“Tratamos os nossos iPhones melhor do que tratamos de nós: assim que a bateria desce abaixo dos 20% pomo-lo a recarregar. Mas não fazemos o mesmo connosco.” Ariana Huffington, cofundadora do site de notícias Huffington Post, dissera-o a Mark Williams uma semana antes da nossa conversa. Há uns anos, Ariana sofreu um colapso e percebeu que precisava de abrandar o ritmo.
“Tratamos o nosso corpo como um veículo para chegar de uma reunião à outra, não com o respeito que merece ou como uma fonte de informação sobre o estado em que estamos”, comenta Williams, investigador e professor de psicologia clínica na Universidade de Oxford. Há uns anos, começou a interessar-se por mindfulness – ‘atenção plena’ ou ‘consciência plena’ – técnica criada em 1979 por Jon Kabat-Zinn, um professor de medicina norte-americano que adaptou a meditação do Budismo Zen à realidade ocidental, ao perceber o enorme potencial para a saúde. A partir daí, Williams desenvolveu a MBCT, ou Terapia Cognitivo-comportamental baseada em mindfulness, que já é aplicada em escolas e instituições do Sistema Nacional de Saúde do Reino Unido. Em março veio a Lisboa falar dela, na Fundação Champalimaud, e divulgar o livro, de que é coautor com Danny Penman, ‘Mindfulness – Atenção Plena’ (Lua de Papel).
Fugir ou lutar
Com instruções para começar a meditar de forma simples, a obra é também é uma janela para a mente. Faz perceber que andamos mesmo a mil à hora, mas esquecidos de viver. Basta olhar à volta: a pilha de trabalho a acumular-se na secretária, as contas para pagar, o casamento que precisa de um empurrão, a dor de cabeça ao fim do dia, a agenda que vai gritando tarefas para cumprir a contra relógio. Vamos para cama e em vez do sono dos justos o cérebro passa o dia em revista, ditando frases como ‘não te esqueças de fazer isto’, ‘não devias ter dito aquilo, hoje’, ‘esforça-te mais!’.
Já fomos à Lua e desvendámos a estrutura do DNA, mas em matéria de padrões mentais continuamos como os nossos avós neandertais. “Enquanto andamos apressados a tentar fazer tudo ao mesmo tempo – e a achar que somos muito criativos e produtivos por causa disso – o nosso cérebro está constantemente ligado em modo ‘lutar ou fugir’. Em termos de resposta fisiológica, é como se estivéssemos sempre a fugir de um predador, uma resposta muito antiga, em termos evolutivos”, confirma Mark Williams. Esta reação primária de sobrevivência é regulada por uma parte do cérebro, a amígdala, que se baseia em memórias de experiências assustadoras para analisar a informação que recebe do exterior. Quando estamos stressados, a nossa amígdala aumenta de tamanho. “Sabemos que depois de 8 semanas a praticar mindfulness ela muda funcional e estruturalmente”, revela Williams. “À medida que o stresse desaparece, ela encolhe, as pessoas relatam que começam a ser mais produtivas e a fazer mais coisas – perdem menos tempo em tarefas como responder a emails antes de precisarem de o fazer ou a trabalhar depois de atingirem o ponto de exaustão. Às vezes, uma pausa de um minuto determina o ponto de viragem.”
A meditação mindfulness pode ser feita em qualquer lugar – sim, até no escritório ou no autocarro. “Temos meditações de 1, 3 minutos, uma meditação para as refeições – pode ser uma forma maravilhosa de meditação em que abrimos os sentidos ao que realmente está a acontecer. Elas dão ao cérebro a possibilidade de se reprogramar e de ir buscar novas ideias a outras partes do cérebro.”
Um ginásio para os pensamentos
Os nossos cérebro especializaram-se em fabricar pensamentos intrusivos. “Quando começarmos a pensar em coisas que nos põem ligeiramente tristes, a mente começa a criar ainda mais tristeza e quando damos por nós já estamos deprimidos ou excessivamente ansiosos”, explica Mark Williams. “Esses pensamentos soam tão alto na cabeça e são tão fáceis de transformar em imagens que o cérebro os toma por verdadeiros, quando não são. A maior parte das pessoas nem se apercebe disso.”
