
A utilização dos novos fármacos para tratamento da obesidade tem aumentado de forma exponencial nos últimos anos e tem levado muitos a questionar se isso corresponderá a um declínio da cirurgia metabólica.
Os medicamentos agonistas do GLP-1, inicialmente desenvolvidos para o tratamento da diabetes, têm-se mostrado a alternativa farmacológica mais eficaz para o controlo da obesidade. Estes medicamentos imitam a função das hormonas que promovem uma sensação de saciedade, ajudam a reduzir a ingestão calórica e a perder peso de forma eficaz. Com os fármacos mais recentes, perdas de até 20% do peso corporal são possíveis, de forma sustentada durante a sua utilização.
A cirurgia metabólica é o método mais eficaz e duradouro para o controlo da obesidade. Procedimentos como o bypass gástrico e o sleeve gástrico associam-se a perdas superiores a 30% do peso corporal, durante pelo menos 20 anos após a cirurgia, a uma melhoria das doenças associadas à obesidade e a uma diminuição da mortalidade. Atualmente, estima-se que apenas 1% dos doentes com indicação para tratamento cirúrgico da obesidade tenham acesso a este tratamento (seja por preconceito social, dificuldades no acesso ou inequalidades na distribuição de recursos).
Os agonistas do GLP-1 e a cirurgia metabólica não devem ser vistos como concorrentes, mas sim como tratamentos complementares. A escolha entre uma abordagem farmacológica ou cirúrgica deve ser personalizada para cada doente, considerando fatores como o grau de obesidade, doenças associadas, preferências individuais e expectativas do doente. Em alguns casos, a estratégia mais eficaz poderá ser uma abordagem combinada.
É fundamental que os doentes consultem equipas médicas multidisciplinares, com experiência em ambas as alternativas de tratamento, que lhes permitam decisões informadas sobre a terapêutica. A obesidade é uma doença crónica, complexa e que necessita de uma abordagem abrangente, incluindo tratamento nutricional, farmacológico ou cirúrgico.
Finalmente, a utilização de fármacos que controlam a obesidade de forma eficaz, vem alertar a sociedade para o carácter patológico desta doença. Deixa de ser aceitável considerar a obesidade como apenas um defeito de carácter ou uma opção de estilo de vida. Afinal, se um “simples” fármaco pode controlar a obesidade, porquê normalizar esta condição clínica? No futuro, deixará de ser aceitável não tratar a obesidade.
Embora os medicamentos análogos do GLP-1 estejam a ganhar destaque no tratamento da obesidade, a cirurgia metabólica é uma opção valiosa, com efeitos mais poderosos e persistentes do que o tratamento farmacológico. Assim, o futuro do tratamento da obesidade residirá numa abordagem integrada, em que tratamentos farmacológicos e cirúrgicos serão utilizados de forma complementar, para proporcionar os melhores resultados possíveis para os doentes. Será a cirurgia substituída pelos fármacos, ou por outro lado, a necessidade de tratamento da obesidade fará aumentar cada vez mais o seu uso? Quando a maré sobe, todos os barcos sobem juntos!
Prof. Doutor Gil Faria é cirurgião especialista em Cirurgia da Obesidade e Metabolismo, coordenador dos Centros de Tratamento da Obesidade do Hospital Pedro Hispano, em Matosinhos, e do Grupo Trofa Saúde, Professor da FMUP e Investigador clínico na área da Cirurgia Metabólica e Obesidade.