Alopecia é o termo médico usado para classificar toda a queda de cabelo. Importa perceber se os fios que perdemos mais abundantemente no outono fazem parte do processo normal de regeneração ou se acentuam um problema já existente e que é preciso diagnosticar para travar a sua progressão. Falámos com duas médicas dermatologistas especialistas na área de tricologia – que se dedica ao estudo e tratamento do cabelo e couro cabeludo, Paula Quirino e Filipa Osório, para nos explicarem quais são as alopecias mais comuns nas mulheres, os sinais de alerta e que tratamentos existem.
Estamos na estação do ano em que o cabelo cai
mais frequentemente. O que é normal e o que não é?
Paula Quirino: No outono é normal que caia mais cabelo. Se o normal é que caia 50 e de repente começa a cair 150 cabelos por dia, mas nascerem 150 iguais, não tem problema nenhum. Outra coisa é se dos 150 que nascem, 50 são mais fininhos. Se ao longo dos anos vai-se percebendo que tem menor densidade de cabelo, isso já revela um problema. No fundo, interessa é saber se o volume total do cabelo é mantido ou não, se o elástico com que costuma prender o cabelo tem de dar mais uma volta.
Filipa Osório: As pessoas têm a noção do que é o seu normal, de quanto é esperado cair, as alturas do ano em que cai mais… Se essa queda se torna sustentável ao longo do ano, é claro que deve ir a uma consulta. E sobretudo, se há uma rarefação progressiva, em que as pessoas começam a ver a risca onde se faz a partição do cabelo mais alargada e se começa a ver couro cabeludo à transparência, é sinal que há um problema.
Que tipos de alopecias (queda de cabelo) existem?
PQ: Nós costumamos dividir as alopecias em dois grandes grupos: as não cicatriciais e as cicatriciais. As primeiras são mais frequentes, podem ser transitórias e têm o potencial de serem total ou parcialmente reversíveis. As segundas são muito raras mas mais graves, isto é, a pessoa perde o cabelo e este não volta a nascer.
Dentro dessas mais frequentes, como se caracterizam as que mais afetam as mulheres?
PQ: Há três tipos de alopecias não cicatriciais: os eflúvios telogénicos, a alopecia androgenética e a alopecia areata. Cerca de 90% das consultas de queda de cabelo nos dermatologistas são estes três casos.
O que são os eflúvios telogénicos?
PQ: São aquelas quedas de cabelo em que este cai e volta a nascer, às vezes mesmo sem tratamento, no entanto, convém sempre consultar um especialista. Podem ser sazonais, acontecem sobretudo no outono, ou no pós-parto (4 meses depois de nascer o bebé)… as pessoas que tiveram covid também se queixaram de queda de cabelo superior ao normal.
FO: Podem acontecer com maior intensidade também após uma febre, uma doença severa, um stresse emocional, uma cirurgia, situações em que há alterações da tiroide, dietas, e até alguns medicamentos podem aumentar esta percentagem de cabelos que estão em fase de queda.
E a alopecia androgenética, o que é?
FO: É o que vulgarmente chamamos de calvície e é de longe o motivo mais frequente de consulta em tricologia, tanto nos homens como nas mulheres. Aos 70 anos, cerca de 50% das mulheres e 80% dos homens caucasianos têm alopecia androgenética, portanto é um diagnóstico bastante frequente. Nas mulheres há uma perda de densidade no topo da cabeça, o cabelo fica mais ‘ralinho’ nessa zona.
PQ: Neste caso há uma predisposição genética para que o cabelo enfraqueça na zona frontal. O ciclo de cabelo é normal, os cabelos caem normalmente e voltam a nascer, só que alguns deles, no topo da cabeça, nascem mais finos, e assim vai havendo uma redução da densidade do cabelo ao longo da vida. A diferença entre o homem e a mulher é que os homens começam a ficar com entradas e também uma perda na coroa; no caso da mulher não existem entradas, salvo raríssimas exceções, há é uma redução da densidade capilar, o cabelo pode ficar muito fino mas mantém sempre a linha de implantação frontal que não recua.
E, finalmente, no que consiste a alopecia areata?
