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Os alimentos são constituídos por 3 tipos de macroingredientes: hidratos de carbono, gordura e proteína. E se os dois primeiros têm sido apontados, injustamente, como os maus da fita e causadores de todo o mal – da obesidade aos problemas cardiovasculares -, já a proteína só recebe boa ‘publicidade’: ‘quanto mais melhor, é essencial para ficarmos musculados, é boa para quem quer perder peso, é boa…’, os argumentos são mais que muitos e todos sabemos que, como em tudo na vida, o que é demais faz mal, e a proteína é igual. Na quantidade certa, é absolutamente vital para o organismo, claro, assim como os hidratos de carbono complexos e a gordura insaturada. Mas deixemos estes dois para outras núpcias e concentremo-nos na proteína.

O que é e por que precisamos dela?
“Enquanto os hidratos de carbono e a gordura são o nosso ‘combustível’, a nossa energia, a proteína é o que dá estrutura às nossas células, aos tecidos, órgãos, músculos, unhas e cabelo, e o que ajuda à sua manutenção, reparação e crescimento. “Se não ingerirmos nenhuma proteína morremos? Sim, sem dúvida, mas isso é muito difícil de acontecer se nos alimentarmos regularmente, mesmo sem prestar atenção nenhuma ao que ingerimos”, explica Christopher Gardner, diretor de Estudos sobre Nutrição e Professor na Universidade de Stanford, EUA, no podcast ‘Zoe Science & Nutrition’. Todas as proteínas são constituídas por aminoácidos, e ao todo existem 20 tipos de aminoácidos (nove deles essenciais). “Gosto de fazer uma analogia entre aminoácidos e as peças/letras do jogo Scrabble. Ora neste jogo podemos criar palavras muito curtas e palavras muitíssimo longas, mas todas elas são compostas pelas 26 letras do alfabeto. É o que acontece com as proteínas, há umas que têm 3 aminoácidos e outras mais de mil, que podem ser agrupados de forma muito diversa e complexa, sempre a partir dos tais 20 conhecidos.”

Qual a DDR (Dose Diária Recomendada)?
Sabemos que devemos consumir entre 2200 e 2500 calorias diárias (uma média que depende muito da atividade física, claro) e que cerca de 10-15% dessas calorias devem vir das proteínas (15-30% das gorduras e 55-75% dos hidratos de carbono). ‘Mas essa percentagem corresponde a quantos gramas diários exatamente?’, é o que deve estar a pensar. Depois de anos de vários estudos exaustivos – em que foram analisados os ingredientes ingeridos e os elementos excretados (suor, urina, fezes, expetoração) ou libertados (cabelo ou células da pele) do nosso corpo – percebeu-se que as pessoas têm necessidades diferentes de nutrientes. Mas para que a esmagadora maioria da população (97,5%) fosse abrangida pela dose diária recomendada (DDR) chegaram a um valor: 0,8g/kg/dia, isto é, 0,8g de proteína por quilo de peso corporal (saudável, ou seja, no índice de massa corporal entre 18,8 e 24,9).
Traduzido por miúdos: se pesar 65kg, por exemplo, idealmente devia ingerir 52g de proteína por dia (65×0,8= 52).

Será que estou a cumprir a meta diária?
Sim, é o mais provável e quem o diz não sou eu, é o especialista em nutrição. “A maioria das pessoas não tem ideia do que come ao longo do dia, subestima sempre o que ingere. É verdade para as calorias e também para as proteínas. Segundo dados de vários estudos, as mulheres ingerem, em média, cerca de 2500 calorias/dia e os homens 3000/dia, embora pensem que anda nos 1500. E o que se chegou à conclusão é que as pessoas estão a ingerir cerca de 1,5g/kg de proteína, ou seja, quase o dobro da DDR, e isto sem fazer um esforço consciente para incluir mais proteína na alimentação. Muitas vão ao ginásio onde lhes dizem que precisam de mais proteína para ganhar mais músculo, por isso recorrem aos batidos e barras proteicas. Mas será que precisam?
Imagine que quer ganhar 10kg de músculo num ano. Sabe-se que 70% do músculo é água, portanto o que precisa é de 3kg de proteína, 3000g de aminoácidos. Se dividir 3000 por 365 dias vai precisar de um acréscimo de 10g de proteína por dia, mas nós já ingerimos em excesso, não precisamos mais. Tivemos aqui em Stanford um jogador de futebol americano profissional para monitorizar. Ele ingeria 240g de proteína diariamente. É um atleta muito alto e forte mas não precisa nem de metade.” Então e o que acontece à proteína que absorvemos e o nosso organismo não precisa? “Aos hidratos de carbono que não utilizamos, processamo-lo e armazenamo-lo numa quantidade limitada para ser usado quando for preciso, sob a forma de glicogénio. Quanto à gordura, essa sim conseguimos armazená-la em quantidades ilimitadas, das pernas à barriga, braços, rabo, pescoço, e nos dedos. Então e o que acontece à proteína extra que comemos? É guardada onde? Em lado nenhum, utilizamos a tal quantidade que precisamos e o resto, de uma forma simplista, ou é transformado em hidratos de carbono e gordura ou é excretado pelos rins. Daí que dietas hiperproteicas devem ser evitadas porque sobrecarregam a capacidade de filtragem dos rins.”

