A gravidez costuma ser retratada como uma experiência de sonho, quase mágica, mas isso nem sempre corresponde à realidade. Esta fase também pode ser incrivelmente complicada para as mulheres que têm dificuldades em adaptar-se a todas as mudanças — físicas, psicológicas e na vida em geral — inerentes.
As exigências do período pré-natal e do puerpério levam, muitas vezes, a ansiedade, stress e exaustão, mas esses sintomas não devem ser persistentes e contínuos. Se tal acontecer, poderá tratar-se de um quadro de depressão na gravidez, uma condição com o potencial de ser extremamente perigosa para o bem-estar da mãe e do bebé, bem como para a ligação entre eles.
Para percebermos melhor os tentáculos deste problema, falámos com a Dra. Susana Raposo Alves, psiquiatra no Hospital CUF Descobertas.
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Definição
O que é a depressão na gravidez?
Trata-se de um quadro clínico de depressão que ocorre durante a gravidez. Esta depressão é clinicamente semelhante a uma depressão fora da gravidez, o que há de particular nesta situação é que a gravidez é um período de maior risco de desenvolver sintomas depressivos.
Quais são as principais causas?
De uma perspetiva geral, a gravidez provoca na mulher várias mudanças de vários tipos: biológicas, psicológicas e sociais. A adaptação a estas mudanças é exigente e desafiante, e deixa as mulheres mais suscetíveis a apresentar um quadro depressivo, especialmente se tiverem mais dificuldades nessa adaptação.
As causas estão relacionadas com estes vários tipos de mudança. Assim, algumas dessas causas são mais biológicas, como a genética individual, as alterações hormonais e neuroimunológicas que ocorrem durante a gravidez e as alterações do sono. Outras causas estão mais relacionadas com aspetos psicossociais, como a forma como a pessoa normalmente lida com fatores de stress, as experiências que teve na infância como filha, a mudança de papel de filha para mãe e/ou de mulher para mãe, a relação conjugal, as condições económicas e sociais em que vive, entre outras.
Normalmente a depressão resulta de uma combinação de várias causas que é diferente em cada mulher. Por exemplo, algumas mulheres têm uma predisposição genética muito elevada para ter depressão na gravidez, enquanto noutras é mais o contexto psicossocial desfavorável que dificulta a adaptação a este período. De notar que os homens também podem apresentar depressão durante a gravidez (da mulher) e no período perinatal.
Esta condição é considerada comum? O que dizem os dados sobre o número de mulheres que são afetadas?
Sentir sofrimento ou dificuldades significativas na adaptação durante a gravidez é bastante frequente e ocorre em cerca de um terço das mulheres. A depressão ligeira a moderada na gravidez é também frequente, com uma prevalência de 15 a 20%. A depressão grave já é pouco frequente, com uma prevalência inferior a 1%, cerca de 0,3% das mulheres.
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Sintomas
Quais são os principais sinais de alerta para este tipo de depressão?
Os sinais de alerta para depressão na gravidez são essencialmente os mesmos que para a depressão fora da gravidez:
- Tristeza ou desânimo;
- Perda de prazer nas atividades de que gostava
- Cansaço, falta de energia ou falta de vontade de realizar as atividades diárias;
- Pensamento lento, dificuldades na concentração ou memória;
- Irritabilidade ou ansiedade;
- Pensamentos negativos ou pessimistas, de nada valer a pena;
- Sentimentos de culpa, de não ter valor ou de ser incapaz;
- Apatia
- Dificuldade ou falta de vontade de estar com os amigos ou família;
- Alterações do sono ou do apetite.
Na depressão na gravidez, existe, contudo, a particularidade de os pensamentos negativos serem normalmente relacionados com a relação mãe-bebé, por exemplo, pensar que não vai ser uma boa mãe, ter medo de fazer mal ao bebé ou de não ser capaz de cuidar bem dele.
Estamos a falar de uma condição com manifestações de gravidade variável?
Sim. Na maior parte das situações, os sintomas são ligeiros a moderados, no entanto, há quadros graves, com grande sofrimento psíquico e que incapacitam a mulher de realizar as suas atividades habituais, mas são bastante menos frequentes.
Existem fatores de risco que aumentam o risco de desenvolver esta patologia?
Sim, há fatores de risco mais individuais como haver uma história pessoal ou familiar de depressão, história pessoal de trauma psicológico, a gravidez ser indesejada, a mulher ser jovem (entre os 14 e os 21 anos), uma primeira gravidez, ter havido complicações numa gravidez ou parto anteriores. Há outros fatores de risco mais sociais como ter pouco apoio social ou familiar, ser vítima de violência ou de discriminação ou a pobreza.
Como deve proceder uma mulher que se reveja nos sintomas?
Deve falar com o seu médico assistente, que pode avaliar a gravidade dos sintomas e orientar para o acompanhamento e tratamento necessários. Se os sintomas foram graves, como ter ideias de suicídio persistentes ou estar incapaz de cuidar de si ou de realizar as suas atividades diárias, deve recorrer a um serviço de urgência hospitalar.
