É engraçado como tudo parece estar ligado. Por mais planos que se façam, a vida encontra forma de surpreender e de traçar o seu caminho. Sofia Paixão, 51 anos, sempre gostou de cozinha. Mas na altura de escolher uma profissão, ser cozinheira não era opção. “Não era moda como hoje. Acabei por seguir a área de gestão e marketing. Fiz o percurso que era esperado, trabalhei numa multinacional como gestora de produto, até que decidi que tinha de mudar de vida. Em 2000, depois de ter tido o segundo filho, larguei tudo e inscrevi-me na Escola de Hotelaria do Estoril para fazer a licenciatura em produção alimentar”, conta à Activa, no seu luminoso estúdio de cozinha com vista para o mar – onde costuma dar aulas e criar as suas receitas – enquanto alinha os ingredientes para a receita de Bacalhau da Noruega que vai preparar.
Estudar cozinha foi o início do processo de mudança, mas muito mais estava para chegar. No curso aprendeu as bases e conheceu as técnicas da cozinha, mas sentiu que não chegava. Queria saber mais sobre alimentação, sobre o impacte dos ingredientes na saúde, sobre nutrição. Por isso investiu mais na formação. Seguiram-se cursos de macrobiótica, cozinha japonesa, cozinha natural, todos com um foco maior na alimentação saudável.
A grande mudança deu-se há cerca de 12 anos e foi impulsionada por um problema de saúde. “Andava sempre cansada, doente, com amigdalites constantes, passava a vida a tomar antibióticos… Até que uma cunhada minha descobriu que era celíaca e comecei a fazer algumas receitas para ela. Ao provar as receitas, apercebi-me de que me sentia melhor. Fui fazer daquelas análises de intolerâncias alimentares e o resultado foi uma intolerância aos alimentos que contêm glúten”. Uma coincidência que trouxe frutos, pois foi assim que nasceu o blog/marca Glúten-Free com Paixão, onde Sofia fez o relato da sua nova aventura alimentar.
Um desafio que vira profissão
“Foi um desafio enorme retirar o glúten da alimentação e começar a cozinhar assim, numa altura em que nem se falava no glúten nem havia secções dedicadas nos supermercados. Mas, ao mesmo tempo, comecei a descobrir grãos de cereais – muitos deles ancestrais, com muita fibra – diferentes, muito mais saborosos que o trigo”, recorda.
A porta do glúten-free estava aberta e, com ela, mais desafios. “Tudo convergiu na mesma altura: descobri a intolerância, criei o blog, tirei o curso de health coach e comecei a fazer coaching. Entretanto continuei a estudar e licenciei-me em Cozinha Natural na School of Natural Cookery, Boulder – Colorado, onde acabei por ser convidada para dar aulas – e faço-o já há dois anos”.
O Glúten-Free com Paixão foi crescendo, Sofia foi convidada a escrever um livro, “Sem Glúten Com Paixão” (Lua de Papel). “Que foi um sucesso, já vai na 3ª edição”, orgulha-se. “Mas havia sempre este sonho de criar uma escola. Gosto mesmo muito de ensinar. E este ano finalmente dei esse passo e criei a CookingSchool.pt. Um projeto que já estava pensado mas que nasceu mesmo em pleno Covid, que foi importante para dar o impulso final. É uma escola digital, que terá uma parte presencial mas que ainda não está ativa. Tem cursos mais curtos, temáticos, e outros mais completos, com vários professores convidados. A ideia é que quem se inscreva tenha acesso a mais que um mero curso de receitas: que tenha antes uma formação que lhe dê as ferramentas necessárias para se orientar na cozinha saudável. O curso mais completo – Curso Completo de Cozinha Natural – tem 12 módulos e a duração de 3 meses. Aborda desde as bases de cozinha até à food photography, meal prep, módulos sobre proteínas vegetais e animais, conservação de alimentos e módulos sobre desperdício e sustentabilidade. Quem quiser, tem até a hipótese inovadora de ter uma sessão de cooking coach privada – uma aula personalizada comigo, onde pode tirar dúvidas, uma espécie de PT da culinária”, revela, mesmo antes de deitar mãos-à-obra na receita de Bacalhau da Noruega com Miso e Açorda de Espinafres e Coentros que preparou para esta sexta-feira Santa.
“A base da cozinha natural é a qualidade e a origem dos ingredientes. É isso que eu defendo: variedade, qualidade, olharmos para a origem e optarmos sempre pelo melhor. Não dá para disfarçar um bacalhau que não é bom”. Não é o caso destes suculentos lombos de bacalhau oriúndos das águas cristalinas da Noruega, pescados de forma sustentável, posteriormente demolhados e prontos a cozinhar, cheios de sabor, que prometem levar à mesa dos portugueses a tradição da Páscoa, ainda que confinada. “Sou muito tradicional e o bacalhau não pode faltar na Sexta-feira Santa. Mas mesmo dentro do tradicionalismo gosto de inovar e esta receita que aqui trago é a prova disso: inspirei-me numa receita clássica de um chef de que gosto muito, o Nobu Matsuhisa, e misturei o sabor clássico do bacalhau com um toque especial de miso, mel e vinho do Porto, acompanhado de uma açorda feita de forma diferente. Espero que gostem!”, conclui.
Bacalhau da Noruega com miso e açorda de espinafres e coentros
INGREDIENTES
Bacalhau com Miso
4 lombos de Bacalhau da Noruega
4 colheres de miso
4 colheres de mel
4 colheres de vinho do porto
4 colheres de azeite extravirgem
Açorda de espinafres
e coentros
400 g de pão integral sem glúten
1 dente de alho
60 g de folhas de espinafres
10 g de coentros
Sal marinho
700 a 800 g/ml de água
PREPARAÇÃO
Numa taça grande misture o miso, o mel, o vinho do Porto e o azeite, e misture bem. Envolva os lombos de bacalhau no molho e deixe a marinar no frigorífico entre 30 minutos a 24 horas. Quanto mais tempo os deixar mais saborosos vão ficar.
Pré-aqueça o forno a 190ºC, sem ventilação. Coloque os lombos numa travessa e leve ao forno por 20 minutos. De seguida, aumente o forno para 200ºC, com o grill e com a ventilação, e deixe caramelizar por cerca de 6 a 8 minutos (vá vigiando pois depende da altura dos lombos e da potência do forno). Leve a marinada que sobrou ao lume e, em lume médio, deixe reduzir mexendo durante 5 minutos.
Entretanto prepare a açorda. Num processador coloque o alho e triture até estar bem picado. Junte metade do pão cortado em pedaços e triture até obter uma farinha grossa. Retire para uma taça e reserve. No mesmo processador, sem lavar o copo, junte a outra metade do pão, os espinafres, os coentros e volte a triturar. Junte ao pão reservado e misture bem. Coloque numa panela média as 700g/ml de água e leve ao lume até ferver. Junte o sal e a farinha grossa de pão, reduza o lume para o médio e misture bem. Vá mexendo de vez em quando até ligar, se necessário junte o resto da água.
Retire os lombos do forno e sirva-os com a açorda e com o molho.