O consumo diário de proteína aconselhado para adultos foi estimado em 0,8g de proteína por quilo de peso.

Origem vegetal ou animal
Se faz desporto com frequência e acha que a proteína de origem animal é melhor para a sua performance, desengane-se. Num estudo (preliminar) levado a cabo na Universidade de Stanford, 24 estudantes foram avaliados e a sua atividade física diária quantificada ao pormenor (desde corrida a exercícios com pesos). Numa primeira fase do estudo, a alimentação era omnívora, e na segunda, a dieta era vegana (só proteína de origem vegetal) e chegou-se à conclusão que o desempenho físico em nada se alterou, o que deixou os estudantes abismados. “Na verdade, quando comemos uma proteína, seja ela de origem animal ou vegetal, só a absorvemos depois das cadeias de aminoácidos serem decompostas em unidades simples. E o nosso organismo depois não vai saber se aquele aminoácido veio de um bife de vaca ou de um brócolo ou até de um suplemento proteico. Não importa a origem, o que importa é que o nosso organismo tenha acesso aos tais 20 aminoácidos, sobretudo aos nove essenciais, que não conseguimos produzir e precisamos de os ir buscar aos alimentos. Acha que uma dieta vegetariana ou vegana não lhes providencia toda a proteína que necessita? Mais a queda de um mito. TODOS os alimentos de origem vegetal têm TODOS os aminoácidos, embora possam ter níveis baixos de um de dois aminoácidos essenciais: lisina ou metionina. O arroz, por exemplo, tem um nível baixo de lisina. Já o feijão tem um nível baixo de metionina. Mas o arroz e o feijão completam-se, por isso é que há tantos povos cuja gastronomia inclui pratos de arroz com feijão. Se comer uma variedade de alimentos de origem vegetal não vai ter deficit de nenhum aminoácido essencial, só correrá esse risco se fizer uma dieta pouco variedade e ingerir menos que 40g de proteína por dia. A biodisponibilidade é maior na proteína de origem animal mas esta faz menos bem à saúde, tem mais gordura saturada, e menos fibra, e às vezes mais hormonas, químicos e antibióticos. Por isso, em termos de saúde, a proteína vegetal é mais saudável, tem mais fotoquímicos, antioxidantes, fibra e faz maravilhas ao seu microbioma”.

Uma alimentação vegetariana fornece todos os aminoácidos essenciais, basta que seja variada.

A exceção: crianças, grávidas e idosos
Eles sim, devem ingerir níveis mais elevados de proteína, e não é difícil perceber porquê. As crianças porque estão a crescer e precisam de mais macroingredientes estruturantes, mais ‘blocos de construção’ para fortalecer das células aos tecidos, passando pelo órgãos, músculos, pele… por isso aponte para uma ingestão de 0,9g a 1,1g/kg/dia, e o mais variada possível. Também as grávidas precisam dessa quantidade diária para a formação da placenta, para o crescimento fetal e dos tecidos uterinos, mas não exagere, basta fazer uma alimentação bastante variada apostando ainda mais na proteína de origem vegetal, de boa qualidade nutricional.
“Quanto aos idosos, há várias razões por que nos devemos preocupar com eles. Muitas vezes têm problemas dentários, que os impedem mastigar decentemente o que dá origem a problemas digestivos, outras vezes a solidão leva a problemas de saúde mental, como depressão, e isso faz com que percam o apetite. Se não se alimentam como deve ser, não ingerem proteína suficiente e perdem massa muscular, e também deixam de ter atividade física”, alerta o especialista americano em nutrição.

E durante a menopausa?
Exercício física combinado com uma alimentação saudável predominantemente vegetariana é o melhor para as mulheres de todas as idades, e ainda mais nesta fase da vida. Vários estudos comprovam que as mulheres vegetarianas ou veganas em fase da perimenopausa e na menopausa têm menos 30% dos sintomas que são considerados mais debilitantes – afrontamentos, suores noturnos e perturbações do sono – que as mulheres que fazem uma alimentação rica em proteínas de origem animal. Se não quiser dispensar a proteína animal, reduza-a pelo menos.
Num estudo verificou-se que a inclusão de 2 colheres de sopa diárias de sementes de linhaça moída (seja num prato de sopa, num batido, na aveia matinal ou até simplesmente num copo de água) diminui consideravelmente os afrontamentos ao fim de 3 meses.
Como é uma fase em que há tendência para engordar, sobretudo à volta da cintura, é aconselhável aumentar a atividade física (5 a 6 vezes por semana), cardio coordenado com exercícios de força (pesos, ioga ou pilates). Não corte cegamente na alimentação sem ter em conta as suas necessidades de proteína diária, consulte uma nutricionista para a ajudar a atingir os seus objetivos sem descurar as suas necessidades nutricionais básicas.
Resumindo e concluindo: não se preocupe com a proteína, basta fazer uma alimentação equilibrada, seja ela flexitariana (com um pouco de proteína animal de boa qualidade, nada processado como salsichas ou bacon), vegetariana ou vegana, para atingir os necessários 0,8g/kg/dia. A palavra de ordem é mesmo variar, variar variar.

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