*artigo publicado originalmente na revista ACTIVA de novembro de 2018
‘Porque é que as girafas são bonitas? Porque se fossem feias chamar-se-iam feiafas!’ ‘Qual é o animal velho do mundo? O Tigre de Bengala’. ‘O que é que os canibais chamam aos marinheiros? Delícias do Mar’.*
Espero que ao ler estas primeiras linhas tenha esboçado pelo menos um sorriso e fique com vontade de ler este texto sobre a importância do riso, tanto ao nível da saúde como socialmente. É que algo tão simples, que fazemos várias vezes ao dia quase inconscientemente, tem mesmo um peso muito grande no nosso bem-estar físico e mental. Sabia que o nome da disciplina que estuda o riso e humor se chama Gelotologia?
Riso sob vigilância
“O riso é o caminho mais curto entre duas pessoas”, disse Victor Borge, um pianista e comediante americano. E os cientistas sociais apoiam 100% esta afirmação. Muitas pesquisas revelam que o riso está muito mais relacionado com o fortalecimento de relações do que com o contar de anedotas. “O riso acontece quando as pessoas estão confortáveis umas com as outras, e quanto mais riem mais fortes são os laços entre elas”, afirma o antropólogo Mahadev Apte no seu livro ‘Humor e Riso’. Mas não se deve confundir riso e humor, o primeiro é a reação física ao segundo. Quando rimos, o nosso cérebro envia uma mensagem para termos duas reações simultâneas: um conjunto de gestos e a produção de um som. “O riso faz parte do vocabulário universal do ser humano, é uma forma básica de comunicação, ri-se em todas as raças e culturas, e temos rido ao longo da história da mesma maneira”, diz Robert Provine, neurocientista. Não é apenas uma resposta simples ao humor, continua, é um instrumento primordial de socialização, por isso se explica que a probabilidade de nos rirmos é 30 vezes maior quando estamos num grupo (agora já sabe porque muitos programas televisivos de humor têm gargalhadas gravadas) do que quando estamos sozinhos. Segundo o que revela este neurocientista no seu livro ‘Riso: Uma investigação científica’, aquilo que provoca mais gargalhadas são pequenas expressões simples do dia a dia, não tiradas com a intenção propositada de fazer os outros rir. A sua pesquisa revelou que apenas 20% do que rimos é devido a piadas.
O lado negro
Já os filósofos gregos Platão e Aristóteles se interessaram por este tema. Não porque queriam divertir os outros com os seus dotes de oratória, mas porque sabiam que através do riso e do humor se pode provocar a queda de políticos e do poder instituído. Mas uma coisa é rir com alguém, outra muito diferente é rir de alguém. E nem todo o riso é inconsequente ou ‘benigno’. Há quem ria a matar, a violar ou a pilhar. No passado, as pessoas riam-se em execuções públicas, mais recentemente sabe-se que, por exemplo, os assassinos de Columbine nos Estados Unidos riram-se enquanto andavam pelos corredores da escola a matar alunos e professores.
Também a religião não tem tido uma relação pacífica com o humor e riso. Lembra-se do livro ‘O Nome da Rosa’, de Umberto Eco? O tema desta obra de ficção anda à volta de uma série de assassinatos misteriosos num mosteiro que mais tarde se vem a saber (atenção spoiler!) terem sido orquestrados por um dos monge mais velhos. Como este considerava o riso pecaminoso, envenenou o livro escrito por Aristóteles sobre o riso e cada vez que um monge cedia à tentação de o folhear acabava morto com a língua azul.
E se no livro de Eco a história se passa na Idade Média, há uma história bem triste, assustadora e real que se passou há pouco tempo e que reflete como o humor na religião continua a ser um assunto tabu para muitos: a 7 de janeiro de 2015 dois terroristas entraram na redação do jornal satírico francês Charlie Hebdo e mataram a sangue frio 12 jornalistas e cartoonistas.
Piadas ao longo dos tempos
Aquilo a que achamos graça tem mudado? Atualmente, a obra ‘Philogelos’, uma espécie de livro de piadas do tempo da Roma Antiga, já não provocaria assim tanto riso dado que existem piadas sobre crucificação. Mais recentemente, as anedotas racistas que faziam rir os brancos há 50 anos felizmente já não provocam o mesmo efeito hoje.
Só como curiosidade: sabia que há um tema que tem sido recorrente nas anedotas ao longo de séculos? Até Shakespeare e Mark Twain fizeram várias alusões na sua obra: o pum. Aliás, de acordo com o professor universitário Paul MacDonald, a anedota mais antiga que se conhece data de 1900 a.C., da Suméria, e é sobre flatulência. “As civilizações perdidas riam-se de sexo, pessoas estúpidas e puns… temas ainda hoje abordados”, revela o académico.
Temos menos graça?
Sentido de humor está no topo da lista de características que as mulheres mais valorizam num homem, até nas redes sociais como o Tinder e Facebook, revelam alguns estudos. Estes vão mais além e afirmam que o sentido de humor não só nos garante o primeiro beijo e encontro como é fundamental numa relação de longa duração. A razão pode estar no facto do sentido de humor ser um sinal de inteligência e as mulheres (lá voltamos aos tempos das cavernas) queriam parceiros que revelassem alguma perícia e desenvoltura a arranjar comida e a protegê-las e aos filhos de ataques de animais. Pode ainda ter a ver com o nosso desejo de ter alguém ao nosso lado que ajude a ver a vida com um olhar mais positivo.