FO: Trata-se do aparecimento súbito de peladas, de áreas circulares sem cabelo que podem assumir uma extensão maior nos casos mais graves, e que podem surgir no couro cabeludo, nas sobrancelhas, ou, no caso dos homens, na barba também. A grande maioria de mulheres e homens que aparecem nas consultas com este tipo de problemas ficam melhores quando fazem os tratamentos.
PQ: É uma doença autoimune em que há uma inflamação que se gera à volta do folículo piloso e faz com que, de um dia para o outro, os cabelos caiam. Além do stresse, causa número um, associa-se muitas vezes a pessoas que tenham eczema atópico ou que têm doenças da tiroide.
Um dos problemas que mais afeta as mulheres é a diminuição de densidade do cabelo no topo da cabeça.
Falaram de alopecias mais raras mas mais graves…
FO: São as alopecias cicatriciais, que são irreversíveis. No fundo gera-se uma inflamação à volta do folículo piloso, que leva à substituição desta raiz por uma cicatriz e por isso a raiz fica destruída, não volta a nascer. O lúpus eritematoso, que é uma doença que pode afetar vários órgãos, nomeadamente na pele, pode causar manchas na pele do couro cabeludo, causando queda de cabelo.
PQ: Há também a alopecia frontal fibrosante, que apesar de ser rara vê-se cada vez mais em consulta. É uma alopecia que parece uma bandolete. É mais frequente nas mulheres, sobretudo perto da menopausa. O cabelo vai recuando, desde a zona preauricular e frontal, ficando progressivamente sem cabelo. Nestes casos não há hipótese de reverter o processo, e não se sabe qual é a causa. Há várias teorias que têm a ver com alguns componentes de cosméticos, incluindo protetores solares, questões hormonais, mas nada está provado.
Quais são os sintomas dessas alopecias cicatriciais?
PQ: Um sinal de alerta é quando os pelos das sobrancelhas caem. Após 1-2 anos começa a cair o cabelo. Deve procurar logo o médico para se tentar jogar por antecipação, porque, a partir do momento que o cabelo cai, não se consegue inverter a situação.
FO: Prurido deve alertar as pessoas para ir a uma consulta para perceber se é só uma dermatite seborreica, que é frequente e causa comichão, ou não.
A calvície feminina é mais comuns nas mulheresque têm um familiar com o mesmo problema?
FO: É uma doença multifatorial, ou seja, pode ter um papel genético e influência de fatores ambientais. Sabemos que 80% dos doentes tem pelo menos um familiar em primeiro grau afetado, seja do lado do pai como do lado da mãe. Relativamente aos fatores ambientais, não se sabe o que pode estar na génese ou no agravamento da calvície.
Pode aparecer na juventude?
PQ: Sim, tenho cada vez mais jovens de 18-20 anos com alopecias androgenéticas.
FO: Os casos mais graves podem surgir logo a seguir à puberdade, no boom hormonal.
Que tratamentos existem para a alopecia?
PQ: Na generalidade dos casos, como são quedas transitórias autorresolutivas, as ampolas ou suplementos que se compram nas farmácias vão resultar. Mas há muitas pessoas que têm uma patologia e não sabem e andam anos ‘entretidas’ a ver se estes produtos resultam. Só vão a uma consulta numa fase tardia da doença. Mas mesmo nestes casos há muitos tratamentos que resultam bem, embora quanto mais cedo começar a tratar, melhor o resultado.
FO: Os tratamentos variam conforme o tipo de queda, mas o objetivo de todos é diminuir a quantidade de cabelo que cai e aumentar a densidade, o que acontece na maioria dos casos da alopecia não cicatricial. No fundo, nós estamos a falar de substâncias tópicas que se vão aplicar no couro cabeludo, como o minoxidil. Podemos recorrer também, conforme o caso, a tratamentos de natureza hormonal, como a espironolactona, a finasterida, a imunossupressores se forem situações inflamatórias… é um mundo. Existem outros tratamentos feitos em contexto de clínica, mas a mensagem a transmitir é que há uma possibilidade de melhoria na grande maioria dos doentes, sobretudo nas alopecias não cicatriciais.