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Sentam-se à frente do livro e nada. Daí a cinco minutos, não se lembram de patavina.
Os pais inquietam-se, os professores desesperam. Mas são as crianças as mais perdidas nisto tudo.
Quase todos os pais se queixam do mesmo: “ai o meu filho é tão cabeça no ar. Ele até podia ter boas notas, mas não consigo que se concentre.” Uma das causas da falta de concentração é óbvia: eles têm, basicamente, muito mais distrações do que nós tínhamos. “Recebem tanta informação visual desde que nascem que o seu cérebro não está preparado para a gestão de tantos estímulos”, explica a psicóloga Ana Manta, no livro ‘Filho, presta atenção’ (Clube do Autor). “De certa forma, podemos dizer que as estamos a ‘deixar loucas’. O mais natural é que a sua capacidade de concentração se disperse para dar atenção a tanta coisa, não conseguindo focar-se no mais básico.” Paralelamente, há a valorização de um conjunto de competências que não são as mais importantes para o desenvolvimento das crianças. “É mais importante uma criança saber respeitar as regras de um jogo do que saber escrever o nome dos familiares aos 4 anos.” Mas a maioria de nós valoriza sobretudo as competências ‘escolares’.
Ou seja, muitas vezes não é que a criança não esteja concentrada: ela está é concentrada noutras coisas. Aliás, eles não sofrem de nenhuma falta de concentração quando ficam horas a jogar no telemóvel.

Portanto, não existe falta de concentração: existe falta de motivação. “O número de solicitações tem um lado positivo, que é a diversidade de experiências”, nota Vítor Cruz, técnico de reabilitação e desenvolvimento especial do SEI (Centro de Desenvolvimento e Aprendizagem). “Mas se não for bem gerido arrisca-se a tomar conta de toda a vida da criança, que se perde em atividades muitas vezes sem interesse. Claro que este controlo é difícil de concretizar, mas é um dos desafios de hoje não só para os pais mas para a sociedade em geral, porque todos nós estamos a contribuir para que as crianças sejam mais superficiais e mais consumistas, para que se percam em coisas sem interesse. Está na nossa mão ajudar a travar isto.” E como? “Não é preciso nem desejável controlar tudo e estar sempre em cima, mas sim encontrar um equilíbrio através de horários e responsabilização da criança.”

DESCONCENTRADO OU HIPERATIVO?
Como distinguir se uma falta de concentração é ‘normal’ ou se há outros problemas por diagnosticar? Pode existir uma causa neurológica ligada ao défice de atenção. Mas saber se uma criança é hiperativa só se consegue com a ajuda de um técnico. “As crianças estão hoje mais agitadas, mas nem todas precisam de Ritalina [medicamento usado para o Déficit de atenção e hiperatividade]”, afirma a pedopsiquiatra Ana Vasconcelos.
“Esta agitação dos miúdos tem de ser contextualizada globalmente. Há hoje em dia uma insatisfação geral em que as pessoas julgam mais do que compreendem. Pensamos muito mais depressa e acabamos por desenvolver recursos motores para lidar com isto: há tantos estímulos visuais que o corpo tem de se mexer. É o caso daquelas pessoas que estão sentadas numa reunião mas não param de mexer o pé ou bater com a caneta na mesa. E as crianças também se tornam mais agitadas.” Há uma lógica social por trás disto: a sociedade de consumo e de concorrência, em vez de nos orientar o cérebro para a paz, faz com que estejamos sempre na defensiva, ou seja, o cérebro é muito menos capaz de estar sossegado a aprender qualquer coisa.
E isto passa para os miúdos? “Claro que passa. Os miúdos têm de ter positivas à força, os professores têm cada vez mais alunos e portanto têm menos paciência, os pais pressionam, e tudo se conjuga para que se procurem as soluções mais fáceis, como a Ritalina. Que também não é nenhum papão, há casos em que de facto ajuda.” A partir de quando é que a receita? “Eu costumo pedir uma análise aos neurotransmissores. Mas o mais importante, quando se toma uma droga, é que as pessoas sejam donas dos seus efeitos, ou seja, a toma de uma droga tem de ser feita conscientemente. Todos percebemos se um medicamento nos está a ajudar ou não. Mas a hiperatividade não é uma doença, é um sintoma de que algo não está ajustado como deveria. É como a crise (risos). É fundamental que se saiba o que andamos a fazer e porquê.”

APRENDER A ENSINAR MELHOR
Ora então, se o meu filho não é hiperativo, vamos saber que outras coisas podem estar a correr mal. Às vezes eles estão simplesmente… cansados. Especialistas como o psicólogo Eduardo Sá e o professor Carlos Neto têm vindo a chamar a atenção para o número de horas que as crianças passam na escola, defendendo que o tempo em que deviam estar a brincar é, em vez disso, passado nas aulas ou a fazer trabalhos. Aliás, muitas crianças trabalham mais do que os adultos. A maioria de nós adultos, quando desligamos do emprego, desligamos. Uma criança, depois de horas sentada e quieta (o que vai muitas vezes contra aquilo que deviam estar a fazer) ainda tem de vir sentar-se a uma mesa a espremer os neurónios e a fazer trabalhos muitas vezes largamente inúteis. Discutimos a semana de 4 dias de trabalho enquanto os nossos filhos trabalham por vezes 10 horas seguidas 5 dias por semana…
Não é de estranhar que estejam, com tudo isto, desmotivados. Por volta dos 10 anos, a curiosidade da infância já foi destruída. “Na maior parte das vezes, estamos a ensinar à criança coisas que ela não quer aprender e que não percebe porque é que tem de aprender. É estar a remar contra a maré”, nota Vítor Cruz. “O esforço intelectual é muito desgastante, e além disso raramente este esforço é feito de maneira divertida e integrada no quotidiano. Se houvesse possibilidade de a criança aprender indo ao supermercado com os pais, lendo qualquer coisa para a mãe ou mesmo vendo televisão, em vez de sentada e quieta, a aprendizagem seria mais efetiva, porque o nosso cérebro aprende mais pela experiência do que passivamente. Essa aprendizagem não é uma perda de tempo. E não é por estar sentado duas horas com o manual de matemática que ele vai aprender efetivamente.”

