Antonio Zambujo.jpg

Foto: Carlos Ramos Produção: Gabriela Pinheiro

Diz que é “bastante tímido”, mas ninguém diria ao vê-lo chegar ao estúdio, bem-disposto e confiante, para a sessão fotográfica e entrevista. À frente da câmara, o cantor, 39 anos, vai conversando com quem está do outro lado, faz piadas. Chet Baker – um dos “clássicos de emergência” que tem sempre à mão – ouve-se ao fundo. É a música, aliás, que lhe faz brilhar os olhos quando fala dela e dos autores que admira e se tornaram amigos do peito. Falou connosco não muito longe da Rua da Emenda, que também é o título do seu mais recente álbum.

Já disse que este disco, ‘Rua da Emenda’, é o fim de um ciclo. Porquê? 
Porque acho que já fizemos tudo o que tínhamos a fazer com esta sonoridade. A minha grande influência na música, nesta fase, que começou em 2004 com o ‘Por Meu Cante’, é o João Gilberto. Começámos [a compor] como ele começou, com uma base de voz e guitarra. A partir dessa base fomos construindo alguma coisa. Nos discos que se seguiram, quer no registo em estúdio quer ao vivo, conseguimos atingir uma ‘estabilidade’ que me incomoda já. É preciso um bocadinho de caos.

Precisa de sair da zona de conforto?
Sinto necessidade de me desafiar permanentemente, fazer coisas novas, diferentes. O que poderá acontecer é voltar à base, construir outra coisa de início. Isso também depende dos discos que ouço, dos concertos a que assisto, dos livros que leio. Outros artistas acabam por influenciar muito aquilo que faço. Uma vez estive com o escritor Mário de Carvalho num programa de televisão e ele dizia que um escritor tem que ler tudo, mesmo o que é mau, para saber o que é mau. Eu tenho que ouvir de tudo também, o que é bom e o que é mau.

O público ainda consegue espantá-lo, pelas reações nos concertos?
Às vezes sim. Como em Viana do Castelo, onde toquei há pouco tempo: estavam 1900 pessoas no pavilhão Multiusos. Há dois ou três anos, dei lá um concerto num teatro muito bonito onde não estavam mais do que 20. Em Évora, no Teatro Garcia de Resende, aconteceu o mesmo: num ano estavam 10 ou 12 pessoas e no seguinte já tinha a sala esgotada. Isso espanta-me, mas deixa-me feliz.

Como é ouvir o Caetano Veloso a elogiá-lo e a dizer que a sua música “é de arrepiar e fazer chorar”?
Quando temos um tipo que idolatramos a falar assim de nós, sem nunca nos termos visto ou falado… deixou-me muito feliz. Mais tarde, ele foi assistir a um concerto meu no Rio de Janeiro, trocámos contactos, encontrámo-nos muitas vezes depois. Fiquei amigo do filho dele, o Moreno Veloso, que também tem um projeto musical muito interessante. 

E não se fica nervoso quando o Caetano está na plateia a assistir?
Nada do que tenha a ver com música me faz ficar nervoso. Se fosse assim com aquilo que gosto mais de fazer na vida, o que seria com as outras coisas? Tenho que desfrutar, estar sentado em palco com a máxima confiança porque é o que eu mais gosto. Até porque é o que de melhor posso dar às pessoas. 

Mas apesar de gostar tanto do Brasil, não se identifica muito com a expressão ‘país irmão’, não é?
Não, porque não faz sentido nenhum. Temos a mesma língua, mas em tudo o resto somos muito diferentes. Já houve alturas em que as culturas estiveram muito próximas. É difícil explicar, por exemplo, como é que o fado, o ‘choro’ e a morna, três géneros musicais distintos, têm tanto em comum, pertencendo a países tão distantes geograficamente. Mas gosto muito de tocar no Brasil, o público é muito caloroso. 

Para o ‘Rua da Emenda’ foi buscar grandes letristas: José Eduardo Agualusa, Pedro da Silva Martins, Samuel Úria, José Fialho Gouveia…
O Úria e o Fialho entraram agora pela primeira vez, os outros já vêm dos discos anteriores – o João Monge, a Maria do Rosário Pedreira, o Pedro da Silva Martins, o Miguel Araújo (com quem já faço música há 14 anos). São geniais. Tenho uma admiração muito grande pelo trabalho deles. Canto as coisas deles sem olhar, aceito as letras assim que chegam porque lhes reconheço um valor incalculável e porque sei que eles sabem daquilo que gosto. 

