Queridos pais,
Onde estamos? Para onde caminhamos? Já parámos para pensar nas consequências dos nossos atos? Já paramos para refletir sobre isto? Já percebemos que estamos prestes a criar um Mundo novo, nunca antes visto? Nunca nenhuma civilização passou por isto de colocar crianças em frente a ecrãs viciados em jogos virtuais, onde brincar na rua é uma seca e fazer amigos para a vida é coisa de antigamente, crianças sem toque, sem emoção, sem coração. Isto vai transformar toda a humanidade, forçosamente. Para melhor? Acha? Sinceramente, acha?
Partilho convosco uma história da vida real: há uns dias fui almoçar fora com a família. Estava um dia lindo, num esplanada à beira rio, mais relaxante era impossível; não fora o casal sentado a uma mesa de distância de nós. Garanto que a escolha da mesa não foi, nem um bocadinho minha e que não fiz de propósito para me sentar ali para estar a analisar a situação (como confesso que adoro fazer: aprende-se muito a analisar o comportamento alheio). Vocês perguntarão o que é que o tema tem a ver com o casal. TUDO!
Porque imaginem que este casal vinha acompanhado do seu “rebento”. Um rapaz, com os seus 3 aninhos. Diante dele tinha o pai. No meio deles um cesto de pão com azeitonas, um copo, mas a única coisa que ele via era só mesmo o famoso tablet! Ai da mãe que tirasse o TABLET da frente dele nem que fosse para mudar o vídeo que ELE estava a ver, ou para o sentar direito na cadeira, ou desviar dali alguma coisa que estivesse por perto.
A reação da criança tão querida era, das duas, uma: ou gritava e esperneava, ou atirava com o que apanhava para a cara da mãe. Claro que isto só aconteceu umas 4 ou 5 vezes durante o tempo toda da refeição, porque a mãe com medo do escândalo já pouco se atrevia a dizer, fazer ou mexer fosse no que fosse.
A criança comeu pouco, mesmo a comida sendo levada à boca, não conversou, não riu, imagino que nem tenha dado conta que ali também estavam mais pessoas, árvores, o rio; com sorte reparou que a mãe esteve para lhe dar comida. E o pai… o pai não tenho bem a certeza, pois se se lhe perguntar se o pai foi ontem almoçar com ele, ele não se lembrará.
A mãe perdeu a cabeça. Não foi uma mãe tipo “sangue de barata”. Ela levantou-se da mesa, pelo menos, 2 vezes e dessas 2 vezes o filho foi atrás, não me perguntem porquê, porque acreditem não tive o tempo todo a reparar. O que é certo é que teve de ser ela sempre a sentá-lo de volta na cadeira. Posto isso, enervou-se e em voz bem alta ralhou ao pai: “quer dizer, ele sai daqui, faz o que quer e tu não fazes nada, não é? Assim sou sempre eu a má da fita”, sentando o filhote de volta na cadeira.
A segunda vez que ela perdeu a cabeça foi quando desviou o TABLET, e o filho irritadíssimo lhe atirou com um guardanapo e uma tampa da garrafa do sumo para a cara. Aí sim… ela acabou por dar uma chapada na cara do pequeno, meia dúzia de palavras tipo “não se grita, não se bate” e “toma lá o TABLET”.
Na mesa do lado sentia o meu coração a ficar cada vez mais pequeno, apertado, do tamanho de uma pequena ervilha. Um serão em família, diluído numa situação constrangedora, triste.
Quem me dera que esta história fosse singular e extraordinária, mas digam-me vocês? Não é o que assistem diariamente nos cafés, nos carros e autocarros, restaurantes, centros comerciais, parques?
Ouço imensos pais a dizer o difícil que é educar nos dias de hoje? Será assim tão mais difícil, ou é só uma frase que se diz para justificar tudo? Sempre existiram as crianças que usavam sapatos e os outros não; outros usavam roupas de marca, enquanto que as outras não. Houve sempre competição, os que gozam com os que não têm, os que pedem aos pais para ter o que não podem e então?
Faz parte ouvir que “NÃO, NÃO É POSSÍVEL!” – SEM CULPAS! Sem remorsos. Sem outras complicações. Façam-lhes esse favor para bem deles, para o vosso bem, para o bem do Mundo que é (ainda) de todos.
Creio que educar será sempre o maior desafio do ser humano durante a vida, mas o que tenho aprendido e partilhado com tantas famílias é que pode ser um desafio bem mais simples. Vivemos na era de complicar muito tudo, até as nossas refeições, com a sensação aparente de que estamos a “resolver problemas” e não é verdade.
Educar com consciência é o caminho, pais!
Com muito Amor, para que as crianças não esqueçam, pelas horas que passam a “falar” com o ecrã, que o coração, a emoção e o toque existem, – que são saudáveis e essenciais à vida em sociedade e para o seu próprio equilíbrio emocional. Com muitos Limites, também eles essenciais à vida. Ensinando, desta forma, a lidar com a frustração, com os obstáculos, com o desenvolvimento da força interior, da empatia pelos outros, do amor próprio.
Fico tão preocupada. Quem mais se preocupa? Temos estudos e mais estudos. Até o Steve Jobs, diz que as crianças só deviam ter acesso as tecnologias a partir dos 12 anos. E que até então o uso deve ser muito limitado e controlado.
Então pais? O que se passa com vocês? Falta de paciência? Têm dificuldade em dizer “NÃO”? É isso? Adorava poder ouvir-vos. Por favor, contem-me. Digam-me as vossas razões. Sem julgamentos!
Adorava poder ajudar-vos. Adorava que dessem a vocês mesmos a oportunidade de reverter a situação. Que conseguissem desfrutar dos vossos filhos, com menos culpa, com mais amor. Que fossem orgulhosos daquilo que estão a criar. Como querem que ele seja? Que valores pretendem vocês passar, com este alheamento do Mundo Real, substituído pela conexão desmedida e exagerada ao Mundo Virtual.
Obrigada por este bocadinho, é sempre um prazer.
Vemo-nos em breve.
Sejam incrivelmente felizes em família.
Carolina Vale Quaresma