Nunca se discutiu tanto a questão do teletrabalho como agora, que o Governo se prepara para decretar o fim da “recomendação” de trabalhar à distância sempre que possível. De uma forma empírica, apesar de existirem sondagens feitas sobre o tema, reparo que, ao falar com quem está neste regime, invariavelmente acaba por afirmar o seu desejo de “não voltar ao que era antes”. Faz sentido. Este tempo de pandemia, de confinamentos, de interditos em prol da saúde pública foi mais do que um intervalo no normal decorrer dos nossos dias. As transformações que nos foram de alguma forma impostas, as adaptações que tivemos de fazer, a forma como não tivemos outra solução se não reorganizar as nossas vidas, meter coisas, tirar outras, não se faz sem um preço. Ou vários. Um deles é tomarmos consciência que há mudanças que foram de facto positivas. Que o novo tem de dar lugar ao velho. No teletrabalho encontrei mais foco, menos interrupções supérfluas, aumento de produtividade, mais agilidade em realizar entrevistas e reuniões com o recurso aos meios não presenciais, maior flexibilidade na gestão entre a minha vida pessoal e profissional. E sim, por vezes mais criatividade no silêncio (palavra que é estranha a qualquer redação!). Existe, obviamente, a falta do ‘estar’ fisicamente com os colegas. Da troca de ideias, de piadas, do intervalo para o café. Contudo, esta ‘experiência’ provou-me que há mais vantagens no teletrabalho do que no trabalho presencial a tempo inteiro, pelo menos na minha área, e que é importante pensar em soluções híbridas, que nos dêem o melhor de dois mundos.
É óbvio que cada atividade tem as suas especificidades. Na minha – que conheço bem – constato que jornalismo sempre se fez também à distância. Os free-lancers sempre foram parte integrante da engrenagem de qualquer jornal, revista ou site e a qualidade dos seus trabalhos ou a capacidade de cumprirem timings não se media pelo facto de estarem longe. Na área do digital, onde trabalho, há anos que lidamos com ferramentas como teams, zooms e afins para trabalharmos como equipa porque, quando há algo que é notícia a acontecer, não está propriamente à espera que estejamos sentados nas nossas secretárias na redação para a escrever. Há um lado criativo que se vai buscar ao estarmos presencialmente, mas sejamos honestos – um grande texto jornalístico, uma grande entrevista, não é trabalho de grupo. Parte do nosso trabalho não é trabalho de equipa, apesar da óbvia necessidade de coordenação entre todos os elementos, ainda mais quando falamos de revistas e jornais, em que, do editorial ao comercial, tudo tem de estar alinhado.
Cada caso é um caso. Porém, se o teletrabalho fosse assim tão mau, como teriam sobrevivido a este ano e meio tantas empresas de serviços que, do dia para a noite, se tiveram de adaptar a novas formas de trabalho? Empresas de tecnologia, de banca, de seguros, agências de comunicação e de publicidade, prestadores de serviços da mais diversa ordem que fecharam as portas do escritório e tiveram de encontrar num ápice uma outra dinâmica. E encontraram-na. Com abusos, em certos casos, de ambos os lados. Com as dificuldades inerentes a uma população ativa pouco familiarizada com ferramentas digitais. Mas o caminho abriu-se e estamos aqui, hoje.
A pandemia não foi uma experiência. Com ela veio um questionamento, uma reformulação em muitas áreas da sociedade e uma delas, a de primeira linha, da forma como trabalhamos. Tem de ser mais humana, mais flexível, dar prioridade à responsabilização e autonomia dos colaboradores, passar de um modelo de chefia clássico para um baseado na liderança positiva. Claro que é difícil. Claro que é desafiante. Claro que é feito de tentativas, de erros e de tropeções. Temos de procurar o equilíbrio que nos permita aliar o bom dos dois lados da barricada, de estar longe e estar perto e assumir que nem todos somos iguais, que alguns trabalham melhor de um forma, outros de outra, mas tentar fugir à estandardização e assumir o individual. A felicidade no trabalho é um elemento fulcral ao bom desempenho e, no final, beneficia colaboradores e empresas – e há vários estudos que assim o indicam, existindo inclusive cursos e formações sobre este novo tipo de liderança em universidades portuguesas. No final, precisamos de soluções mais humanas. E ‘humano’ é uma palavra que tinha deixado de fazer parte da forma como os nossos dias estavam organizados. Ao menos que a pandemia tenha servido para alguma coisa.