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Chegámos, finalmente, ao reinício de aulas mais aguardado dos últimos anos. Avizinham-se novas rotinas, novos hábitos, uma sensação de quase normalização da vida outrora comum, mas há, no entanto, um conjunto de novas regras e estas podem incluir a utilização de máscara de proteção individual. Se por um lado alguns aspetos menos estéticos ficam camuflados com a utilização da máscara, tais como um dente partido ou uma borbulha, outros ficam ainda mais em evidência como é o caso das orelhas de abano, também conhecidas por orelhas de telefone – ou, no caso dos mais novos que adoram recorrer aos clássicos da Disney, ainda que nem sempre com bom tom e muitas vezes para implicar com os colegas, orelhas de Dumbo.
As orelhas surgem com este formato por motivos congénitos devido, pelo menos, a uma de três razões: uma perda da “dobra” entre o hélix e o anti-hélix, um excesso da concha (conhecida por escafa) e/ou um afastamento da orelha em relação à cabeça. Esta condição leva a que muitas crianças escondam as orelhas com o cabelo, no entanto, a situação pandémica fez com que muitos pais preferissem apanhar o cabelo aos filhos, facilitando as medidas de higiene e a passagem constante das mãos pelo rosto. Ora, se nestes casos a situação já não era fácil, torna-se ainda mais complexa com a utilização das máscaras com elásticos cujo suporte recai precisamente nas orelhas o que leva a uma maior projeção das mesmas para fora do plano da cabeça tornando esta condição ainda mais óbvia.
Esta alteração pode ser alvo de bullying psicológico por parte dos pares surgindo como forma de gozo e de humilhação entre as crianças que, quando querem, conseguem ser menos empáticas. No regresso ao ambiente escolar que lhes é familiar, mas diferente, com um novo contexto, sem trocas de lanches nem abraços ou partilha de brinquedos e canetas, há que recordar também o quanto esta nova realidade pode afetar o trato entre as crianças, nomeadamente, quando reforça uma patologia que denota diferença. Se é exatamente nos primeiros 3 a 5 anos de vida que se forma o carácter é também nesta altura que se moldam as autoestimas. Estas pequenas atitudes podem ser suficientes para mudar para sempre a autoconfiança de um adulto.
Felizmente, este problema tem uma solução e existe, efetivamente, uma cura para as orelhas de abano. No caso dos bebés, idealmente, até aos 3 meses ou até aos 12 meses no caso dos bebés sob aleitamento materno, sabemos que a elevada concentração de estrogénios no leite materno ajuda a aumentar a concentração de ácido hialurónico, um dos componentes responsáveis pela flexibilidade das cartilagens. Enquanto tal acontece, é possível moldar as cartilagens, recorrendo-se a fitas adesivas especiais, uma técnica japonesa de moldagem. No entanto, após este período, as opções terapêuticas não são muitas além da cirúrgica denominada de Otoplastia. Sabemos que aos 5 anos, a orelha atinge cerca de 80% do tamanho do adulto. Esta idade coincide igualmente com o período pré-escolar pelo que a partir desta idade pode realizar-se a correção cirúrgica das orelhas de abano.
Muitos pacientes pequeninos visitam-nos na The Dr. Pure Clinic devido a esta condição, onde a consulta decorre de forma informal, sem bata, em sala aberta apenas na presença dos pais. São esclarecidos todos os pontos que preocupam os pais, mas sempre com foco na criança. Além disso, são realizadas fotografias em vários ângulos no estúdio fotográfico da clínica e mostrados aos pais outros casos semelhantes, cujos pais permitiram a partilha sem que a criança seja identificada.
A cirurgia nestas idades é realizada sob anestesia geral, sendo que é permitido que um dos pais acompanhe a criança em todo o processo no bloco operatório, desde a admissão até à fase de indução anestética, acompanhando o(a) filho(a) mesmo dentro da sala do bloco operatório até que este(a) adormeça. A maior parte das crianças vai divertida, já pré-medicada, brincando às naves espaciais.
A técnica que utilizo nestes casos foi estudada em Istanbul, na Turquia, onde realizei o meu fellowship em Cirurgia Plástica Facial com um foco importante na Rinoplastia fechada (sem cicatrizes visíveis) e neste tipo especial de Otoplastia. Esta cirurgia tem várias nuances técnicas que garantem uma recuperação praticamente indolor (há algum desconforto apenas nos primeiros dois dias), sem que fiquem pontos visíveis e com um risco de recidiva francamente inferior ao das técnicas clássicas utilizadas em Portugal. O conceito cirúrgico é completamente diferente daquele que se utiliza habitualmente em Portugal e que está associado a muita dor e risco de recaída, por isso, com os avanços da Cirurgia Plástica é cada vez mais fácil corrigir patologias que podem ter implicações sérias ao nível psicológico nas crianças e interferir no seu desenvolvimento emocional e na formação da sua autoestima. Contudo, defendo de igual modo, que deve existir uma educação para a diversidade e a promoção de comportamentos empáticos nas crianças, uma vez que nem todos os jovens terão a oportunidade de recorrer à Cirurgia Plástica para resolver esta patologia, que traz um grande impacto ao nível emocional sobretudo na relação com os pares.
Dra. Sofia Santareno
Cirurgiã Plástica do Board Europeu e Directora Clínica da The Dr. PURE Clinic