Era uma senhora muito serena, muito sábia, com uma classe à prova de bala. Nos seus tempos de rapariga fora a incontestável ” bela do baile”. Fazia os bons partidos das redondezas andar num virote, mas apaixonou-se irremediavelmente pelo meu avô – paixão correspondida que nem a morte separou – que era um bon vivant de primeira. Jovem e bem parecido, o avô punha tanto as meninas casadoiras como as “raparigas doidivanas” de cabeça à roda. Era muito popular, convidado para toda a parte. Como o futuro sogro, altivo como uma águia e vigilante como um falcão, só deixava as filhas assistir a festas muito escolhidas, de quando em vez, em muitos bailes ele não podia contar com a companhia da namorada. Com a desculpa de que ” não se dança sem par” lá ia recebendo as atenções desta e daquela admiradora, facto que deixava a minha avó à beira de um chilique. Antes que fosse tarde demais e que ele ” fugisse com uma maluca qualquer” ela não foi de modas: pôs-lhe um par de patins que quase o matou de desgosto. Andaram dois anos nisto, sem se falar, fazendo fosquetas e partidas um ao outro – e ela sem se ralar nem perder a compostura – mas o amor acabou por levar a melhor. Graças a essa e a outras experiências que passou ao longo da vida, ela sempre me disse ” o que tiver de ser nosso, à mão nos vem ter”. Seja o amor, o sucesso, o trabalho…não vale a pena uma pessoa consumir-se, desesperar, correr atrás, andar em ânsias ou fazer força. Quanto mais intensidade colocamos em desejos que não está na nossa mão realizar, pior: estraga a pele, atormenta a alma e não resolve nada. E como se consegue essa calma, essa tranquilidade transcendental, perguntava eu? É pôr o coração ao largo! Seja o que Deus quiser! Deus lá sabe o que é melhor! Não era fácil explicar porque é uma coisa que só se consegue praticando, fake it ´till you make it. Passa por pegar na coisa que mais queremos, ou que mais nos preocupa, e separar-nos mentalmente dela: tratá-la como se não seja nada connosco; não querer saber e ter raiva de quem sabe, o que for será, o que não tem remédio remediado está, há mais coisas na vida, mais marés que marinheiros e muito peixe no mar. É uma táctica de desapego com algo de oriental, que exige esforço, mas uma vez dominada nunca nos deixa na mão. Depois de anos de prática, em diferentes sectores da existência, atesto a eficácia dessa filosofia de vida quase zen, que me poupou muitas angústias e desgostos e me permitiu reagir com uma calma diabólica a situações de deixar qualquer um em parafuso. Se calhar devia haver workshops destas coisas, para quem não teve uma super avozinha.
Autoria: Imperatriz Sissi