O glúten é um composto de dois grupos de proteínas, gluteninas e gliadinas, como explica o neurologista norte-americano David Perlmutter no seu livro ‘Cérebro de Farinha’ (Lua de Papel). Encontra-o no trigo, centeio, cevada (a aveia também é desaconselhada). Sempre que se delicia com uma fatia de pizza ou de pão quente, deve essa consistência ao glúten, que dá a viscosidade e elasticidade à massa. Mas ele também é adicionado a outro tipo de alimentos processados – massas, bolachas, pizza e refeições pré-preparadas, molhos, polpa de tomate, alheira e farinheira – e até a cosméticos e produtos de higiene.
Ele é realmente perigoso e, consequentemente, deve ser banido da dieta de pessoas que sofrem de doença celíaca ou que manifestem intolerância alimentar a ele. Mas para a maioria da população ele não representa riscos diretos para a saúde – embora todos os especialistas sejam unânimes em afirmar que, atualmente, consumimos demasiados alimentos ricos nele.
Muita gente acha que se eliminar estes alimentos da dieta terá uma série de benefícios para a saúde e que essa prática até poderá ajudar a prevenir algumas doenças. Mas se em algumas afirmações até poderá existir um fundo de verdade, outras não passam de mitos ou baseiam-se em dados que ainda não são conclusivos. Falámos com alguns especialistas que nos ajudam a desvendar entre a verdade e o mito.
– Vou emagrecer, se cortar com o glúten: “É um mito”, explica Daniela Afonso, dietista da Associação Portuguesa de Celíacos. “Claro que, fazendo uma dieta isenta de glúten, se eliminarmos os produtos processados, pode haver uma perda de peso, mas não está diretamente relacionada com a proteína em si”. Já há alternativas variadas ao glúten, em termos de alimentos processados disponíveis nos supermercados. Mas não foram feitas para perder peso. “Nos alimentos sem glúten, a textura, sabor dos alimentos com glúten é normalmente conseguida com a substituição dele por gordura e açúcares. Basta compararmos um pacote de bolacha Maria com e sem glúten para perceber que o teor das gorduras saturadas e trans e dos açúcares simples é maior. Varia de produto para produto, mas podem chegar a ser valores duas ou três vezes superiores.”
– As dietas ricas em glúten aumentam o risco de problemas neurológicos: No seu livro ‘Cérebro de Farinha’ – bestseller na lista do ‘New York Times’ e da ‘Amazon’ durante semanas – o neurologista David Perlmutter defende que o glúten, a par dos diferentes tipos de açúcar, potencia processos inflamatórios prejudiciais para todo o organismo, sobretudo para o cérebro. Perlmutter acredita que pode levar à depressão, ansiedade, dores de cabeça e enxaquecas crónica e formas de demências como o Alzheimer; potencia a Perturbação de Hiperatividade com Défice de Atenção e a epilepsia; agrava doenças mentais preexistentes, como a doença bipolar, e exacerba os efeitos do autismo.
Uma pesquisa de 2006, feita pela Mayo Clinic, fala de uma “associação provável” entre glúten, doença celíaca e demência. Mas não é representativo: seguiu apenas 13 casos e de doentes celíacos, não da população em geral. Alguns estudos recentes também indicam que uma alimentação sem glúten pode trazer benefícios às crianças autistas.
Para o gastroenterologista Ricardo Freire, secretário-geral da Sociedade Portuguesa de Gastroenterologia, as alegações de Perlmutter devem ser tomadas com cautela. “Afirmações alarmistas como essas têm obrigação de ser sustentadas com estudos científicos. Sabemos que existem complicações possíveis da doença celíaca [nas pessoas afetadas por esta condição, a ingestão de glúten provoca uma resposta imunológica que pode chegar a ser grave, inflamando das vilosidades do intestino], sintomas adversos, que envolvem manifestações neurológicas. As únicas que estão provadas são uma maior probabilidade de epilepsia com calcificações cerebrais ou um maior risco de trombose dos seios cavernosos, que resulta de defeitos da coagulação.”
– É um ladrão de energia: “O glúten está associado a alimentos que nos dão energia, como os cereais, ricos em açúcares de absorção rápida e lenta”, explica o nutricionista Pedro Queiroz. Mas a verdade é que, para algumas pessoas, ele poderá implicar uma maior sensação de cansaço. “Como também implica um maior dispêndio energético ao nível da digestão, algumas pessoas podem sentir uma ligeira melhoria quando é retirado da alimentação – menos inchaço, fermentação e produção de gás. As pessoas que fazem uma alimentação muito rica em trigo têm um índice glicémico muito alto, depois há picos glicémicos e um cansaço associado a eles.”
– A minha saúde vai melhorar: Nem sempre as queixas relacionadas com a saúde e bem estar físico desaparecem quando cortamos com os alimentos ricos em glúten, até porque a causa para eles pode não ser essa. “Muita gente acha que com uma dieta sem glúten nunca mais vai ter sintomas como problemas de pele, dores de cabeça e enxaquecas. O que é facto é que às vezes isso acontece, outras não”, esclarece Pedro Queiroz.