Maria Teresa Horta
Foto: Gonçalo Rosa da Silva

A mais famosa das escritoras feministas portuguesas, sempre lutou pelos direitos das mulheres, principalmente numa altura em que isso definitivamente não estava na moda. Este ano, o júri dos Prémios ACTIVA Mulheres Inspiradoras decidiu atribuir-lhe uma distinção especial, o Prémio Liberdade, em homenagem também à celebração dos 50 anos do 25 de Abril.

Na cerimónia de entrega dos Prémios ACTIVA Mulheres Inspiradoras, que decorreu no Palácio do Conde d’Óbidos – Cruz Vermelha Portuguesa, em Lisboa, Luís Marques Mendes subiu ao palco para falar um pouco sobre a homenageada – e sobre a revolução. “Decidimos instituir este prémio especial porque estamos a uma semana de celebrar o dia que instituiu a democracia e a liberdade. E portanto, o júri entendeu que para um dia marcante num ano marcante, fazia sentido um prémio para uma homenageada também marcante.”

Antes de mais, uma palavra sobre o 25 de Abril. “Eu sou daquelas pessoas que adoram o 25 de Abril. Eu tinha 16 anos nessa altura, estava a acabar o liceu em Guimarães. E vale a pena parar para refletir um pouco sobre o que essa data nos trouxe. Uma pessoa se tinha uma opinião discordante dos discursos oficiais, podia ser presa. As eleições eram uma falsificação. E se pensarmos nos direitos sociais, há 50 anos morria-se em Portugal por falta de dinheiro para pagar uma cirurgia, por exemplo.”

Por isso tudo, afirma que os militares de Abril são os heróis da revolução. Mas há muito mais pessoas, mesmo não sendo militares, que contribuíram anos a fio para a queda do regime. Uma destas pessoas foi Maria Teresa Horta. Jornalista e escritora, nunca deixou ninguém indiferente. Militante do PCP durante muitos anos, chegou a ser perseguida pela PIDE. “Tenho uma profunda admiração pelas pessoas que deram tudo incluindo a vida para ajudar a defender a democracia.” Lembrou ainda o lançamento das ‘Novas Cartas portuguesas’, que abalou profundamente o regime, e o julgamento das ‘Três Marias’. “Por tudo isto, o júri decidiu homenagear Maria Teresa Horta, e nesta homenagem incluir a sua ação, a sua coragem, a sua determinação, a sua sensibilidade, mas também a inspiração que é ainda hoje nos direitos das mulheres, ainda hoje tão importante e oportuna.”

Devido à sua fragilidade física, a homenageada não pôde estar presente na cerimónia, e o prémio foi entregue à sua editora. “Tenho a certeza de que a Maria Teresa ia adorar estar aqui e receber este prémio, e vai continuar a lutar pelas mulheres” afirmou Cecília Andrade. “Porque parece que está tudo muito bem mas não está. Portanto, a luta continua. “

Mas quem é Maria Teresa Horta? “Uma chata, sempre fui uma chata”: é assim que se define na recente biografia que dela escreveu Patrícia Reis. Escritora, jornalista, feminista, sempre foi silenciada por ser incómoda de várias maneiras: de pensamento, de ação, de mudança. Numa altura em que a vida das mulheres era ela própria feita de tantos silêncios, Maria Teresa Horta soube corajosamente tomar para si as dores e as lutas das outras, que eram também as suas. 

Filha mais velha de um médico conservador que não a compreendia e de uma mulher livre e muito à frente do seu tempo, sobreviveu ao divórcio dos pais numa altura em que isso não era comum. Para toda a vida ficou o sentimento de não ser amada e a dor do abandono, que a levaram a um primeiro casamento sem amor mas também à consciência daquilo que era preciso mudar na vida das mulheres.  

Muito nova descobre a poesia, o cinema e o jornalismo, e cedo se torna ativa na cena cultural de um pais em ditadura, onde as mulheres sofriam ainda mais. “Antes do 25 de Abril, era tudo dramático na vida das mulheres, desde o início do dia até ao fim da noite, porque elas não eram ninguém, não tinham nenhuma espécie de liberdade”, lembrou numa entrevista à Activa. “Os homens tinham o poder total, inclusive sobre os filhos. As mulheres podiam ‘dar opinião’. Mas essa opinião não contava para nada.” 

Cecília Andrade recebe o prémio das mãos de Luís Marques Mendes
Foto: Luís Coelho

E ela dava. Opinião. Segundo o Regime, dava opinião a mais. Quando o seu primeiro livro, ‘Minha senhora de mim’, foi publicado, pela D. Quixote, a editora Snu Abecassis foi chamada e avisada pelo censor: ‘Não pode publicar mais nada desta senhora. Porque se tornar a fazê-lo, fecho-lhe a editora.’  Atacada e fisicamente espancada na rua para, segundo palavras do seu atacante ‘aprenderes a não escrever como escreves’, nem assim Maria Teresa Horta desistiu de ser incómoda. “Mas era o tipo de coisa a que se estava sujeita”, contou-nos. “Na altura, eu conhecia pessoalmente mulheres que escreviam na casa de banho, sentadas na sanita, porque era o único sítio onde tinham privacidade e podiam trancar a porta.” 


O ataque deu origem às ‘Novas Cartas Portuguesas’, publicado em 1972, onde se tornou uma das célebres ‘Três Marias’, com Maria Velho da Costa e a Maria Isabel Barreno. Tendo como ponto de partida as cartas de Mariana Alcoforado, o livro dava uma voz a várias ‘Marias’ portuguesas e às suas vidas amordaçadas, abordando temas como o casamento, a sexualidade e a maternidade e mostrando como a repressão da ditadura e o peso do patriarcado reprimiam as mulheres.  “Sabíamos que íamos ter problemas graves” recorda Maria Teresa. Tiveram. Publicado graças à coragem de uma outra mulher, Natália Correia, o livro foi imediatamente apreendido e as suas autoras condenadas naquele que foi o último caso de perseguição a escritores em Portugal, mas tornou-se uma bandeira do feminismo e recebeu apoio de mulheres como Simone de Beauvoir ou Marguerite Duras.  Só depois do 25 de Abril o processo foi desativado.  

A liberdade não a travou, e a sua atividade política e literária continuou intensa, desenvolvendo uma poesia que abordava o erotismo e a relação com o corpo de uma forma totalmente inédita na literatura feminina portuguesa. Agora, tantos anos depois das ‘Novas Cartas’, afirma que ainda não podemos baixar os braços. “O que mais me entristece hoje é as ‘Novas Cartas Portuguesas’ continuar tão atual.”

A revista ACTIVA entregou pelo sexto ano consecutivo os Prémios ACTIVA Mulheres Inspiradoras numa cerimónia que decorreu na Palácio da Cruz Vermelha, em Lisboa. A revista ACTIVA elege anualmente as Mulheres Inspiradoras que se destacaram nas seguintes áreas: Artes, Ciência, Desporto, Empreendedorismo, Personalidade Digital, Solidariedade e Sustentabilidade. É, ainda, atribuído o Prémio Carreira.

O júri é constituído por  Maria de Belém Roseira, Conceição ZagaloLuís Marques MendesMafalda Anjos e Natalina de Almeida.

Os Prémios contam com o apoio, fundamental, das marcas C&A, DS Automobiles e Isdin.

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