Considerado por muitos como o artista mais completo da atualidade no panorama nacional, César Mourão não para de surpreender. E sempre da melhor maneira. Desta feita, lançou-se às músicas, com a simplicidade que o caracteriza, e propôs-se cantar a vida e as histórias que a compõem no álbum “Talvez Não Seja Nada”. Os concertos de apresentação acontecem já este mês, em Lisboa e no Porto, mas, antes de subir ao palco, o artista falou com a ACTIVA online sobre esta nova aventura que promete deixar sorrisos em quem a ouve.
Pegando num verso do seu novo single, “Talvez não seja nada”, diga-me, nos dias em que não se aguenta, quem é que o baliza em termos emocionais?
Acho que ninguém, penso que é o próprio trabalho. Utilizo muito o meu trabalho como terapia, claro que os meus filhos também me balizam, mas até chegar a casa, o trabalho ajuda-me muito. É a sorte de fazer o que gosto.
Nós nunca somos só uma coisa, mas o César consegue dar-se ao público de muitas formas. Como é que isso funciona para si?
Acho que essa é um bocadinho a função de um artista. Não me considero um humorista, a minha formação é de ator, e um ator é um bocadinho isso. A versatilidade para mim é uma preocupação, gosto de ser versátil, gosto de ter essas valências e acho que não me devo fechar num compartimento e devo tentar fazer de tudo um pouco. Obviamente que se calhar acabo por não fazer nada muito bem, mas sinto-me muito completo em fazer várias coisas mesmo que essas coisas não sejam a cem por cento.
Essa versatilidade acarreta mais inseguranças?
Talvez. Aliás, o facto de tentar ser versátil pode ser uma insegurança já por si. Talvez tenha tanta insegurança que acabo por querer fazer várias coisas na tentativa de, todas juntas, formarem uma boa. Mas onde me refugio é no rigor com que me entrego às coisas. E aí não tenho a mínima dúvida que é conseguido. Quer da minha parte, quer das pessoas que estão à minha volta. Existe uma verdadeira preocupação, e é em tudo o que conseguimos dominar que focamos a nossa atenção, para que possamos fazer bem. No que não dominamos, que é nos gostos pessoais de cada um, já não é do nosso domínio, aí já é do público.
Mas é muito disciplinado?
Muitíssimo.
Nem podia ser de outra forma?
Não acredito muito no sucesso de alguma coisa sem muita disciplina e trabalho. E rejo-me por esta disciplina e trabalho árduo desde sempre, desde que estou neste caminho. Só é possível os Commedia à la Carte terem 23 anos e salas esgotadas ininterruptamente por causa do rigor com que nos entregamos às coisas. De outra forma parece-me difícil.
Está habituado a estar em palco, mas não como cantor. E agora vai poder experienciar isso. Embora tanto o humor, como a música criem emoções nas pessoas, as reações são diferentes e os tempos também. Está preparado para sentir isso e para perceber o impacto que vai causar nas pessoas?
Não estou muito preocupado com o impacto que vou causar, esse não é o meu foco. No fundo, este disco é um movimento artístico como outro qualquer. É como quando se pinta um quadro. O pintor tem uma intenção, tem uma vontade, mas a maior parte das vezes não é o que a pessoa que está a olhar para o quadro sente. E na música isso também acontece. A comédia é mais imediata, nós dizemos uma piada e o público ri – se não ri, é porque a piada não é boa. Na música nada é imediato e essa é a minha maior dificuldade. Estou habituado a feedback segundo, bom ou mau. E aqui só sei no fim se emocionei as pessoas. Mas a minha preocupação primária é fazer um género de música com que me identifique e que conte histórias.
Tanto na comédia, como na música, o César é, de facto, um contador de histórias. É assim que se vê?
Sim, sem dúvida. Tanto no meu humor, como agora nestes disco. Todas as músicas são histórias, são baseadas em pessoas e factos reais, todas elas são verdade e gosto muito de contar histórias deste ponto de vista artístico.
Alguma vez deu por si a ser um “Clint Eastwood de papelão”, como canta, por amor?
