Mónica Seabra-Mendes tem um percurso académico e profissional notáveis, o que abriu portas para que se tornasse uma das maiores especialistas em Portugal sobre a área da Gestão do Luxo.
Licenciada em Comunicação Empresarial pelo ISCEM, em Lisboa, e mestre em Gestão do Luxo, da Moda e da Arte pela Universidade Sorbonne, em Paris, deu os primeiros passos na carreira no departamento de imprensa da casa de alta-costura Guy Laroche, na capital francesa. Seguiram-se várias funções na área da comunicação e marketing na L’Oréal. Entretanto, ocupou também os cargos de diretora de marketing da marca japonesa Shiseido e de consultora para o mercado Ibérico e diretora de marketing do Grupo Clarins, em Espanha e Portugal.
Atualmente, é diretora do Programa Executivo de Gestão do Luxo, da Católica Lisbon Business & Economics, e é responsável pelos Programas Executivos “Luxury Brand Management”, em Miami, em parceria com o Institut Supérieur de Marketing du Luxe – Paris e Luxury Brand & Retail Management, na Universidade do Dubai. É ainda partner da Affluencial, uma plataforma dedicada à consultoria e formação na área do luxo, onde lida essencialmente com clientes institucionais que procuram formação e ajuda estratégica para os respetivos setores de atividade.
“Aquilo de que mais gosto na minha profissão é a liberdade de fazer coisas diferentes, de inspirar, de conhecer pessoas e projetos incríveis. De lidar com a beleza e a criatividade“, conta-nos, acrescentando que o episódio mais marcante do percurso profissional até hoje foi “assumir trabalhar por conta própria com liberdade, mas também com a responsabilidade que essa decisão implica”.
A consultora é a primeira convidada da rubrica Deep Talk e não deixou nada por responder nos nossos questionários.
Como é um dia típico para si?
Felizmente, não tenho dias típicos. Mas tenho rituais diários: acordar e preparar a minha filha para a escola e tomar o pequeno-almoço em silêncio, acompanhado de alguma leitura. O resto do dia é passado a trabalhar, e os dias são sempre diferentes, quer em relação aos projetos em mãos, quer em relação às interações e aos interlocutores (zoom, reuniões presenciais, telefonemas, pesquisas, viagens, aulas, talks, etc.). À noite, dedico tempo a preparar o jantar, que é um momento especial em família.
Como resume a sua experiência profissional até agora?
Felizmente, nunca tive um ano de experiência repetido várias vezes, mas sim anos de experiências diversas. Tenho ciclos naturais de renovação em que procuro novos desafios. Posso dizer que a minha experiência profissional nunca foi num sentido muito determinista, pois sempre valorizei, acima de tudo, a liberdade de fazer as minhas escolhas e procurar novos desafios. Gosto muito do que faço e não entendo como trabalho, mas como prazer e desafio intelectual. O que faço profissionalmente faz parte integrante do que sou.
Como é que o conceito de Luxo surgiu na sua vida profissional?
Nunca pensei em seguir nada ligado ao Luxo. Queria fazer Marketing Político ou Arqueologia e tinha uma paixão por História, Sociologia e Filosofia. Talvez por ter uma sensibilidade estética, muitos colegas e profissionais com os quais me cruzei acharam que eu era dotada para as áreas da moda e do luxo, e sempre que surgia uma oportunidade pensavam em mim.
O meu primeiro estágio, ainda durante a licenciatura, foi na área das Relações Públicas, na L’Oréal Luxo, e foi aí que comecei a lidar com este mundo mágico. A partir daí, somaram-se experiências na área da moda e da perfumaria e cosmética, quer em Portugal, quer fora, e um mestrado na área do luxo. Hoje, a Gestão do Luxo é a minha área de estudo e especialização.
Experiência de trabalho em Espanha versus experiência de trabalho em Portugal: quais as principais diferenças?
Pela dimensão do país/empresa, o trabalho em Espanha era mais especializado. Cada departamento/profissional tinha responsabilidades muito definidas. Havia um grande apoio para tarefas burocráticas e time consuming. Às 19H, o mais tardar, saía com tudo feito e nunca levava trabalho para casa. Em Portugal, exatamente na mesma empresa, tinha muito mais campos de ação, mais equipas e marcas para gerir e o trabalho não se esgotava nas horas de um dia. Contudo, como sempre gostei de ter uma visão do trabalho mais ampla e menos compartimentada, deu-me mais gozo trabalhar em Portugal.
De que forma é que o programa de Gestão do Luxo da Católica Lisbon abre portas para o setor no País?
O Programa, que este ano celebra 10 anos, pretende oferecer aos profissionais o essencial da Gestão do Luxo, independentemente da sua formação ou área de atividade. A melhor forma de responder é dizendo que quando surgem oportunidades relevantes no mercado, pedem-nos perfis. São muitos os profissionais colocados hoje no mercado graças às suas qualidades, mas também, como elemento diferenciador e complementar, graças ao facto de terem frequentado o nosso Programa. Não tenho dúvidas de que é uma mais-valia. Também se criam muitas sinergias entre os participantes e, fazendo todos parte de uma comunidade que partilha os mesmos gostos, ambições e formação, acabam por surgir oportunidades também dentro desta rede privilegiada.
Quais são as principais tendências do mercado do luxo?
