Pina Bausch
LB/Visão
Espalhava terra no palco, e rosas, e areia, e cadeiras, e água, e apresentava gente de todos os tamanhos e idades, que falava, ou gritava, ou chorava, que se chocava em encontros brutais, que trazia o desespero e a brutalidade, que não tinha nada de feérico: pelo menos no princípio (do mundo), antes de toda a gente começar a copiá-la e ela se virar para o lirismo (im)possível.
"O que eu faço é tentar criar uma linguagem para a vida", disse Pina Bausch das suas criações. Mas não disse muito. Aliás, afirmou certa vez sobre a sua juventude "adorava dançar porque tinha medo de falar". Quem viu as suas criações duvida que ela alguma vez tenha tido medo do que quer que fosse. Diz-se que revolucionou a dança, mas fez mais do que isso: revolucionou a forma como pensamos no nosso corpo enquanto mulheres e homens, e a nossa presença neste mundo enquanto marca individual.
Mesmo quem nunca viu um espectaculo de Pina Bausch integra-a, sem o saber, na forma como se move todos os dias, na forma como pensa na relação entre os sexos e na vida do dia a dia. Ao inverter a estrutura do ballet clássico – uma companhia com corpo de baile e solistas transforma-se num grupo onde todos são protagonistas – aproximou a arte da vida. Pina Bausch era incómoda não apenas pelo puro gosto de o ser, mas porque é no desconforto que aprendemos. "Não estou aqui para agradar aos espectadores", afirmou, "mas para os desafiar".
Philipine Bausch herdou as tensões e a solidão da Alemanha pós-guerra, onde nasceu a 27 de Julho de 1940. Aos 14 anos entrou na Folkwang School, onde se formou em 1959. Aos 19 anos aterrava em Nova Iorque, que lhe deu a liberdade de um mundo onde tudo mudava. Em 73, de volta à Alemanha, fundou o Tanztheater Wuppertal. Foi o princípio da sua filosofia da dança como crítica social.
Para ela, a dança não era uma arte estanque, mas a soma de todas as artes. Não lhe interessava o reino mítico do folclore europeu do ballet clássico, nem o movimento pelo movimento da dança moderna: interessava-lhe o presente enquanto palco de desencontros e violências quotidianas, e a arte do corpo enquanto testemunho de uma experiência real. Um pas-de-dex nunca mais seria o mesmo: um choque, agora, em vez de um encontro.
Portugal viu-a pela primeira vez em 1989, e depois em 94, quando Lisboa foi Capital da Cultura. Passou três semanas entre nós durante a Expo-98, que terminou com a criação de ‘Mazurca Fogo’.
Aquela que afirmou um dia "não sou aluna de ninguém" deixou milhares de seguidores. A pergunta agora é: que fazemos nós, de uma maneira ou de outra seus alunos, com uma herança de desconforto e transgressão, num tempo em que tudo já parece ter sido criticado? Ao contrário de Merce Cunningham ou Martha Graham, Pina Bausch não deixou uma técnica específica que se possa aprender: o seu legado é ferozmente individual, e a sua herança, a haver, tem de ser recriada por cada um, individualmente, como sempre aconteceu em todos os seus espectáculos.