Revê-se nas palavras do José Fialho Gouveia, quando canta “só sei viver de ouvido” – ou segue mais a pauta?
Digo isso muitas vezes. Acho muito importante estudar música; estudei no Conservatório, fiz o curso de clarinete. Mas para aquilo que faço hoje, o que aprendi lá vale-me de muito pouco porque as coisas surgem mais por intuição. O tipo de música que fazemos é mais de improviso. Temos uma base, mas ela serve para que possamos desenvolver aquilo que achamos que devemos acrescentar. De outra maneira seria extremamente castrador tocar com os músicos com que toco. Na vida, acho que também sou assim. 

O quê e quem o inspira?
Gosto muito dos livros do José Eduardo Agualusa e do Gabriel García Marquez – quando leio os livros dele remete-me sempre ao universo da América Latina, da latinidade que me faz apaixonar cada vez mais por essa região, de ir para lá conhecer tudo. É como ouvir a Chavela Vargas cantar – é uma sensação que me dá vontade de conhecer aquilo tudo como conheço a minha terra, Beja. E com o Agualusa o mesmo em relação a África. É uma sensação muito agradável.

Tem saudades de quando cantava na casa de fados ‘Senhor Vinho’, da boémia fadista?
Tenho. Lá, a noite não acabava muito tarde – mais tardar, uma da manhã. Não fazia muitas noites de copos. Quando isso acontecia, normalmente bebia com o dono, o José Luís Gordo, quando ele estava de maré. É uma pessoa com quem sabe muito bem conversar até às tantas – com ele e com o poeta Mário Rainho. Foi com eles os dois que aprendi muito da história do fado, dos autores e poetas populares, dos fadistas que se mantiveram sempre na casa de fados e nunca saltaram para o ‘mainstream’, mas que são cantores inacreditáveis, que muito pouca gente conhece. Eram conversas muito giras porque me sentia a absorver tudo como uma esponja. Sinto saudades do que fazíamos lá, onde tocava com dois músicos fantásticos, o Paulo Parreira na guitarra portuguesa e o Rogério Ferreira na viola. Nunca tocávamos por obrigação, para ‘encher chouriços’, uma coisa que me afligia um bocadinho. Sentia que íamos fazer sempre experiências, coisas novas. Mas agora faço isso em palco. 

Em miúdo, em Beja, cantava entre amigos e família mas a sua revelação aconteceu num concurso. Ainda se lembra do que sentiu na primeira vez em frente ao público?
Foram os meus amigos que me inscreveram e, quando eu soube, pensei naquilo como mais uma noite de tertúlia. Nunca tinha cantado com guitarra nem em frente ao público. Não me lembro do que senti, já foi há mais de 20 anos. Provavelmente estava com os copos…

Com os copos, tão novo?
No Alentejo começa-se cedo (risos). Estou a brincar. Mas já devia ter bebido qualquer coisa.

Chegou a participar em algum grupo de cante alentejano?
Sim, em criança: tinha para aí uns 6 ou 7 anos. Num grupo que acho que ainda existe e se chamava Trigo Limpo. Chegámos a vir gravar um disco aos míticos estúdios da Valentim de Carvalho, em Paço de Arcos. 

Gostava de pegar mais no cante alentejano, nos próximos álbuns?
Inevitavelmente, ele vai estar sempre comigo porque, juntamente com o fado, faz parte das minhas primeiras memórias musicais. Foi a ouvir os fados e os cantes que eu comecei a ter vontade de aprender música, de ser cantor, de andar o dia inteiro a chatear a minha avó para me ensinar as letras para depois ir cantar com os velhotes. Haverá certamente um dia em que vou gravar um disco só de fados tradicionais ou de modas tradicionais alentejanas. Tenho alguma pena que o cante alentejano tenha ficado, nos últimos anos, à margem de outros coros polifónicos, porque há imensos festivais de canto polifónico em todo o mundo. Espero que isso mude com este reconhecimento da UNESCO e com o trabalho de campo que tem sido feito no Alentejo por muita gente, da criação de novos grupos a novo repertório – que acho muito importante para não se estar sempre a cantar aquilo que foi feito há 500 anos. 

O que há em si da alma alentejana?
Talvez a tranquilidade, que é uma coisa muito associada aos alentejanos. O Fernando Pessoa dizia isso num poema: “vejo menos mas vejo melhor”. Não tenho aquela ânsia de andar a correr e ver coisas só para dizer que vi. Prefiro ver menos mas ver melhor, ser tranquilo, respirar fundo. É uma das características dos alentejanos.

E o que é que adotou de Lisboa?
Principalmente esta zona do Chiado, Bairro Alto, onde morei sempre. Quando vim para Lisboa, encontrei uma água-furtada e caí aqui de paraquedas. Sempre vivi apaixonado por esta zona. Desço o rio, vou passear de bicicleta até Algés, faço caminhadas. É uma cidade apaixonante, talvez a mais bonita do mundo. É fácil ficar preso a ela. Vim para cá há 15 anos. No início, qualquer tempo livre que tinha, pegava no carro e ia para Beja. Hoje, já não. Estou a tentar inverter um pouco isso agora, mas houve uma fase em que só ia a Beja visitar as pessoas importantes para mim, e não para matar saudades da cidade e dos hábitos que tinha lá. Saio à noite em Beja e já não conheço ninguém. Os meus amigos já estão todos casados e com filhos.