Mas se o sentido de humor é uma das características masculinas que as mulheres mais apreciam, já os homens não a colocam no top 5 das suas preferências. Será que é porque reina a ideia de que as mulheres não têm tanta graça? A verdade parece ser mais complexa. Felizmente agora começa a ver-se mais mulheres com talento para nos fazer rir, tanto lá fora – Tina Fey, Lena Dunham, Samantha Bee, Amy Schumer, Mindy Kaling – como cá dentro – Maria Rueff, Ana Bola, Joana Marques, Marta Gautier, Bumba na Fofinha, Filomena Cautela – mas a conquista do espaço do planeta do riso tem sido feito à custa de muito esforço. Foram feitos vários estudos e uma das conclusões a que se chegou é que os homens arriscam mais vezes a fazer piadas do que as mulheres porque é socialmente mais bem aceite que eles sejam engraçados.
Em 2011, num estudo feito para a revista ‘Intelligence’, foi pedido a homens e mulheres que escrevessem legendas com piada para diferentes cartoons. Os homens escreveram mais legendas que as mulheres no total, mas as que foram classificadas como divertidas eram em igual número às que não tinham graça nenhuma. A conclusão a que chegaram é que eles escreviam com mais piada simplesmente porque o faziam em maior número e com mais frequência.
Humor e Amor
Num estudo de 1998 foram mostradas fotos e entrevistas (umas divertidas e outras sem piada) de pessoas do sexo oposto a 100 universitários. Para as mulheres, o uso de humor masculino aumentou o seu grau de atração; já para os homens, quando elas tinham sentido de humor, isso não aumentava a vontade de as conhecer, aliás achavam mais desejáveis as mulheres bonitas sem sentido de humor do que as bonitas com sentido de humor. Será porque ainda há muitos homens que não gostam que as suas namoradas/mulheres sejam mais inteligentes que eles? Em 2015, os resultados de uma pesquisa publicada no ‘Personality and Social Psychology Bulletin’ revelou que quando os homens eram apresentados a mulheres que eles sabiam ter notas mais elevadas nos testes de inteligência que ambos tinham feito, eles consideravam-nas menos atraentes.
Ria, pela sua saúde
O riso faz parte do triângulo da saúde juntamente com alimentação e exercício físico. Numa entrevista à Time, o médico Lee Berk, que estuda os efeitos do riso no organismo há mais de 30 anos, dizia que a nossa mente, sistema imunitário e hormonas estão em constante comunicação e isso tem impacto na nossa disposição e capacidade em nos defender das doenças. A tristeza, por exemplo, induz à produção de hormonas do stresse, que suprimem a imunidade. E já viu quantas doenças estão ligadas ao stresse continuado? Segundo Lee Berk, o riso parece provocar os efeitos contrários do stresse. “O riso corta com a libertação de hormonas do stresse como o cortisol, além de provocar a produção de neurotransmissores do bem-estar.”
Uma pesquisa levado a cabo pela Western Kentucky University indica que não só uma boa gargalhada pode aumentar o fluxo sanguíneo como o número de ‘células assassinas’ que o nosso sistema imunitário envia para atacar uma doença. “O riso é a melhor cura para todas as doenças”, terá dito o médico Patch Adams que trouxe as palhaçadas para dentro dos hospitais numa altura em que humor e doença andavam de costas voltadas. Hoje, alguém duvida do bem que fazem os Doutores Palhaços?
Mesmo que esteja num dia não, pode gozar dos benefícios do riso, como? Provocando riso, mesmo sendo falso – aparentemente o cérebro não percebe a diferença. Mais uma razão para se inscrever numa aula de yoga do riso.
A melhor piada do mundo
Felizmente não rimos das mesmas coisas, e é difícil descrever o que é uma piada. Sabemos que para nos rirmos, aquilo que é dito ou escrito tem de terminar de forma surpreendente. O investigador Richard Wiseman pediu a um milhão de pessoas para avaliarem mil piadas, o que revelou ser uma experiência interessante porque também deu para perceber não só a variedade imensa de piadas que existem como as diferenças culturais entre ingleses e americanos também se reflete no humor (os primeiros gostam de piadas absurdas; os segundos, preferem-nas mais agressivas). Voltando à procura da melhor piada do mundo, quer saber qual foi a vencedora? Eis: ‘Dois caçadores estão no meio da floresta quando um deles cai desamparado. Não está a respirar e tem os olhos vidrados, por isso o amigo telefona para o 112 e diz ‘O meu amigo morreu, o que devo fazer? Ajudem-me!’ Do 112 respondem: ‘Acalme-se meu senhor, vou ajudá-lo. Primeiro que tudo, certifique-se de que está morto.’ Há um silêncio e depois um estrondo. E ouve-se a voz novamente, ‘pronto, e agora?’.
Achou graça? Não? Então veja as sugestões da nossa redação para libertar hormonas de bem-estar, têm o nosso selo de garantia.