Se é daquelas pessoas que tem os emails todos arquivados por assuntos, uma tabela com as faltas do frigorífico e da despensa, e três separadores do Chrome abertos, no limite, então ouça-me com atenção.
Para me apresentar, assumo desde já que neste momento tenho mais de sete mil mails por ler, 20 mil em coma induzido e 10 mil no corredor da morte. Tenho 40 latas de atum e zero de feijão, porque as minhas listas de supermercado raramente transcendem o plano mental. E o meu browser tem mais janelas abertas do que um calendário de advento.
Pessoas como eu normalmente irritam pessoas que fazem listas de perguntas antes de ir ao médico. Sorte será lembrar-me por que é fui ao médico, para começar. Até porque quando entro no consultório já me passaram todas as dores. Pessoas organizadas irritam-se que eu só quando chego à caixa do supermercado me lembre de consultar os artigos com desconto. Agito para ver a promoção do dia e ficam agitadas por eu trazer dois quilos de pêssegos vermelhos quando os paraguaios estavam praticamente para adoção.
O marido de uma colega minha perde o multibanco quase todas as semanas. Como há MBWay (que está na lista de gratidão diária que eu nunca hei de fazer), a urgência de uma operação de busca e salvamento é relativa. Ele, como eu, sabe que o cartão está bem e acabará por aparecer. No meu caso, os cartões são normalmente resgatados de uma mala temporariamente abandonada, juntamente com uma máscara cirúrgica, um bilhete para a Expo 98 e um cheque bancário.
Há tempos perdi a minha aliança de casamento – o anel de namoro que o meu pai deu à minha mãe no início da criação do meu mundo. Estava triste, mas eu sabia que nos haveríamos de reencontrar. E assim foi. Um dia fui buscar as ervilhas ao congelador e ali estava ela, reluzente, a beneficiar dos efeitos da crioterapia.
Lembrei-me deste tema por causa do regresso às aulas e das listas intermináveis, típicas desta altura. Ainda tenho um livro de espanhol de sobra do ano passado – ia jurar que estava no rol dos livros obrigatórios para a área de Ciências e Tecnologia.
Felizmente, os trabalhos manuais já lá vão, tal como os lápis e pincéis de números estranhos e difíceis de encontrar, que o capitalismo decidiu gananciosamente separar – se repararem, quando são vendidos às tríades, o conjunto nunca é aquele pedido nas salas de aula. Se eu quero os pincéis números 5, 7 e 10, só vai haver embalagens com os 5, 8 e 11.
Por isso, senhores e senhoras (e todes). Se têm de lidar com pessoas como eu, descontraiam. O que é que interessa se o plano era comer bacalhau espiritual e o bacalhau permaneceu no retiro do supermercado? Mantenham o espírito aberto. E se alguma coisa faltar, procurem sempre na gaveta das ervilhas antes de decidirem mandar-nos à fava.