Comentários como “eu não sou pessoa de me entregar a depressões”, “tens de ter força de vontade para vencer isso” ou “isso é só uma fase, se começas nos medicamentos vais ficar dependente” são, infelizmente, ainda frequentes.
Um inquérito recente sobre a visão dos portugueses acerca da depressão, promovido pela farmacêutica Lundbeck Portugal no âmbito da campanha “Depressão sem rodeios”, revelou que mais de 86% dos inquiridos reconhecia a depressão enquanto doença e a esmagadora maioria conseguia identificar a tristeza persistente, a perda de autoestima, sentimentos de culpa e a falta de prazer e interesse como sintomas. Contudo, ideias erradas como a depressão ser apenas um estado de espírito, necessariamente uma doença que fica para toda a vida ou cujo principal factor de risco são as perdas e os traumas estão ainda patentes nas respostas de uma percentagem significativa dos inquiridos.
A depressão é uma doença do cérebro e as suas causas são cada vez mais bem conhecidas. Factores ambientais como o stress psicossocial, sobretudo se prolongado, são naturalmente relevantes, mas estes interagem com factores biológicos (genéticos e outros), sendo esta interacção a responsável pela desregulação neuroquímica na base da depressão. É assim fácil perceber que, embora seja possível intervir quanto aos factores de risco modificáveis, sendo uma doença com múltiplas causas não é possível prevenir a depressão, ou por outras palavras, evitar voluntariamente ficar doente.
Além dos sintomas emocionais referidos anteriormente, podem estar presentes sintomas físicos, como cansaço, falta de energia, alterações do apetite e sono, dores de cabeça e disfunção sexual, e cognitivos, como alterações da atenção e memória, dificuldade em planear e tomar decisões e raciocínio lento, que variam de pessoa para pessoa em tipo, número, duração e gravidade. Estes sintomas têm de ser persistentes durante pelo menos 15 dias, representar uma descontinuidade relativamente ao estado anterior da pessoa e causar sofrimento e disfunção para se poder estabelecer o diagnóstico.
Normalmente este requer avaliação médica, visto ser necessário excluir outras doenças “não psiquiátricas” com manifestações idênticas. Uma vez diagnosticada a depressão é essencial iniciar tratamento, que consiste primariamente no uso de fármacos (em particular antidepressivos) e/ou psicoterapia, procedimentos muito eficazes e seguros, com poucos efeitos adversos e que não provocam dependência. O objectivo do tratamento é a cura, porque na maioria das vezes a depressão é uma doença que não se mantém toda a vida. Quando o diagnóstico é atempado e se faz o tratamento adequado espera-se que haja uma remissão completa dos sintomas e uma recuperação total do funcionamento habitual.
Após essa remissão é essencial um período de manutenção do tratamento para garantir que o cérebro mantém o normal funcionamento. A ausência ou atraso do tratamento piora o prognóstico da doença, pode comprometer o sucesso do próprio tratamento, impacta negativamente a vida da pessoa, aumenta o risco de desenvolver outras doenças como diabetes, doenças cardiovasculares e autoimunes, agrava o prognóstico dessas doenças, aumenta o risco de abuso de álcool e outras substâncias e é o principal factor de risco para suicídio. Além disso, a depressão não tratada causa morte neuronal e atrofia de determinadas regiões do cérebro.
De acordo com os dados da Organização Mundial de Saúde, a depressão afecta cerca de 300 milhões de pessoas em todo o mundo, sendo a principal causa de anos de vida doente e de incapacidade para o trabalho. Portugal era já em 2013 (data do último grande estudo epidemiológico) o segundo país da Europa com maior prevalência de doença mental, estimando-se que ao longo da vida a probabilidade de ter depressão era de 1 em cada 5 pessoas. Estes números têm aumentado nos últimos anos, em particular na sequência da pandemia, estimando-se em 2021 um aumento de cerca de 30%.
Apesar de muito prevalente e incapacitante, segundo dados de 2013 apenas cerca de 20% das pessoas com depressão e perturbações de ansiedade obtinha tratamento, sendo certo que o impacto da pandemia nos serviços de saúde que já anteriormente evidenciavam lacunas graves piorou o acesso ao tratamento. Por outro lado, e apesar do maior conhecimento da população em relação à saúde mental, o estigma continua a ser um dos maiores obstáculos ao diagnóstico e tratamento da depressão. Subsistem ideias erradas que associam a doença a «ser fraco» ou «pouco resiliente» e o tratamento a «uma anestesia que não resolve os problemas e que vicia». Estes mitos, ainda muito enraizados na cultura popular, culpabilizam a pessoa doente e consequentemente aumentam o seu sofrimento, ao mesmo tempo que condicionam a procura de ajuda médica e psicológica e a adesão ao tratamento.
A sensibilização e informação da população constituem uma medida de saúde pública. Os media devem desempenhar um papel importante no desenvolvimento de estratégias formativas e de divulgação do conhecimento. Nesse sentido projectos como a campanha “Depressão sem Rodeios”, lançada em 2021 e que este ano regressou em formato videocast com o talk-show “Questionar é Elemental”, são de extrema importância no combate ao estigma e aumento da literacia em saúde mental.
Lembre-se, a depressão não é para os fracos. Afecta qualquer pessoa e requer apoio médico e tratamento adequado, como qualquer outra doença.
Os textos nesta secção refletem a opinião pessoal dos autores. Não representam a ACTIVA nem espelham o seu posicionamento editorial.