Um espírito livre não se prende aos supostos, ao que é esperado, ao provável e expectável. Um espírito livre vai usar toda e qualquer oportunidade para desfrutar da autopermissão a ser ele próprio. Mesmo nas tão pequenas grandes escolhas que passam por decidir o que vestir.
É fascinante como uma decisão rotineira, uma escolha – tantas vezes automática – que fazemos todos os dias, diz tanto sobre nós sem que tenhamos de falar. Numa espécie de código universal, o que vestimos, mais do que o que diz sobre nós, mostra a nossa identidade.
Trago-lhe três mulheres que a fariam olhar (pelo menos) duas vezes, em cruzando-se com elas na rua. As três pela mesma razão inesperada: mais do que ‘tão elegante’, fá-la-iam pensar ‘nunca combinaria aquelas peças, mas que bem que ficam’.
MARIANA MACHADO
criadora de conteúdos
Em pequena, já insistia em usar umas sabrinas de verniz nas aulas de educação física. E ainda antes de a vida lhe trocar as voltas e de a tornar, para muitos, na mulher mais bem vestida de Portugal, Mariana Machado, nos seus tempos de enfermeira usava saltos sempre que lhe era possível. Foi desde sempre muito feminina. O estilo, esse, foi construído à mesma velocidade da sua forma de ser.
Hoje, com 33 anos, conta que gosta “sempre de fazer combinações menos óbvias que possam servir de inspiração para quem olha”. Está no bom caminho – digo eu e as mais de duas centenas de milhar de seguidores que acompanham e aplaudem cada peça que escolhe usar. “Desde pequena que adoro que me perguntem de onde é a roupa que uso, sem nunca imaginar que esse gosto faria parte da minha futura profissão.”
A forma como se veste é um espelho da sua personalidade, uma forma de diferenciação. O melhor elogio que lhe podem dar? A surpresa nos olhos de quem vê as combinações de peças e cores que, para gáudio do seu sentido de estilo, opta por fazer. A imprevisibilidade da teimosia que mostra desde pequena – as sabrinas de verniz não a deixam mentir – reflete-se ainda hoje nas escolhas disruptivas de quem confia e sabe exatamente o que faz.
Usa a força do vermelho, a seriedade do preto e a calma do branco. Usa o que quiser usar. Confessa que em ‘dias não’ – como o comum mortal – veste e despe várias peças, até encontrar a ideal. Na dúvida, diz, um fato ou um vestido são sempre apostas seguras.
Os sapatos – de novo, os sapatos – são muitas vezes ponto de partida. Como as primeiras sandálias de salto que comprou, no Algarve: umas Colcci vermelhas, azuis e verdes (ritual de iniciação que recorda com vivacidade).
Estar bem vestida é sinónimo de confiança, lição que aprendeu cedo com a tia Ana e a mãe, que haviam de ditar o vaidosa que se tornou.
RAQUEL GUERREIRO
Stylist
Nascida nos anos 90, cresceu numa altura em que a cultura pop estava a borbulhar. Os videoclipes da MTV, em loop na TV, geraram uma obsessão pela Britney Spears e deram ao duvidoso sentido de estilo de uma adolescente a certeza de uma milhão: “Lembro-me de querer parecer uma estrela pop… fosse ela qual fosse.” Sempre influenciada por personagens de ficção, Lara Croft e Morticia Adams foram muitas vezes inspiração. Até à estreia de ‘Gossip Girl’, quando o estilo inconfundível de Blair Waldorf a tornou numa “posh girl de Nova York, mas em Loulé”.
Com a idade – entra agora nos 30 –, perdeu a necessidade de encaixe, de pertença, do lugar seguro. E ainda que se sinta muito confortável quando usa preto, não tem medo de experimentar coisas novas. Diz-se agora mais divertida, não se leva tanto a sério, e, confessa (numa ‘frase inspiracional de bolso’), que olha para a roupa como olha para a vida: sem preconceito.
O seu sentido de humor passa através das peças que escolhe usar, num quase desprendimento de quem, não querendo saber, sabe muito – e isso nota-se. Não gosta de combinar. Mas o seu sentido estético faz resultar as fusões mais inesperadas: como um corpete com umas calças cargo, ou estas últimas com um par de Crocs.
Persegue a ideia de tudo o que provoca, de tudo o que instiga à comoção e faz pensar “não devia ser assim”. Porém, é, porque Raquel pode. Tanto pode que as vicissitudes da vida a tiraram da porta do Spit and Polish e a levaram, primeiro como assistente do conhecido stylist João Pombeiro (ainda que, na altura, não soubesse muito bem ao que ia), depois a um conceituado curso de Styling de Moda e, no final, à marca em nome próprio que hoje constrói.
Veste, entre outras personalidades, Bárbara Bandeira, Inês Mendes da Silva, Mafalda Castro e Sara Prata. Fora as produções, publicidades e videoclipes. Videoclipes? Digam lá à Raquel que passava horas em frente à televisão que o seu trabalho vai também acabar a servir de inspiração.
BÁRBARA INÊS
criadora de conteúdos
Uma vista rápida por fotos de infância lembram-na de que começou cedo a escolher as suas roupas: “Apanhei peças muito pirosas e com brilhantes. Acredito que tenha sido eu a ‘impor’ isso aos meus pais.” Recorda com carinho o crop top que usou num dos primeiros aniversários, que “era muito arrojado, mas ficava amorosa com a barriguinha de fora e sei que me sentia superfixe a usá-lo”.
E engana-se, querida leitora, se associa esta confiança à inocência da infância. Manteve-se mesmo no secundário, esse lodo de inseguranças e incertezas, onde não tinha medos nem vergonhas de usar ligas com botas militares e batom preto. Reconhece a extravagância das suas escolhas, mas nunca se inibiu de usar algo que gostasse por “dar mais nas vistas ou por me julgarem”.
A espontaneidade sempre foi guia no seu sentido estético. Há uma espécie de instinto, diz, por trás das suas escolhas. E não é, realmente, uma coisa muito pensada. Porque Bárbara num dia em que esteja a trabalhar em casa ou saia para ir ao supermercado, “é um fato de treino bem largo e já está”. Pode, porém, muito bem, no dia seguinte, tendo um almoço com amigas ou afazeres profissionais, “querer estar com estilo, sentir-me bem segura”. Sempre com a certeza – dela e de quem a segue – de que, o que quer que vista, vai funcionar. Não sendo isso, nunca, uma preocupação.
Aos 28 anos mantém a irreverência da adolescência e assume que, antes das pessoas, está a sua opinião. E quando no espelho se sentir “bonita e elegante”, vai ter automaticamente mais confiança. Com ela não há, garantidamente, medo de arriscar. Porque, no fundo, “estar bem vestida é muito subjetivo, existe sempre a questão do gosto pessoal e do estilo individual”.
Com um percurso ligado às artes, teve desde sempre uma paixão pela ideia de criar uma marca dela. Pela confiança que lhe é característica, sabia que mais cedo ou mais tarde ia acontecer. Como o que tem de confiança tem de certezas, essa marca nasceu, quase como forma de escoar a criatividade que lhe enche o peito. A Two Zero é uma marca de roupa sem género, um projeto a duas mãos com Ricardo Branco.