Posso dizer sem injúria que foi um dos poucos livros “leves” (se bem que seja demasiado dark para ser consideradolight) que apreciei. A história vale o que vale; não é uma obra prima mas tem alguns pontos de interesse, nomeadamente as técnicas de profiling da protagonista para caracterizar as pessoas que encontra. O momento alto do livro acaba por ser o instante em que Bodicea, a anti-heroína, cansada daquilo a que chama O Jogo (leia-se, as técnicas milenares de sedução e interacção entre os sexos) tem uma epifania, ajudada por uma grande bebedeira, e descarrega os nervos com um discurso libertador. Ora, tenho pena de não dispor de nenhum exemplar – ando há anos para encomendar a versão original e foi-me sempre passando – mas há muita verdade no monólogo de Bodicea. Não me recordo palavra por palavra e se calhar não seria bonito da minha parte transcrevê-lo, mas passa essencialmente por “todos os homens querem posse, querem as mulheres que amam ou desejam para eles, mas depois culpam-nos a nós por isso“. Esqueçamos a sua profissão, esqueçamos a realidade sórdida em que vive, deixemos por um momento a linha que separa as mulheres “honestas” das menos “virtuosas” porque chegada a hora, quando entram em jogo os sentimentos de propriedade, de direito, de posse, de ciúme, em suma, se uma mulher, com mais justiça ou menos justiça, de forma mais ou menos concreta, ainda que seja de forma imaginária, lhes fere os brios – todas valem o mesmo. A mulher que foi sua, ou que não foi mas era suposto ser na sua cabeça, a mulher sobre a qual se sentem com direitos, a que lhes devolveu os desgostos ou as provocações, a que os tenta, a que ousou olhar para o lado depois de tudo estar perdido e encerrado, a que se rebela, a que se atreve a ser dona de si mesma, é sempre uma Lillith, é sempre uma Maria Madalena, é sempre o piorio ou o Diabo de saias, se preferirem. Porque consentiu, porque não consentiu, porque ama, porque não ama, porque mentiu, porque disse a verdade, porque escondeu segredos, porque se antecipou a contá-los, porque foi frontal, porque foi dúbia, porque chamou as coisas pelos nomes, porque fez jogos ou porque não os fez. Nisso atrevo-me a dizer que poucos cresceram: pelo bem que nos querem, até os olhos nos tiram. Podia agora separar os tipos de homem que uma mulher pode amar e que na hora H, se comportam assim, mas é acessório. Acontece com aquele que se vê fundamentalmente como amante e companheiro – o homem forte que impõe o seu poder de tal forma que a única coisa que uma mulher deseja é estar à sua sombra. Ou aquele que é simultaneamente um amante, um irmão de armas, um amigo, que é capaz de ler almas, com uma ligação tão profunda que nenhum sismo pode romper. Ou com aquele que, além das facetas companheiro/amante/alma irmã parece puxar pelas melhores qualidades da mulher que tem ao seu lado. Tanto faz, não interessa por onde a ligação começa – pelo corpo, pela alma ou por um milagre caído do céu – no momento errado a mulher certa é sempre a pecadora (com todas as palavras associadas) por mais santa que seja, por mais razões que tenha, por muito que tenha aturado. Acontece, em suma, com o todo poderoso Alfa que se tenha a pouca sorte de enfurecer. E isso não muda, por mais que se faça. Por mais feminista ou menos feminista (aqui me acuso) que se seja. Por mais que se tente compreender o inimigo. Oh they love us, allright. Too much. E lá diz a cantiga, too much of something is bad enough.
Autoria: Imperatriz Sissi