Setembro é o mês dos cancros do sangue e como hematologista sei que o cancro do sangue nas suas várias formas é uma área desconhecida para a grande parte das pessoas que não são hematologistas, doentes, sobreviventes ou próximos de quem teve um destes diagnósticos. É uma área muito diferente dos tumores sólidos, sobretudo na forma como abordamos o diagnóstico, o prognóstico e a terapêutica.
O estadio avançado de um linfoma B difuso de grandes células não impede a sua cura, ao contrário de um estadio avançado de um cancro da mama. Um estadio precoce de um linfoma folicular não significa a sua cura, porque, na grande parte dos casos, trata-se de uma doença crónica. O diagnóstico de uma leucemia linfocítica crónica não significa tratamento, porque há uma parte das pessoas com este diagnóstico que nunca chega a precisar de ser tratada.
Existem inúmeros cancros do sangue e seria impossível partilhar em poucas palavras alguma coisa sobre todos eles, por isso trago um exemplo paradigmático dos avanços da hemato-oncologia nos últimos 10 anos, o mesmo tempo ao qual me dedico a esta área.
Assisti de perto a estes avanços, que refletem sobretudo o aparecimento de novos fármacos cujo desenvolvimento e sucesso são fruto do conhecimento cada vez mais profundo da biologia da doença.
Quando cheguei à hematologia, já o diagnóstico da leucemia linfocítica crónica não significava necessidade de tratamento, mas, depois de ser preciso tratar a doença uma vez, com sucesso, na grande parte dos casos, quando a doença voltava ou progredia, as opções terapêuticas disponíveis eram variações, menos eficazes, do esquema utilizado inicialmente. Ou seja, se a doença ficava controlada eficazmente com o tratamento de primeira linha, ótimo, se não, as opções e a nossa esperança eram parcas.
Ao mesmo tempo, assistia com entusiamo à apresentação dos resultados de novos fármacos, eficazes e bem tolerados, em congressos. Assistia, na instituição onde trabalhava, a ensaios clínicos onde eram oferecidos fármacos promissores. Grande parte destes, são, agora, parte da nossa prática clínica.
A leucemia linfocítica crónica é, atualmente, 10 anos passados, uma doença com inúmeras opções terapêuticas que procuramos ajustar à sua biologia, e às outras doenças de cada pessoa.
A quimioterapia foi o primeiro grande passo na terapêutica do cancro do sangue. Mas o seu presente, e o seu futuro, vão para além dela: imunoterapia, terapêutica dirigida, e combinações das várias opções de que dispomos, num futuro entusiasmante, mas com inúmeros desafios. O maior será o de encontrar uma forma de oferecer estas terapêuticas altamente eficazes, mas dispendiosas, ao maior número possível de pessoas que delas podem beneficiar.
A ciência básica, que acontece no laboratório, traduz-se cada vez mais rapidamente em conhecimento e progresso na terapêutica das doenças. O cancro do sangue, nas suas várias formas, beneficiou de forma extraordinária disto, em termos de sobrevida das doenças, tolerância aos tratamentos e qualidade de vida dos doentes e sobreviventes. O que acontecerá nos próximos 10 anos?
Os textos nesta secção refletem a opinião pessoal dos autores. Não representam a ACTIVA nem espelham o seu posicionamento editorial.