Enquanto seres humanos gostamos e apropriamo-nos do nosso corpo. Esta é a lei natural, e normal, das coisas. Cada pedaço do nosso corpo faz parte de nós e ninguém imagina sofrer uma amputação física, seja por causa traumática ou neoplásica (por cancro). Após o diagnóstico assustador de um cancro de mama, mais frequente em mulheres, mas também possível nos homens, o primeiro pensamento costuma ser assustador: “Vou morrer?”, questionam. Porém, depois um período de franca frustração e até de alguma negação, os pacientes costumam encontrar dentro de si as forças da resiliência que utilizam para alimentar a luta que vão ter de enfrentar.
Atualmente, à luz dos tratamentos disponíveis, e com os rastreios cada vez mais precoces e apertados, as probabilidades estão favoráveis à cura. Porém, após o processo de aparente vitória, seguem-se as consultas de follow-up, o medo de um novo alerta, de voltar a passar por todo o processo novamente. E por mais que se tente recalcar, mesmo depois do cabelo ter voltado a crescer, o observar de um corpo despido depois do banho revela muitas vezes o monstro medo: a cicatriz da amputação.
É por isso que sou inteiramente a favor da reconstrução mamária. Nos casos em que é possível, considero importante programar no imediato para decorrer no mesmo tempo cirúrgico da remoção da mama doente. Desta forma, conseguimos evitar fenómenos reativos de recusa corporal, de desamor por si próprio, e contribuir para uma recuperação física e psicológica mais favorável.
Nos outros casos, a reconstrução diferida envolve várias técnicas. A grande característica que nos faz decidir que tipo de reconstrução realizar é se a paciente foi submetida, ou não, a radioterapia. Nas mulheres que não foram, a reconstrução mais vezes realizada envolve a utilização de uma matriz (malha) de uma pele de animal preparada em laboratório e um expansor – uma espécie de prótese balão que permite ser cheia em várias sessões até conseguirmos que a pele disponível acomode uma prótese do tamanho mais próximo possível da mama contralateral. São, portanto, necessárias duas cirurgias: uma para colocar o expansor e outra para o substituir uns meses mais tarde por uma prótese definitiva. Nesta segunda cirurgia, muitas vezes, usamos parte de gordura de outra zona do corpo para esculpir detalhadamente os contornos.
Nas mulheres que foram submetidas a radioterapia a pele tem memória da agressão que sofreu e tem franca tendência a partir-se, a fazer feridas. O colágeno, a elastina e toda a estrutura estão comprometidos. Então, um balão que expande deixa de ser solução. Em alternativa, utilizam-se outras partes do corpo da mulher (parte das costas, da barriga, das coxas) para substituir a pele que ficou estragada. Muitas vezes o próprio volume dos tecidos é suficiente, senão pode ser necessário associar na mesma uma prótese, mas com este contorno mais elástico e pliável.
No entanto, o processo não termina aqui. É preciso reconstruir também o mamilo e a aréola. Esta deve ser das questões que mais vezes me colocam, se vale a pena? Na minha conceção humanista, esta é simplesmente a primeira estrutura que reconhecemos quando acabamos de nascer: a aréola. Não deixa de ser engraçado a sua forma circular recordar um alvo. É aquele o alvo para a nossa sobrevivência enquanto recém-nascidos ao mamar. Portanto, considero que sim, vale a pena!
A aréola, a parte escura à volta do mamilo, é reconstruída muitas vezes com parte da aréola de outra mama ou até com pele da virilha. O mamilo é feito com dotes de arte através da pele da nova mama, variando nas técnicas disponíveis. Na minha opinião, prefiro sempre usar uma parte do mamilo do lado oposto. As mesmas técnicas podem ser utilizadas no caso de um paciente masculino e os resultados são fantásticos. Mas, acima de tudo, o que é importante neste processo é assegurar uma recuperação plena, tanto física como psicologicamente, contribuindo para o bem-estar e amor próprio dos pacientes ao longo desta batalha.
Dra. Sofia Santareno
Cirurgiã Plástica do Board Europeu e Diretora Clínica da The Dr. PURE Clinic