Um luxo mais baseado na funcionalidade e propósito dos seus produtos. Menos Luxo e melhor Luxo. A “Marca” perde força vs a força da opinião dos pares. Um luxo em que a exclusividade se exerce não do ponto de vista da marca, mas do ponto de vista do consumidor que cria a própria exclusividade de acordo com as suas experiências, valores e escolhas.
Que novas oportunidades deteta?
Vejo grandes marcas estabelecidas que se reinventam como não se julgava ser possível e vejo novas marcas que emergem com um propósito e valores muito fortes. Talvez a grande oportunidade no luxo hoje é haver espaço para que marcas de maturidade distintas possam exercer a sua atracão simultaneamente no mesmo mercado e, muitas vezes, junto de um mesmo cliente.
Que tipos de oportunidades de trabalho existem dentro do setor em Portugal?
Muitas das oportunidades na área do luxo em Portugal existem na área do retalho das marcas internacionais, por onde se pode entrar para depois assumir carreiras internacionais, por exemplo. Contudo, creio que, com o desenvolvimento do Turismo, haverá oportunidades nas áreas que gravitam em torno dessa atividade económica. Por último, há marcas portuguesas que começam a querer afirmar-se no segmento do luxo e isso pode ser um enorme desafio para profissionais que queiram trabalhar na área.
Como cultiva o networking?
Não cultivo. Não faço nada propositadamente nesse sentido. Gosto de pessoas interessantes e que acrescentam. Gosto de boas pessoas. Quando me cruzo com estes perfis, acabam por se criar laços naturalmente.
Para quem acabou de terminar uma licenciatura em Marketing/Comunicação e quer trabalhar com grandes marcas de luxo em Portugal, o que deve fazer?
Deverá começar por fazer uma formação complementar na área do luxo. A Gestão do Luxo tem regras e particularidades muito próprias
Que conselhos daria às muitas novas marcas (principalmente de moda) que estão a surgir?
Que sejam realmente diferentes, quer na estética dos produtos e forma de produção, quer na forma de se dar a conhecer. Estamos numa economia da atenção. Há milhares de marcas a entrar pelas redes sociais todos os dias e a área da moda é uma das mais competitivas. Que sejam sérias e consequentes no seu trabalho. Há muita economia de subsistência na moda; muitas marcas de moda que resultam de uma afirmação e expressão pessoais e que não são vistas como um negócio.
Que oportunidades existem para novos produtos/serviços?
Depende das áreas. Há áreas a crescer muito e carenciadas de novos projetos; outras completamente esgotadas, quer pelo seu modelo de negócio (moda), quer pela sua falta de relevância junto dos consumidores. Os produtos e serviços devem, cada vez mais, responder a uma necessidade/desejo. Devem ser soluções para problemas. A pandemia, por exemplo, veio trazer novas necessidades de acessibilidade, responsabilidade social e ambiental; novas formas de viajar, novas formas de organizar a nossa vida pessoal e profissional. Talvez nunca tenha existido, nas últimas décadas, uma mudança tão grande e tão rápida de paradigma. Talvez nunca tenham surgido tantas oportunidades para novos produtos e serviços. No caso do luxo, por exemplo, o mercado de segunda mão amadureceu como nunca antes visto. Um produto/serviço que não se vislumbraria há alguns anos e que o próprio luxo abraçou estrategicamente e está a fazer crescer, sem complexos!
Que conselhos daria a quem gostaria de seguir uma carreira como a da Mónica?
Se o que pretendem é trabalhar na área do luxo, aproveitem todas as portas de entrada. Tenho alunos que querem entrar para a marca X pela porta grande e eu digo-lhes sempre que o importante é entrar, colocar o pé lá dentro. Se forem bons, encontrarão o seu lugar. E quando digo bons, muitas vezes, nem é pelas qualidades técnicas, mas pelas qualidades estéticas e pelos soft skills. O mundo do luxo é muito particular.
Dê-nos exemplos de marcas portuguesas que estão a fazer um ótimo trabalho e que devemos seguir.
A Vista Alegre teve uma excelente recuperação de imagem e posicionamento, dando lugar a uma marca com viabilidade económica. Trata-se de uma marca/património portuguesa que estava à beira de perder qualquer relevância junto dos novos consumidores e antigos clientes. Uma empresa que tem hoje uma ambição muito forte de tornar-se a marca de referência do estilo de vida português. Uma inspiração!
A Vista Alegre é um exemplo de uma marca estabelecida, madura e que representa um setor tradicional português. Depois, temos a marca de iates de luxo ROM, que acaba de nascer e promete dar muito que falar por ser todo o contrário: é jovem, recém-criada e aposta num setor inexplorado no País.
Para não elencar apenas mais uma marca, deixando tantas outras excelentes de fora, aproveito para mencionar um sem número de projetos que estão a revisitar e a ajudar a perpetuar o saber fazer português. Projetos que trabalham o estuque, o vime o burel, trabalhos de cerâmica de autor, rendas tradicionais, prata, filigrana, mobiliário…
O que se vê a fazer daqui a 5 anos? E daqui a 10 anos?
Continuar a trabalhar, espero eu. A ter energia suficiente para todos os projetos que tenho na cabeça. A ajudar a dar a conhecer o que Portugal tem de melhor para oferecer.
Que conselhos daria a si mesma se tivesse 25 anos?
Vai trabalhar por esse mundo fora, explora todas as possibilidades possíveis.