Os TPCs feitos no final do dia, quando a criança já está estoirada, não ajudam.”Mas tudo pode ser discutido, podemos encontrar um consenso. Perpetuam-se muitos comportamentos só porque sempre foi assim, sem se pensar se estão ou não a ser efetivos. Mas há muitos professores abertos à mudança. Portanto, com boa vontade, até se pode chegar a um acordo.”

Será que a origem da falta de concentração deles também passa pelo nosso próprio stresse? “Às vezes, a nossa pressão sobre eles é que prejudica a concentração”, explica o técnico Vítor Cruz. “Eles estão tão conscientes das expectativas dos pais que desistem por vezes antes mesmo de tentar, porque têm medo à partida de não conseguir. Porque se alguém não faz qualquer coisa bem feita, não é porque não quer, não faz porque não sabe ou não consegue. Portanto, temos de descobrir a razão por trás disto.” Além disso, às vezes etsamos mesmo a pedir-lhes coisas que não devíamos. As crianças mais pequenas, entre os dois e os seis anos, não conseguem concentrar-se mais do que 20 minutos. Quando entram na escola e têm de estar sentadas das 9 da manhã às cinco da tarde, para elas é um esforço enorme.

O que os pais podem fazer: em vez de os massacrar com mais aprendizagens sentadas, defender o seu direito à brincadeira e sempre que possível tirá-los de casa e tentar que haja mais atividades ao ar livre, por exemplo. “Aprende-se imenso a jogar à bola, que é a vida experienciada e não memorizada, mas nós não consideramos isso uma competência”, explica Vítor Cruz. “Aprende-se sempre mais pelo fazer do que pelo ouvir, temos de nos lembrar sempre disso e sempre que possível, incorporá-lo na vida da criança. Agora, quando a criança apenas faz mais do mesmo, que é ficar sentada à mesa, por um lado estamos a negligenciar a experiência corporal e a nossa ligação com o mundo, e por outro esquecemos o ditado ‘mente sã em corpo são’. Como podemos aprender se somos frágeis, temos pouco oxigénio e músculos pouco desenvolvidos?”

MENOS TELEMÓVEIS E MAIS RECOMPENSAS
Lembra-se dos tais ‘muitos estímulos’ e da forma como se podiam controlar? Até podemos achar que isso dá muito trabalho: mas o importante é ir com calma.
“Fez-se um estudo em que algumas crianças foram privadas de ir à Internet durante um dia”, conta Vítor Cruz. “Tiveram comportamentos de medo, de insegurança e de privação. Depois, uns foram fazer os trabalhos, outros foram ler, outros procuraram outras atividades. Portanto, o facto de ter menos net, menos telemóveis, etc., obriga a procurar alternativas.” O segredo para isto funcionar: não ser radical. Se lhe tirar o telemóvel durante a semana toda, isto não vai funcionar. Mas se o fizer durante duas horas, talvez eles encontrem mais com que se entreter. Problema: a maioria dos pais não estão para controlar nada.
Outra via, algo polémica, é a da recompensa: “Podemos dizer ‘se tu fizeres isto, tens aquilo’. Isto é estar a comprá-los? Não é: ficamos todos a ganhar. O prémio pode ser imediato, mas se ele aprender, é uma mais-valia para o futuro.
Eles devem aprender apenas por aprender? Isso é muito bonito mas não é realista. Pense lá: quantos de nós trabalham sem serem pagos? Se nós não trabalhamos de graça, a criança também pode ser recompensada, e quanto mais novas são, maior a necessidade deste reforço imediato, para vincular a recompensa à ação.” Se já a está a dizer ‘ai comigo ninguém fez isso’, tem muita razão. Mas também o mundo deles é muitíssimo diferente do que foi o nosso. “Se eu não conseguir colocar-me no lugar do meu filho, não vou perceber as dificuldades dele. Isto é um desafio tremendo. Assim como ensinar-lhes a eles a pôr-se no lugar dos outros. Valorizamos muito a inteligência escolar e muito pouco a emocional. Não só não nos preocupamos em que o nosso filho se torne uma ‘boa pessoa’ como até nos orgulhamos quando ele bate nos outros.”

Para resumir, eu tenho uma criança cabeça-no-ar. Qual é o plano de ataque imediato? “Perceber como é a vida dela, como ela se dá com os professores e os colegas, de que é que gosta mais, como aprende melhor, se está com demasiado trabalho para a idade que tem, se precisa de ir dar uma volta antes de fazer os TPC ou prefere atacá-los logo. Perceber se há situações emocionais pontuais, uma mudança na escola, um problema em casa. E depois, ter calma e não a stressar.”
Outras ideias, segundo Ana Manta, são por exemplo pôr um relógio de ponteiros na mesa dos trabalhos de casa, negociando um período de tempo para os fazer (se terminar mais cedo, o resto do tempo é passado a praticar uma atividade de que a criança goste), conversar com ele (para o habituar a raciocinar, a prestar atenção, a pensar) e jogar jogos de tabuleiro, que continua uma das melhores formas de treinar a concentração.

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