Quais as coisas de que sente mais saudades em Beja?
Da comida da minha mãe, que é uma cozinheira fantástica, dos petiscos de alguns amigos. Agora gosto mais de estar nas aldeolas lá à volta, num ambiente mais rural. A cidade em si agora entristece-me. Aqui, em Lisboa, não temos tanta noção da crise como as pessoas no interior. Cada vez que lá vou noto mais uma loja fechada, mais um prédio que foi construído há pouco tempo mas que ninguém comprou. Vejo coisas que me envergonham enquanto português – uma autoestrada que começou a ser construída e foi abandonada. Vejo um aeroporto novo sem utilidade; uma estação sem comboios, coisas estúpidas para as quais não encontro explicação. Viajo pela Europa e vejo tudo cada vez mais próximo. O meu técnico de som mora a 400km de Paris e em 2 horas de TGV está lá. Aqui é ao contrário; está tudo mal pensado.

Nunca lhe apetece cantar sobre isso?
Não sei se cantar ajuda. Apetece-me pensar sobre isso e tentar explicar às pessoas que têm que se preocupar com o que se passa, informarem-se para depois votarem com consciência, que não se é de um partido como se é do Benfica ou do Sporting ou do Porto.

É pai de um rapaz de 16 e de outro de 4. Eles já o acompanham nestas coisas da música?
Já cantam ‘O Pica do 7’ juntos, o mais velho à viola e o mais novo a cantar. O João, o mais novo, é muito engraçado, está numa idade muito extrovertida; o Diogo, numa idade muito introvertida, mas agora começa a abrir-se. Está a passar de menino a homem. Tem um talento incrível, canta bem, toca muito bem guitarra mas é muito tímido. Gosta de mostrar a mim e já vai começando a tocar à frente dos amigos.

É fácil conciliar a agenda de músico com o ‘ofício’ de pai?
Não. Vou tentando o melhor que posso. Quando passo grandes temporadas fora, é complicado. Do início do ano até meio de fevereiro só estive com eles uma vez, depois de tanto tempo em tournée. 

O que gostava de lhes ensinar na vida?
Gostava que eles nunca fossem preconceituosos, que fossem sempre descontraídos, leais aos amigos e fiéis às suas paixões, que fizessem aquilo que realmente gostam. É assim que eu tento ser, pelo menos.

Canta muito sobre amor e paixão. Se tivesse que escolher uma letra que lhe assenta como uma luva, nesse aspeto, qual seria?
Não sei… Ainda está por fazer. (risos) Há umas letras que assentam numa determinada altura e que depois deixam de assentar. Neste momento, apesar de me identificar com todas, não acho que exista uma que me assente assim tão bem.

Mais no portal

Mais Notícias

Ana Jotta - Arte que imita a vida que imita a arte

Ana Jotta - Arte que imita a vida que imita a arte

Milhares de pessoas no Vaticano para o funeral do Papa Francisco

Milhares de pessoas no Vaticano para o funeral do Papa Francisco

Sede da PIDE, o último bastião do Estado Novo

Sede da PIDE, o último bastião do Estado Novo

Mais vale prevenir do que fechar

Mais vale prevenir do que fechar

Olo: Nova cor é tão rara que apenas cinco pessoas a viram

Olo: Nova cor é tão rara que apenas cinco pessoas a viram

Um olhar incontornável ao papel das comunidades

Um olhar incontornável ao papel das comunidades

Pigmentarium: perfumaria de nicho inspirada na herança cultural da República Checa

Pigmentarium: perfumaria de nicho inspirada na herança cultural da República Checa

O futuro começou esta noite. Como foi preparado o 25 de Abril

O futuro começou esta noite. Como foi preparado o 25 de Abril

Arnaldo Antunes - Canções do fim do (novo) mundo

Arnaldo Antunes - Canções do fim do (novo) mundo

Comissão Europeia aplica multas milionárias à Apple e Meta

Comissão Europeia aplica multas milionárias à Apple e Meta

Moda: Coletes

Moda: Coletes

CARAS Decoração: Cromática, uma coleção desenhada por Pedro Almodóvar

CARAS Decoração: Cromática, uma coleção desenhada por Pedro Almodóvar

Entrevista a Gil Brito, vencedor de 'Got Talent Portugal'

Entrevista a Gil Brito, vencedor de 'Got Talent Portugal'

