Os muros altos de uma prisão transformam-se em linhas num pavimento quando comparados à força, coragem e determinação da jornalista Narges Mohammadi, com 51 anos.
Presa, há oito anos, em Teerão, esta mulher é a líder do movimento contra a opressão das mulheres iranianas. Foi, por isso, distinguida com a mais alta distinção: o Nobel da Paz.
Enfrenta cinco penas de 31 anos de prisão. E nem as 154 chicotadas que recebeu a demovem. Já foi detida 13 vezes.
No dia em que se assinalou o 75º aniversário da Declaração Universal dos Direitos Humanos, o Nobel da Paz foi entregue a Mohammadi nas instalações da Câmara Municipal de Oslo, na Noruega. Na impossibilidade de receber o galardão, porque está detida, a ativista fez-se representar pelos filhos gémeos, Kiana e Ali Rahmani, que transmitiram o discurso que a mãe escreveu.
“Sou uma mulher do Médio Oriente, de uma região que, apesar de ser herdeira de uma civilização rica, está atualmente presa na guerra e nas chamas do terrorismo e do extremismo. Sou uma mulher iraniana que tem orgulho e honra em contribuir para esta civilização, uma mulher que hoje é vítima da opressão de um regime religioso tirânico e misógino.(…) O ‘hijab’ obrigatório imposto pelo governo não é nem uma obrigação religiosa nem um modelo cultural, mas sim um meio de controlar e subjugar toda a sociedade”, disse Mohammadi no discurso lido pelos filhos.
Na mensagem escrita “atrás dos muros altos e frios de uma prisão” e lida perante a família real norueguesa, considerou que o regime do Irão está “no nível mais baixo de legitimidade e apoio popular“. Defendeu que “a resistência está viva e a luta perdura”, e que “a luz da liberdade e da justiça brilhará intensamente na terra do Irão”.
“A tirania é uma malevolência sem fim, sem limites, que há muito tempo lança a sua sombra sinistra sobre milhões de seres humanos deslocados. A tirania transforma a vida em morte, a bênção em lamento e o conforto em tormento. A tirania oprime a humanidade, o livre arbítrio e a dignidade humana. A tirania é o outro lado da moeda da guerra. A intensidade de ambas é devastadora; uma diretamente, com as suas chamas destruidoras de devastação visível, a outra insidiosa e enganadora, dilacerando a humanidade”, leu, emocionada, a filha de Narges.
Mohammadi aponta por isso que a sua luta tem sido mais “uma questão de sobrevivência” do que a “melhoria da qualidade de vida” das mulheres, num discurso que não esquece as vozes iranianas “corajosas“, “que viveram uma vida de resistência em várias áreas de opressão implacável”.
Mohammadi é um dos principais rostos da revolta “Mulher, Vida, Liberdade“ no Irão. O movimento, em que as mulheres tiraram o véu, cortaram o cabelo e se manifestaram nas ruas, foi desencadeado pela morte, em 2022, da jovem curda iraniana Mahsa Amini. A jovem morreu após ter sido detida detida, em Teerão, por não ter respeitado o rigoroso código de vestuário islâmico.
Os filhos de Narges, de 17 anos, receberam o prémio, que inclui uma medalha de ouro, um diploma e ainda um cheque de 11 milhões de coroas suecas, o equivalente a 980 mil euros à conversão atual. O Nobel da Paz é o único que é escolhido pela Academia Norueguesa, sendo que as restantes categorias são escolhidas pela Academia Sueca e entregues em Estocolmo.
Por simbolismo, foi deixada uma cadeira vazia no palco da cerimónia, enquanto Kiana e Ali liam um discurso enviado pela mãe da prisão. “O povo iraniano, com perseverança, vai ultrapassar a repressão e o autoritarismo. Não tenham dúvidas, isto é uma certeza”.
Mohammadi pediu que fosse exibida uma foto sua com cabelos soltos, uma roupa colorida e um olhar sorridente. Narges considera que o uso obrigatório do hijab é “uma política governamental vergonhosa” e assegura que as mulheres do Irão não se vão “conformar“.
Após a cerimónia, os filhos das ativista, em conferência de imprensa, disseram que a mãe ia começar mais uma guerra de fome em solidariedade com a minoria religiosa de fé Baha’i.
Kiana e Ali não vêem a mãe há sete anos. Vivem com o pai exilados em Paris. O marido de Narges, Taghi Rahmani, não a vê há 11 anos. A filha, Kiana, assumiu que tem pouca esperança de que o encontro entre ela e a mãe aconteça em breve. “Talvez a veja dentro de 30 a 40 anos, mas acho que não a vou ver novamente. Mas isso não importa, porque a minha mãe vai estar sempre no meu coração, são valores pelos quais vale a pena lutar”.
Mohammadi é a segunda mulher iraniana a ganhar o prémio Nobel da Paz, depois a ativista Shirin Ebadi, em 2003.
Narges Mohammadi recebeu o Nobel da Paz…
Narges Mohammadi recebeu o Nobel da Paz…
Narges Mohammadi recebeu o Nobel da Paz…