[Risos] Sim, acho que sim. Já todos nós fomos esse Clint Eastwood de papelão, ou seja, imaginamos o Clint Eastwood, imaginamos que somos o Clint Eastwood, mas, no fundo, é uma capa, porque somos frágeis e temos um lado inseguro. A pessoa dessa canção quer ser o Clint Eastwood, mas não deixa de ter as suas fragilidades e os seus lados sombra e inseguranças.
A arte alimenta-se mais desses lados sombra ou do lado solar?
É muito mais do lado sombrio. A música, sobretudo. Mas tenho medo que isto seja um cliché. O lado criativo aparece quando estamos mais nostálgicos, mais pensativos, mais connosco. E aí o lado criativo é quase a luz dessa sombra, talvez seja a ânsia de querermos alguma coisa mais iluminada nestas fases, e a criatividade ajuda para quem a tem.
E o César é mais dado a momentos felizes ou de melancolia?
Felizmente, mais momentos felizes. Não sou muito melancólico, mas estou muitas vezes sozinho, em viagem. É zero deprimente, usufruo muito, mas esses momentos mais comigo e pensativos acabam por me ajudar na minha criatividade. Fico sozinho com os meus pensamentos e isso dá origem a momentos criativos.
De que é que se alimenta a criatividade? Da vida no seu todo?
Acho que sim. A minha alimenta-se muito do quotidiano. Do dia-a-dia. E gosto muito de brincar com o quotidiano e de o ter como base.
Embora a música sempre tenha estado muito presente em si, como é que se dá o salto para a concretização deste disco?
Eu próprio não sei bem… Meio empurrado por amigos, pelas pessoas que trabalham comigo, pelas circunstâncias. E há uma altura em que eu penso: “porque não?”. Não tem uma estratégia. Muita gente pensa se eu agora sou cantor ou músico, porque existe esta ideia de que as pessoas não podem fazer várias coisas. E digo “Talvez não seja nada” muito para as pessoas não se preocuparem. Porque realmente talvez não seja nada. Este disco acaba por ser a soma de muitas amizades e há muitos fatores para termos chegado até aqui.
Isso torna este disco ainda mais especial…
Torna, claro, nem que seja porque se diz que se deve plantar uma árvore, escrever um livro e ter um filho. Esqueceram-se, claramente, de acrescentar um álbum nesta equação. E eu tenho isso. Obviamente que é um check na minha vida, que gostava muito de fazer e que agora está feito.
A quem é que lhe deu aquele friozinho na barriga na altura de mostrar as músicas pela primeira vez?
Acho que ao Miguel Araújo. Admiro muito o Miguel, é um génio de talento e da música, mas a verdade é que também é muito diplomata, é um gentleman. Ele até pode odiar que ia mentir sempre para me deixar feliz. Como amigo e cavalheiro que é, foi-me sempre dando apoio e alinhando. Aliás, toca baixo neste single.
Como foi ouvir este álbum com os seus filhos?
Espetacular! Eles já sabem as músicas todas de cor, desde o Xavier, de dois anos, à Mariana, de 14, o que é impressionante. Por mim, eles os três eram as únicas pessoas que estariam na plateia, porque é muito fácil e eles são os meus maiores fãs, acham tudo incrível. E já me dão ideias para músicas – “pai, faz agora uma música com cadeira, faz outra com ovo cozido”. [Risos]
Como é que é para a sua filha, Mariana, que já está na adolescência, ser filha do César Mourão?
Não existe isso. É igual. Não é uma preocupação nossa. Não tenho essa visão e nem a Mariana a tem. Ser minha filha, para ela, é igual a ser filha do Carlos Gouveia.
Não nos levarmos muito a sério é o segredo da vida?
É um dos. O outro é tomar ampolas de magnesona todos os dias de manhã. Não nos levarmos a sério é um deles, também. Mas é muito difícil não nos levarmos a sério. Pelo menos no meu caso. Há dias em que preferia não me levar tanto a sério, há coisas que me preocupam… Mas sim, não nos levarmos a sério é um dos grandes segredos.
Depois deste, podemos contar com mais discos seus?
Não faço planos e, honestamente, não sei. Não sei dizer se fazer mais um álbum é um sim redondo, mas também a minha vontade não é de não fazer. Se surgirem músicas, se eu tiver ideias, se achar que é interessante, talvez faça. Mas nada me obriga a ter que fazer um segundo álbum, nem nada me obriga a ter que parar depois deste. É go with the flow.