Mas meditar ajuda-nos mesmo a livrar de tudo isso? Já tinha tentado antes e não deu resultado: é muito difícil, digo a Williams. “Sentimos que é difícil porque achamos que não temos 10 ou 15 minutos a perder – mas perdemos tempo, todos os dias, com coisas inúteis. As imagens que são quase sempre associadas à meditação são um monge budista no topo de uma montanha ou uma bela mulher de ar sereno e em posição de lótus. Muita gente também pensa que a maior parte do trabalho consiste em libertar a mente de pensamentos. Uma das grandes vantagens do mindfulness é ser uma forma de meditação para pessoas que não se interessariam por meditação. Ela tem se de ser feita de forma simples: sentados numa cadeira, com os pés bem assentes no chão, as costas apoiadas na cadeira ou ligeiramente afastadas mas direitas. E não vamos tentar libertar a mente de pensamentos – de facto, precisamos que ela divague neles. Se não o fizéssemos, era como irmos ao ginásio e não termos pesos ou aparelhos que nos exercitam os músculos com treino de resistência. Tiramos alguns minutos para nos concentrarmos apenas na respiração, nas sensações do nosso corpo. Passado um bocado, damos conta de que as preocupações e planos reaparecem na mente. Voltamos a concentrar-nos na respiração e uns instantes depois… lá vêm eles de novo! O mindfulness é um treino simples de atenção: aprender a dar conta de onde está a nossa mente e, se não estiver onde queremos, aprender a trazê-la de volta.”
E os nossos pensamentos mais negros desaparecem com o treino? Não necessariamente, mas a intenção também não é essa. “Curiosamente, quanto mais tentamos afastar um problema da mente, mais ele força a sua entrada e acabamos numa grande luta. Na meditação, convidamos a pessoa a deixá-lo lá.” Requer alguma coragem e prática, continua Williams, mas após quatro ou cinco sessões as pessoas deixam de lutar contra eles e de os ver como um bicho de sete cabeças. “No final das oito semanas estamos muito mais preparados para perceber que o que estamos a sentir é só uma corrente de pensamentos negativos: a melhor coisa que podemos fazer por nós é não acreditar neles, observá-los como nuvens no céu, esperar que dispersem por si – normalmente, queremos ser nós a dispersá-los e acabamos perdidos no nevoeiro.”
Aliado contra a depressão
Uma das áreas em que esta técnica se tem mostrado mais eficaz é no combate à depressão. Williams estuda esta vertente no seu centro de Oxford. “Descobrimos que são as pessoas com padrões mais severos de depressão que parecem beneficiar mais com a técnica, e isso não é comum em terapia. No nosso ensaio clínico mais recente estudámos os efeitos do mindfulness em pacientes mais vulneráveis – pessoas que sofreram de negligência, abusos físicos e sexuais, ou que já tiveram vários episódios de depressão, e por isso têm mais risco de vir a ter outra. A probabilidade de ela reaparecer foi reduzida em 57%.” Um estudo de outro colega de Williams provou que ela podia ser feita também em pacientes com depressão. “Ficámos surpreendidos, porque pensámos que ela só seria aplicável como forma de prevenção, entre episódios de depressão.” Mas porque os problemas de concentração são um dos sintomas principais da doença, e ela é precisa para meditar, Williams aconselha as pessoas deprimidas a não insistirem na prática, se sentem que é difícil demais. “Aconselhamos também quem está a fazer psicoterapia a falar com o terapeuta e propor uma pausa de dois meses, porque durante esse tempo vão estar a trabalhar bastante nas suas meditações. Os terapeutas dizem-nos que, quando voltam à consulta, é mais fácil trabalhar com os pacientes porque, entretanto, aprenderam a levar os seus pensamentos negativos menos a sério. O sucesso do mindfulness deve–se ao facto de nos dar muitas instruções sobre como sermos gentis para com a nossa mente e corpo e isso é muito importante para quem nunca foi alvo de muita gentileza na vida. Essa mensagem vai chegando gota a gota, duas ou três vezes por dia, e as pessoas percebem que entram num outro território: sentem-se muito energizadas e querem entrar cada vez mais nele.”
Os mais novos também já praticam
Em Inglaterra, a técnica está a ser aplicada em algumas escolas públicas. “Os programas escolares mindfulness começaram, no Reino Unido, com rapazes de 15 anos, um grupo muito difícil de convencer a fazer meditação, e correu tão bem que os estenderam a escolas públicas”, conta Mark Williams. “Aos 6 ou 7 anos já a praticam e gostam realmente. Os professores dizem-lhes ‘agora sintam os vossos dedos dos pés, os joelhos, imaginem que há um lugar silencioso e sossegado dentro de vocês’. As crianças mais velhas aprendem uma forma de mindfulness a que chamamos ‘Feet on floor, bum on chair’ (‘pés no chão, rabo na cadeira’.) Nos EUA, são as crianças com problemas de atenção que parecem retirar mais benefícios desta prática. Um estudo com estudantes de 17 anos que fizeram meditação uma vez por dia antes dos exames finais concluiu que a classificação deles aumentava. Nas provas, os alunos têm tendência a pensar ‘fiz isto mal, devia ter feito de outra forma…’ – estão a perder tempo a pensar no último exercício em vez de pensarem no seguinte. A meditação ajuda a lidar com isso.”