O dia 5 de maio assinala o aniversário do dia em que a Organização Mundial da Saúde (OMS) declara o fim da emergência de saúde pública internacional causada pelo vírus SARS-CoV-2. Depois de surgir no final de 2019, e de chegar à Europa no início de 2020, a OMS estima 7 milhões de mortes associadas a esta doença. Para assinalar a data, fazer uma perspetiva sobre as lições aprendidas e responder à questão de “estamos preparados para uma próxima pandemia?”, três bioquímicos com uma forte vertente científica e que viveram a pandemia com diferentes responsabilidades e perspetivas, conversam sobre o tema em vídeo partilhado.
Logo a partir do primeiro momento, revela Cláudio Soares, Professor do Instituto de Tecnologia Química e Biológica António Xavier e Pró-Reitor para a Saúde da Universidade Nova de Lisboa: “juntámos 11 equipas e começámos a fazer investigação nas mais diversas áreas, e isso foi importante em termos de investigação, mas também foi importante para manter as pessoas unidas num objetivo comum que era, de facto, lidar com a pandemia usando os olhos dos cientistas e já não os olhos do desespero, mas os olhos da esperança”.
Miguel Castanho, investigador principal do Instituto de Medicina Molecular (iMM) e Professor da Faculdade de Medicina da Universidade de Lisboa, refere que “quando toda a gente foi para casa e começou a ter uma vida mais calma e a queixar-se de uma vida confinada, eu comecei a ter um papel muito ativo e agitado. Tivemos uma súbita e inédita transformação no nosso projeto NOVIRUSES2BRAIN em resultado de uma solicitação da Comissão Europeia para incluir o SARS-CoV-2 dentro do pacote de vírus a estudar, para o reorientar e conseguir resolver um problema imediato.” Além disso, acrescenta, “também nessa altura tive um papel ativo para poder transmitir informação útil às pessoas, através dos órgãos de comunicação social – até porque parte da população não sabia o que era um vírus, como se propaga e como é que podemos interromper a propagação. Houve uma intensa colaboração com os órgãos de comunicação social e uma união muito grande entre o setor da comunicação e o setor da ciência”.
Tiago Brandão Rodrigues, Ex-Ministro da Educação, reforça esta questão da nova quotidianidade de muitos conceitos científicos, referindo que “com a pandemia em curso temos vírus, temos variantes, temos casos, temos sinais, temos sintomas, temos testes, zaragotas e PCR, temos conceitos como a transmissão, a prevenção, o R0, as estratégias de contenção e as estratégias de mitigação, os tratamentos e a possível vacinação. Quase nesta sequência, grande parte destes conceitos, que nós já conhecíamos, passaram a ser de conhecimento público”.
Outras sociedades menos bem preparadas que a nossa tiveram consequências mais negativas decorrentes desta pandemia. No entanto, tendo esta um efeito devastador foi possível de ser controlada, por isso, coloca-se a questão “Quais são as aprendizagens de todo este processo?”
Cláudio Soares refere que “a aprendizagem é que precisamos de continuar a aprender. Apesar de já termos algum conhecimento do passado, por exemplo dos anteriores coronavírus, que nos permitiu agir tão rapidamente e sair da pandemia globalmente como uma sociedade usando a ciência – chegando rapidamente à criação da vacina. E a informação que nós geramos hoje em dia fora de pandemia, fora de emergência, é fundamental para lidarmos com uma futura emergência.”
Miguel Castanho, por seu lado, destaca “Aquilo que fica é a noção de que os perigos potenciais podem, de facto, tornar-se perigos reais”. Além disso, acrescenta “eu creio que outra aprendizagem que fica é que uma aliança entre uma comunicação rigorosa e a ciência é um bem precioso. A vitória [sobre a pandemia] teve a ver, não só com o conhecimento que a ciência gerou, mas também a comunicação das vantagens das novas ferramentas farmacológicas à população em geral. Esta conjugação entre jornalismo e ciência foi essencial”
E no futuro, estamos preparados para uma próxima pandemia?
A esta pergunta, Miguel Castanho responde que “os hospitais, os investigadores, a proteção civil e a população têm de saber o que fazer assim que se iniciar uma nova pandemia e, além disso, é importante que tenhamos as ferramentas necessárias para lidar com esse acontecimento, em termos de prevenção e tratamento, e estamos a trabalhar para isso”. Além disso, explica que “no Instituto de Medicina Molecular e na Faculdade de Medicina da Universidade de Lisboa, estamos a liderar um projeto, o NOVIRUSES2BRAIN um consórcio europeu, em que tentamos desenvolver um medicamento antiviral de muito largo espectro – se houver um antiviral de largo espectro, que sirva para uma grande diversidade dos vírus que conhecemos, provavelmente também conseguirá ser ativo contra um vírus que não existe, mas que existirá, porque os vírus que vão existir são evoluções dos vírus que existem neste momento”.
Já Cláudio Soares, refere que “estamos a liderar, juntamente com o IMM e outras equipas de Portugal, Espanha e do resto da Europa, dois projetos cujo objetivo é mesmo prepararmo-nos para novas pandemias. É um projeto financiado pela Fundação La Caixa, chamado BioPlaTTAR, e um projeto financiado pelo programa Horizon Europe, chamado EvaMobs. O nosso objetivo nestes dois projetos é criar procedimentos que nos permitam desenvolver Biofarmacêuticos de ação rápida e eficaz contra uma nova doença. Ou seja, combinando desde técnicas de inteligência artificial até ensaios clínicos pretendemos criar soluções para que, se aparecer um vírus com potencial pandémico, nós possamos conceber, em poucas semanas, ou meses, biofarmacêuticos melhores do que anticorpos que consigam dar uma resposta farmacológica a essas infecções”.