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Riscos
Ideias erradas relativamente a este assunto podem fazer com que entes queridos – e até mesmo as próprias grávidas – desvalorizem episódios depressivos?
Uma ideia errada generalizada é a de que o período de gravidez e a maternidade são fonte de grande realização e de felicidade, o que pode conduzir a sentimentos de culpa, vergonha e a autodesvalorização nas mulheres que não se sentem dessa forma, levando-as a ocultar os sintomas depressivos. Se os entes queridos tiverem igualmente essa expectativa de felicidade plena durante a gravidez, poderão não valorizar os sinais que observam ou não os compreender.
O que pode acontecer se a depressão na gravidez não for tratada?
Numa depressão não tratada os sintomas e o sofrimento podem tornar-se mais intensos e incapacitantes, pode demorar mais tempo a resolver e, ao longo da sua duração, pode fazer com que a mulher tenha comportamentos lesivos para si ou para o bebé, como não cuidar de si e da sua saúde ou consumir substâncias para aliviar o sofrimento. Nos quadros mais graves, pode conduzir ao suicídio (que ocorre em cerca de 1% dos casos).
Quais são os riscos para a mãe e para o bebé?
Os riscos são, de facto, para ambos e afetam desde a gravidez até ao desenvolvimento do bebé/criança em adulto. Mais especificamente, a depressão aumenta o risco de complicações maternas na gravidez e no parto, aumenta o risco de complicações no recém-nascido, pode prejudicar a qualidade da relação da mãe com o bebé (a vinculação mãe-bebé), a capacidade de a mãe cuidar do bebé se a depressão se prolongar no pós-parto, aumenta o risco de problemas de comportamento na infância, aumenta o risco de instabilidade emocional e de sintomas depressivos ao longo da vida do filho, até à idade adulta.
Esta condição pode evoluir para uma depressão pós-parto ou outro distúrbio de saúde mental perinatal mais grave?
Uma depressão no final da gravidez aumenta o risco de depressão pós-parto, sendo o principal preditor de depressão pós-parto. Outro problema que acompanha a depressão é, normalmente, a ansiedade. A situação mais grave à qual a depressão pode conduzir, sobretudo se não tratada, é o suicídio.
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Diagnóstico e Tratamento
Como é feito o diagnóstico?
O diagnóstico é realizado por um médico, através de uma entrevista clínica na qual se identificam os sinais e sintomas de depressão ou de outra doença mental ou física. Não há exames complementares de diagnóstico que identifiquem uma depressão, mas pode haver necessidade de realizar exames para excluir outras doenças que se apresentam como uma depressão e que não são depressão, para que sejam devidamente identificadas e tratadas.
Quais são as opções de tratamento?
Dependendo da gravidade e do quadro, o tratamento pode incluir o controlo do peso, dieta e exercício, regulação do sono, fornecer mais informação sobre a gravidez e sobre os sintomas físicos e psíquicos que a acompanham, apoio psicológico, apoio à família, tratamento psicoterapêutico e, se necessário e indicado, tratamento farmacológico (uso de medicamentos).
É seguro tomar antidepressivos durante a gravidez?
Embora não existam, em Medicina, medicamentos sem risco, há vários antidepressivos e outros psicofármacos considerados seguros na gravidez. Isto é, sem evidência de causarem malformações ou outros problemas no bebé nem de serem tóxicos para a mãe. Contudo, a escolha a fazer é entre os riscos dos antidepressivos e os riscos da depressão não tratada para a mãe e para o filho em bebé, criança e adulto.
Que estratégias podem ser implementadas no dia-a-dia para gerir esta condição?
No dia-a-dia, para a mulher grávida, é importante manter uma rotina organizada, uma boa higiene do sono, alimentação e hidratação adequadas, cuidar-se e arranjar-se bem, tentar fazer coisas de que gosta e que a façam sentir-se melhor, evitar o álcool e outras drogas e cumprir a medicação prescrita quando necessária.
Os entes queridos podem ajudar no cumprimento destas medidas e na resolução de outros problemas ou necessidades do dia-a-dia. Além disso, podem perguntar-lhe como se sente e escutar e deixar que expresse os seus sentimentos, numa atitude compreensiva e sem emitir juízos críticos; devem levar os sintomas a sério e mostrar que se preocupam; podem tentar dirigir os pensamentos e atividades para coisas e para pessoas de que a pessoa deprimida gosta e ajudar a distrair-se dos seus sentimentos negativos;
Finalmente, é importante valorizar as ideias de suicídio, não ter medo de perguntar diretamente porque não encoraja o suicídio, pelo contrário, essa partilha muitas vezes alivia e contribui para resolver esse sentimento. Se essas ideias forem persistentes, encaminhe a mulher grávida para as fontes de ajuda profissionais referidas atrás e ofereça-se para acompanhar, se isso ajudar.