esse foi o meu calvário durante 3 anos, só quebrado quando chumbei para mudar de turma. A nível profissional foi de facto o atelier funcionar em teletrabalho. Hoje isto é comum, mas em 2001 não havia nada assim e algumas pessoas tinham receio de fazer encomendas. Mas como tudo funcionava bem, habituaram-se depressa e nunca tive uma reclamação.
3. Como é que apareceu a A Oficina dos Presentes, e para quem não sabe, o que é?
A Oficina dos Presentes apareceu em Abril de 2001, e em Portugal foi o primeiro atelier de presentes totalmente personalizados para o cliente. Claro que não tem um espaço físico onde as pessoas possam ir mas existe um site super completo e com todas as informações (produtos, materiais, portfolios de peças para baptizados, primeiras comunhões e casamentos). Aquilo de que mais gosto é quando o cliente recebe a encomenda, telefonar-me e dizer-me “…Catarina, já sabia que ia ficar uma peça bonita; mas superou em muito o que esperava receber, dou-lhe os parabéns pelo seu profissionalismo…”
4. Quais são as peças que mais gosta de fazer?
Gosto muito de produzir presentes – e as peças mais populares são os álbuns de fotografias, caixas e molduras – mas também de desenvolver uma ideia para um baptizado, primeira comunhão ou casamento. Isso também é muito gratificante porque permite explorar ideias novas. Tenho clientes que começaram por me contactar por causa do seu casamento, depois nasceram os filhos e tratei dos baptizados, depois vieram as primeiras comunhões… Há famílias que acompanho desde o início.
5. Sempre teve jeito para trabalhos manuais ou aprendeu de propósito?
Quando a minha mãe ficou grávida de mim, estava a frequentar o 1.ª Curso de Artes Decorativas do IADE e costumo dizer que comecei a aprender trabalhos manuais desde antes de nascer… Depois claro que tudo se treina e se aperfeiçoa.
6. Conte-me uma história engraçada com um cliente.
Gosto muito da história do casamento da Catarina e do Carlos: o noivo era piloto da força aérea e na primeira reunião comigo disse-me “Catarina, não quero nada de laços nem de brilhos, e isso aplica-se a todo o nosso casamento” e assim fiz. Os convites tinham 3 versões (porque o fundo eram 3 quadros pintados pelo pai da noiva e que representavam respectivamente os seus próprios 20, 30 e 40 anos de casados). A ementa foi um carvão de uma casa que existe na Base Aérea de Sintra, feita com base numa fotografia bastante rara. O quadro de convidados foi feito com o mesmo carvão da ementa mas aplicando a cada mesa uma cor diferente, e o resultado foi um quadro de convidados muito alegre. Mas muitos outros trabalhos me deram enorme prazer.
7. Em Portugal ainda há muito preconceito contra as pessoas com deficiência?
Gostaria de dizer que não; mas infelizmente é uma triste realidade. Há quem ache que as pessoas com deficiência não querem trabalhar, que querem só subsídios e apoios monetários mas isso não é verdade. Obviamente que todos os meus problemas afetam a minha vida, mas como trabalho em casa não me canso em deslocações. Posso trabalhar menos horas do que trabalhava até 2015, mas isso prende-se com a necessidade de tratamentos médicos, consultas e descanso. E as pessoas não-deficientes muitas vezes não compreendem a diferença entre três realidades muito diferentes: Pessoa com Deficiência Congénita (o meu caso, que ando na rua com uma canadiana), Pessoa com Deficiência Adquirida (pessoas paraplégicas ou tetraplégicas em cadeira de rodas) e Pessoa com Mobilidade Reduzida (pessoas idosas, pessoas que fracturaram uma perna ou braço, ou alguém a recuperar de uma cirurgia). Eu não tenho mobilidade reduzida como muitas vezes me dizem, mas sim deficiência física. Apesar disso, faço a minha vida da maneira mais normal que consigo.