Investigadora e autora do livro ‘Swipe, match, date: aprenda a navegar nas plataformas de encontros online’, explica-nos os segredos das apps de encontros e todos os erros que estamos a cometer na busca da alma gémea.
A verdade é que as plataformas de encontros podem ser uma ferramenta muito útil para encontrarmos outras pessoas, certo?
Claro que sim! E de uma forma geral, entendemos o funcionamento das plataformas de encontros. Mas a maior parte dos utilizadores não o fazem de forma consciente. Para já, esta lógica de utilizar as nossas ‘redes’ para conhecer outras pessoas não tem nada de novo. Podem ser redes de outras pessoas, redes familiares ou de amigos, ou redes online. Dantes as pessoas também usavam ‘redes’, não eram era tecnológicas.
Porque é que ainda há tantos preconceitos?
Porque se ligam estas apps geralmente a quem quer uma noite de sexo. E ainda que também o seja, este não é o único motivo para se usarem estas aplicações. Então eu posso usar uma app de encontros para conhecer alguém e ser feliz para o resto da vida? Sim. Eu posso usar uma rede de encontros para encontrar alguém com quem possa ter um relacionamento casual? Sim. A pessoa escolhe o que quer. Uma das vantagens deste tipo de aplicações é que, se nós estamos lá registados, é porque existe a priori uma vontade de nos envolvermos com alguém. Agora, o tipo de envolvimento, duração ou profundidade é que é muitíssimo variável. Os jovens já têm mais à-vontade em dizerem que recorrem a estas aplicações, talvez porque as pesssoas mais velhas as associam a uma espécie de último recurso, e não o é de todo. Mas de facto se eu disser que conheci o meu parceiro ou parceira no Instagram ou no Facebook, isso não é tão mal visto como dizer que o conheci no Tinder. Isso tem a ver com o julgamento que fazemos face ao sexo.
Quais são ao certo as vantagens de uma app de encontros?
Primeiro, há muito mais escolha. Através de uma app de dating eu consigo encontrar alguém que nunca encontraria na minha vida social. Portanto, as apps multiplicam os nossos contactos. Depois, posso não querer estar dependente do meu mundo de amigos, não quero envolver-me com alguém do trabalho, há muitíssimas razões para se recorrer a uma app. Por isso as pessoas têm de usar estas apps de forma consciente: têm de partir do pressuposto de que têm na verdade vontade de conhecer outras pessoas e estão disponíveis para este encontro. Porque nós na vida ‘real’ apaixonamo-nos muitas vezes por pessoas que não estão disponíveis para nenhum tipo de relação.
Mas dito isto, há quem procure só ‘one night stands’…
Claro. Mas é comum encontrar na bio ‘no one night stands’. Podemos logo indicar que estamos na verdade à procura de uma relação. Aí, quem não está à procura do mesmo já vai estar alerta.
A Rita dá muitas ideias úteis para compor um perfil, até porque muita gente não se apercebe da sua importância…
É importante não mentir, ser natural, não usar filtros… Muita gente não se apercebe de como isto é importante precisamente pela instrumentalização destas apps. Muita gente chega lá, põe lá duas ou três coisas sem pensar muito nisso e que até podem não ser verdade, e pensa que isto não tem importância nenhuma. Mas tem. Posso ter sorte mas também me posso saturar de lá estar Mas se quiser tirar o melhor partido desta experiência, tem de fazer antes disto um trabalho de casa: quem sou eu, como é que me quero apresentar, como quero que os outros me conheçam, que tipo de pessoa quero conhecer. É importante fazer isto antes de se procurar qualquer tipo de relação, seja online ou offline, mas a grande maioria das pessoas não se apercebe da sua importância.
Então o que é que deve constar no meu perfil?
Em primeiro lugar, fotografias nossas, não de outra pessoa (mas se quiser juntar cão e gato, se forem importantes para si, força). Ir para um Tinder e esconder a sua cara, não me faz muito sentido. Ou a pessoa está livre ou não está. Escolha uma fotografia natural e atual, que a mostre como de facto é, como se veste no dia a dia e que não tenha 20 anos. Não ponha uma fotografia de um casamento onde foi há 35 anos. Depois, pense um pouco nos seus interesses e que tipo de pessoa é. Sei que isto é um pouco difícil de fazer sozinha, mas pode por exemplo pedir a um amigo que a descreva. Como é que os outros nos veem? Transforme essa reflexão num texto curto (lembre-se que num ecran ninguém tem paciência para ler muito e que depois do nosso perfil vem outro). Claro que não vai para lá pôr todos os seus defeitos, mas a mentira nunca é um bom princípio para nenhum tipo de relação. Depois, já nos encontros, há temas que até podem ser abordados de forma bem agradável. Não se fique pela superficialidade, vá preparada para dizer aquilo em que acredita, aquilo que defende. Porque depois vai começar a queixar-se que não encontra ninguém de jeito. O que até pode acontecer. Mas se fizer a sua preparação, pode diminuir muito um tipo de encontros que não vai de encontro ao que esperou.
Mas não há sempre fantasias?
Claro que há. E às vezes até nos pode aparecer o homem (ou mulher) da nossa vida logo no primeiro encontro, mas regra geral a pessoa da nossa vida nunca é como nós a idealizámos. O que nos confunde um pouco nas apss é que nós nunca nos questionamos sobre o que é que realmente procuramos.
