A pílula pode ter sido a ‘mãe’ de todas as revoluções sexuais e sociais dos últimos 40 anos. Mas ganhou uma ‘irmã’ nos anos 70, a contracepção oral de emergência ou pílula do dia seguinte – disponível em Portugal desde 1999 – que não lhe fica atrás em matéria de revolução. Pela primeira vez, as mulheres tinham outra maneira de evitar uma gravidez quando o seu contraceptivo normal falhasse: um esquecimento da pílula, o preservativo que se rompe, uma relação sexual que, por acaso, não foi protegida. Era como uma rede de segurança.
Como funciona a contracepção de emergência?
Uma embalagem tem dois comprimidos, que se tomam ao mesmo tempo e logo após as relações desprotegidas. Dependendo da altura do ciclo menstrual em que tem sexo não protegido, esta pílula de socorro atrasa ou impede a ovulação, evita a fecundação do óvulo e, num caso extremo, de 48h até 72h depois do sexo, impede o ovo já fecundado de se implantar nas paredes do útero, altura em que a gestação começa. Mas não é uma pílula abortiva. Se a mulher já estiver grávida – ovo fecundado e implantado – não terá qualquer eficácia.
Não se considere protegida até aparecer o período seguinte; podemos ovular duas vezes no mesmo mês. Use o preservativo durante o resto do ciclo.
A pílula do dia seguinte só é eficaz quando tomada nas 72 primeiras horas depois da relação. A contracepção de emergência é menos eficaz que outros métodos, como a pílula ou o preservativo, e a sua eficiência desce de 75% para 25%, do primeiro para o terceiro dia após a relação desprotegida. Quanto mais cedo for tomada logo após a relação, mais efeito fará. É preciso estar preparada para efeitos secundários aborrecidos mas nada raros, como náuseas e vómitos. Se vomitar a seguir à toma, esta fica sem efeito.
As contra-indicações são as mesmas das pílulas convencionais, explica Daniel Pereira da Silva. "Não devem ser tomadas por mulheres que sofram de tumores hormono-dependentes (do colo do útero ou da mama, por exemplo), diabéticas ou hipertensas, com problemas de coagulação sanguínea."
Cuidado com o uso excessivo!
Não existe um estudo que estabeleça um limite para o número de pílulas do dia seguinte que se podem tomar seguramente num ano. Mas, pelo sim pelo não, é melhor não abusar.
Um estudo nacional sobre hábitos contraceptivos, feito por um laboratório farmacêutico, e no qual participaram mais de 3800 mulheres, concluiu que, no nosso País o consumo desta pílula tem vindo a crescer: desde 1999 foram vendidas 740 mil unidades e em 2004 o número chegou às 200 mil embalagens, mais 30 mil que no ano anterior.
"Os resultados apontam para uma utilização crescente, sobretudo na população mais jovem, o que é preocupante", revela Daniel Pereira da Silva, presidente da Sociedade Portuguesa de Ginecologia. "Se for utilizada como contracepção regular e com demasiada frequência, pode levar a que essas mulheres venham a ter consequências muito desagradáveis. Com um ou dois comprimidos da pílula do dia seguinte, a mulher está a tomar o equivalente a dezenas de comprimidos da contracepção oral regular. É uma dose muito elevada de hormonas para evitar um mal maior, que é uma gravidez não desejada", explica ainda o clínico. "E sabemos hoje que, em relação ao cancro da mama e do colo do útero, as hormonas desempenham um papel muito importante."
Educar para a sexualidade
Esta dose massiva de hormonas – à base de progestativos – é encarada de modo muito cómodo sobretudo pelas adolescentes que engrossam os 16% de inquiridas deste estudo, sexualmente activas, que afirmam não usar qualquer contraceptivo. Desta maneira, escusam de ir ao médico ou ao centro clínico, onde sentem vergonha de ser reconhecidas por médicos e profissionais que em muitos casos também conhecem a família. "Um estigma que ainda existe" e que pode estar a abrir caminho ao "facilitismo" com que se encara a toma regular da contracepção de emergência, como observa Daniel Pereira da Silva.
Se é verdade que, para este clínico, lutar contra a sexualidade na adolescência, "é ir contra a natureza", por outro lado, concorda que "se começa a vida sexual cada vez mais cedo". Nem podemos dizer que exista muita ignorância sobre contracepção. O estudo concluiu que cada vez mais mulheres reconhecem os principais métodos contraceptivos e uma fatia grande de adolescentes afirma ter abordado o assunto na escola. "Há locais interessantes para a ligação entre a escola e o centro de saúde, onde os médicos podem estar mais envolvidos na educação sexual dos jovens. Devemos ter uma linguagem muito directa para com eles. Não se pode deixar de lhes dizer, desde cedo, que devem estar preparados para tudo." Os números não enganam: em cada mil jovens portuguesas, 23 têm uma gravidez precoce. Portugal tem a segunda maior taxa de gravidez adolescente da União Europeia (15,6%), apenas ultrapassado pelo Reino Unido.
Como nos protegemos
Sabíamos pouco sobre os hábitos contraceptivos nacionais, mas um estudo recente, dá-nos agora uma visão mais alargada. Participaram de 3858 portuguesas dos 15 aos 49 anos. As descobertas são reveladoras:
– Um terço das jovens sexualmente activas diz já ter tomado a pílula do dia seguinte.
– 70% das mulheres afirma esquecer-se da toma da pílula uma a três vezes por ano.
– Nove em cada dez adolescentes que tomam a pílula dizem já se ter esquecido de o fazer, pelo menos uma vez.
– 22% das adolescentes inquiridas confessam esquecer-se de tomar pílula em vários ciclos menstruais.
– 16% das adolescentes admite não usar qualquer contraceptivo.
– 84,4% das jovens afirmaram ter abordado o assunto da contracepção na escola, um enorme passo em frente no que respeita à informação e educação sexual.
Fonte: Jornal Público