Liberdade, sempre: 31 ideias para celebrar Abril

Liberdade, sempre: 31 ideias para celebrar Abril

A ascensão das clouds privadas nas empresas: uma solução para os três c’s dos desafios de IT

A ascensão das clouds privadas nas empresas: uma solução para os três c’s dos desafios de IT

Cosentino inaugura o Cosentino City Porto e reforça a sua presença em Portugal

Cosentino inaugura o Cosentino City Porto e reforça a sua presença em Portugal

Niu KQi 100P em teste: Sofisticação a bom preço

Niu KQi 100P em teste: Sofisticação a bom preço

Pedro Mafama e Ana Moura: Um casal arrojado e cheio de estilo

Pedro Mafama e Ana Moura: Um casal arrojado e cheio de estilo

Hyundai Inster: novo elétrico 'compacto por fora e grande por dentro'

Hyundai Inster: novo elétrico 'compacto por fora e grande por dentro'

Indústria espacial: Quando o céu já não é o limite para Portugal

Indústria espacial: Quando o céu já não é o limite para Portugal

45 anos de Jornal de Letras

45 anos de Jornal de Letras

Miguel Castro Freitas assume direção criativa da Mugler

Miguel Castro Freitas assume direção criativa da Mugler

Parabéns, Júlia Pinheiro - 60 anos em 60 fotos

Parabéns, Júlia Pinheiro - 60 anos em 60 fotos

Bárbara Branco e José Condessa em cenas eróticas em

Bárbara Branco e José Condessa em cenas eróticas em "O Crime do Padre Amaro"

Intel prepara-se para despedir 20% dos trabalhadores

Intel prepara-se para despedir 20% dos trabalhadores

Inspirados na Revolução: 30 sugestões para celebrar o 25 de Abril

Inspirados na Revolução: 30 sugestões para celebrar o 25 de Abril

Artrite reumatoide: tudo o que precisa de saber sobre esta doença

Artrite reumatoide: tudo o que precisa de saber sobre esta doença

CARAS Decoração: as novas peças desenhadas pelos irmãos Bouroullec para a Vitra

CARAS Decoração: as novas peças desenhadas pelos irmãos Bouroullec para a Vitra

Salão do Móvel: design e inovação em Milão

Salão do Móvel: design e inovação em Milão

Quis Saber Quem Sou: Será que

Quis Saber Quem Sou: Será que "ainda somos os mesmos e vivemos como os nossos pais?"

Conta-me como foi o 25 de abril

Conta-me como foi o 25 de abril

Segway Ninebot F3 Pro em teste: Dá para levar ao castelo

Segway Ninebot F3 Pro em teste: Dá para levar ao castelo

A revolução dos robots em Portugal. A reportagem que valeu à VISÃO Saúde Prémio de Jornalismo

A revolução dos robots em Portugal. A reportagem que valeu à VISÃO Saúde Prémio de Jornalismo

Moda: Mensagem Recebida

Moda: Mensagem Recebida

Reportagem da VISÃO Saúde sobre evolução da Cirurgia Robótica em Portugal vence Prémio de Jornalismo

Reportagem da VISÃO Saúde sobre evolução da Cirurgia Robótica em Portugal vence Prémio de Jornalismo

Passatempo: ganha convites duplos para a antestreia de 'Super Charlie'

Passatempo: ganha convites duplos para a antestreia de 'Super Charlie'

A VISÃO Se7e desta semana – edição 1677

A VISÃO Se7e desta semana – edição 1677

Todas as fotografias do casamento de Daniela e Márcio

Todas as fotografias do casamento de Daniela e Márcio

Clima, risco, banca e crédito: o preço da (in)sustentabilidade

Clima, risco, banca e crédito: o preço da (in)sustentabilidade

De Zeca Afonso a Adriano Correia de Oliveira. O papel da música de intervenção na revolução de 1974

De Zeca Afonso a Adriano Correia de Oliveira. O papel da música de intervenção na revolução de 1974

Relatório: Empresas podem perder até 25% das receitas devido às alterações climáticas - mas também há dinheiro a ganhar

Relatório: Empresas podem perder até 25% das receitas devido às alterações climáticas - mas também há dinheiro a ganhar

Guia de essenciais de viagem para a sua pele

Guia de essenciais de viagem para a sua pele

​O concerto (sem público) dos Pink Floyd em Pompeia volta aos cinemas 53 anos depois

​O concerto (sem público) dos Pink Floyd em Pompeia volta aos cinemas 53 anos depois

Especial livro de jogos VISÃO Júnior

Especial livro de jogos VISÃO Júnior

Sustentabilidade como pilar de competitividade e reforço do propósito social das empresas

Sustentabilidade como pilar de competitividade e reforço do propósito social das empresas