Diz a certa altura no livro: comporte-se on line como se estivesse offline…
Já reparou que nós às vezes temos tendência para nos comportarmos online de forma diferente? Já todos nós respondemos mais desabridamente a um e-mail, todos nós deixámos emailes sem resposta, já criámos uma personagem que não correspondia a quem nós eramos. Mas quem está do outro lado de um ecran merce a nossa atenção e o nosso respeito. Em vez de ‘ghosting’ (desaparecer sem dar cavaco) podemos simplesmente dizer ‘olha, não estou num bom momento, vou sair das apps para dar um tempo’, mas não deixar uma pessoa pendurada para que o outro não fique a pensar ‘o que é que eu fiz de errado para esta pessoa desaparecer?’
Como lidar com a frustração de perceber que as coisas não vão correr bem à primeira?
Estar nas apps é duro. Temos que ter a noção disso, para não nos deixarmos abater ao primeiro encontro que corre mal ou é dececionante. Está lá muita gente, nem sempre compreendemos bem como as apps funcionam, e não percebemos que todo o nosso comportamento na app tem efeitos e consequências, inclusive nos perfis que vemos, porque o algoritmo comanda tudo. Imagine que a Catarina começa a recusar homens loiros de 1,80 e olhos azuis. O que é que o algoritmo conclui? Que não está interessada nesse tipo de perfil. Por isso vai começar a mostrar-lhe cada vez menos pessoas assim. Mas imagine que até há um loiro de olho azul que tem os mesmos interesses mas que não vai aparecer…
O algoritmo é um super atendedor de loja? ‘Não gosta disto em verde? Mas nós temos em cor de rosa!’
(risos) Tal qual. E também devemos ter em conta que não são só as nossas ações que contam. As nossas omissões também. O que não fazemos também conta. Se estiver imenso tempo sem usar uma app, o nosso perfil cada vez tem menos visualizações, porque também não interessa à app estar a mostra utilizadores não-frequentes…
Outro mandamento é que a compatibilidade nem sempre significa felicidade…
Sim, podemos ter os mesmos interesses que outra pessoa mas depois não ter nada em comum com ela… Interesses em comum tanto podem atrair como afastar, porque também me interessa alguém que me acrescente alguma coisa, com quem eu possa aprender.
Mas as apps não podem tornar-se viciantes? Vou acumulando encontros sempre a achar que posso encontrar alguém melhor..
Não só podem como estão mesmo desenhadas nesse sentido, usando a estratégia dos games e das slot machines para criar ‘dependência’ na vontade de voltar. E depois há o paradoxo da escoha: eu estou com uma pessoa mas sei que existem mais na app. Parece que nunca ficamos contentes com uma escolha. Mas aí, mais uma vez, eu tenho de saber muito bem aquilo que procuro e ser consciente nas minhas escolhas. E temos de ser intuitivos e estar abertos para perceber se aquela pessoa é a tal. Porque sim, na verdade as apps querem manter-nos lá, as apps querem-nos permanentemente insatisfeitos. Nós consumidores somos a riqueza de uma app. E se não tivermos esta capacidade para perceber aquilo que somos e aquilo que procuramos, podemos andar lá eternamente à procura, na adrenalina da satisfação e da busca. Mas isso só vai causar frustração. Se calhar quando percebemos que isso está a acontecer, é altura de pôr a conta em pausa.
E também por isto é importante evoluir logo para um encontro presencial, não é?
O quanto antes. Defendo muito isto porque nós temos uma capacidade imensa para idealizar, para criar mistério, para imaginar outra pessoa. E as pessoas são tão diferentes ao vivo! Nós somos quem somos em carne e osso, em presença, em gestos e tom de voz, não num ecran ou numas mensagens. Por isso é que tanta gente quando vê a outra pensa ‘vou mas é voltar para o chat’.
Como é que se interessou por estes temas?
Gosto muito de estudar as relações humanas, a forma como funcionamos no amor e em casais, e tinha muita curiosidade em saber porque é que as pessoas de facto recorriam a estas plataformas. O que é que nos trazem e o que é que aconteceu na vida das pessoas para que as utilizassem. Eu pessoalmente nunca utilizei estas plataformas a não ser como investigadora. Havia pouquíssima coisa no conceito português sobre esta temática, o que também era interessante: há tantos milhares de portugueses nestas redes e ainda sabemos tão pouco sobre elas.
O que está a mudar nas relações?
Dados não meus dizem que as pessoas estão mais atentas a temas como a saúde mental, as emoções, e a importância de olharmos mais por nós. Estamos mais imaginativos: em vez de tomarmos um cafezinho a dois vamos passear no jardim ou fazer qualquer coisa em conjunto. Os portugueses têm sempre aquela coisa muito pouco imaginativa do: ‘vamos ali tomar um café’ mas há muito mais coisas para fazer. E por amor de Deus, começar uma relação com um ‘Olá, tudo bem?’ também já não se usa. É um flagelo (risos). Por favor sejam mais criativos. O amor dá trabalho. E a aplicação não faz tudo por nós. A única coisa que a aplicação faz é colocar determinadas pessoas no nosso caminho. O que nós depois fazemos com isso, continua a depender de nós. Felizmente.