Foto Pexels/Polina Tankilevitch

Toda a gente sabe: o grupo faz parte integrante de ser adolescente. Aliás, o grupo faz parte integrante do ser humano: somos uma espécie tribal. “Na adolescência as pessoas estão-se a separar da família, a construir as suas redes sociais fora de casa, e a integração em grupos ajuda a construir este processo de autodescoberta”, explica Cristina Martins.
Psicóloga clínica, já acompanhou muitos adolescentes complicados e estuda áreas como a tomada de decisões e a propensão ao risco. “Em termos de espécie, o processo original baseava-se na cooperação, daí a nossa sofisticada organização social. Havia clivagens entre os grupos tribais, e muitos fenómenos da adolescência atual recriam estas guerras entre tribos. Quando as pessoas se sentem frágeis, o grupo é um apoio.” Mas mais do que um apoio, às vezes o grupo passa a ser uma forma de se colocar em risco. Como no caso do Meco ou de certos rituais de praxe, o grupo torna-se também o espaço onde o risco é imposto e a sobrevivência é ameaçada. “Isso tem muito a ver com rituais de passagem”, explica Cristina Martins. “Em certas sociedades, a passagem para a adolescência está muito ritualizada.
Até há pouco tempo tínhamos a tropa ou os bailes de debutantes, por exemplo. Agora a nossa sociedade deixou de ser tão rígida e esses rituais perderam-se. Mas mantém-se a necessidade desta ritualização, daí que os jovens adiram a estes processos ou que os criem.”
‘Sozinha não me metia em aventuras’
“A dificuldade em resistir à pressão do grupo depende se já estás ou não integrada”, explica Rosa T., 22 anos, finalista universitária. “Quando te queres integrar, a tendência é fazer o mesmo que os outros. Tenho plena consciência de que as minhas atitudes variam em grupos diferentes, o que prova que existe uma certa pressão, nem que seja para gostar de determinados assuntos.”

Afirma que nunca fez nada contra a sua vontade, mas… depende. “Todos os meus amigos fumavam, por exemplo, e nunca tive problemas em dizer que não o ia fazer.
Mas já fui levada pela vontade do grupo. Nos jantares, toda a gente começa com os brindes, acabas por beber mais do que queres e tudo ultrapassa a tua vontade.” O comportamento de risco mais frequente é mesmo beber demais. “Já tive que levar amigos ao hospital no meio do cortejo da queima das fitas. Numa outra noite, também estava toda a gente muito alegre e acabámos por conhecer um rapaz que se ofereceu para nos levar a casa. Detalhe: para além de não conhecermos o rapaz de lado nenhum, ainda fomos os quatro num ‘comercial’. De certeza que se estivesse sozinha não me ia meter nestas aventuras, mas quando estás com outras pessoas sentes-te mais apoiada e tens menos noção do perigo.”

Reforça que todos os comportamentos de risco que teve enquanto estudou não tiveram qualquer relação com a praxe. “Quando era caloira a única coisa que tinha que fazer era usar orelhas de burro e cantar umas músicas parvas, não mais. Sei que noutros sítios a situação era bem diferente. Uma amiga minha noutra universidade foi praxada de todas as formas que se possa imaginar, todos os dias durante o semestre, sem exceção.”


Prevenir não funciona?
É possível educar um filho para resistir ao grupo? “Não.
Não é.” Quem o afirma taxativamente é Maria Clara M., 57 anos, mãe de três filhas já pós-adolescentes. E se o chefe do meu grupo me manda atirar ao mar? “Normalmente atiras-te. E esta é a única noção que se pode passar aos miúdos: cumpre a regra do grupo até ao ponto em que colida com a tua honra e a tua sobrevivência. Portanto, tem que lhes dar a noção de risco e de responsabilidade.
Claro que isto não implica que se forem todos para os copos ele não se embebede como os outros.” Mas isso também não é um risco? “Depende. Uma coisa é ir para os copos, outra é vir com um bêbedo ao volante.” Clara é polémica por defender que a prevenção não funciona.
“Esta gente que tem agora 18, 20, 23 anos, todos os dias ouve falar da lotação dos carros, do álcool, dos cuidados a ter, mas os acidentes continuam a acontecer.
Ou seja: tudo lhes entra por um ouvido e sai pelo outro.” Os pais não têm responsabilidades? “Claro que têm. Cada vez mais. Aliás, muitas destas coisas acontecem porque a partir dos 15 anos os miúdos andam insuportáveis e os pais não estão para se chatear. E não se transmite princípios e valores sem acompanhares os miúdos.” Princípios e valores que, como a própria Clara admite, também não previnem tudo. Mas ajudam. “A minha filha mais velha teve imensos problemas de droga e a pediatra da mais nova, ao ver-me desesperada, disse: ‘Não te preocupes muito. Dá-lhe mais dois ou três anos. Porque os princípios, ela tem-nos, e hão de vir ao de cima’. E foi verdade. Mas nessa fase, 14-15 anos, a prevenção não vale a pena Olha, o tabaco faz mal, a droga faz mal, o álcool faz mal, isso acabou. O problema é que ninguém os avisa que fumar uma ganza pode ser fantástico!” Além disso, isto é também uma questão de consumismo, porque o comércio se alimenta dos vícios dos mais novos.
“Quanto mais beberem e desde muito novos, mais bebidas se vendem. Não interessa nada que os miúdos parem de beber.” Para Clara M., a prevenção não funciona, o poder do grupo é sempre maior. “Todas as minhas filhas começaram a fumar por causa do grupo. Eu disse-lhes ‘no meu tempo fumar era chique. Mas agora vocês têm acesso a uma informação que no meu tempo não existia e farão o que entenderem com isso.’ Elas começaram a fumar por pressão do grupo, e não houve nada que eu pudesse fazer.”

Do risco à responsabilidade
Segundo Clara M., ninguém deixa de fazer qualquer coisa porque é proibido.
“As minhas filhas sabem que eu fiz uma data de coisas proibidas. Agora, tenho é livre arbítrio: tomo as minhas decisões, mas sou responsável por elas. E o que os miúdos não são, atualmente, é responsabilizados. Porque a seguir há um paizinho que paga o que for preciso.”

E de repente metem-se numa situação de não-retorno… “Exatamente. Porque o livre arbítrio não é fazerem o que querem, é fazerem o que querem com responsabilidade. Esta miudagem faz as coisas com uma grande impunidade, não são responsabilizados por nada, e às tantas caem num buraco de que não conseguem voltar.” Mas não têm noção de risco? “No fundo, nenhum de nós tem. Quantos de nós adultos, às vezes, não atravessamos a rua a correr? Entre a vontade do grupo e a possibilidade de risco, escolhemos sempre o grupo, porque o risco todos pisamos diariamente. A mim não me preocupa o risco, preocupa-me os jogos de poder. E muitos destes jovens vêm de casas onde o exercício do poder é uma constante: serem aceites é submeterem-se à autoridade do pai.”

O amor dá trabalho
A mesma visão tem a psicóloga Cristina Martins. “Há dois estilos educativos que, sendo antagónicos, produzem efeitos idênticos: a superproteção e a desautorização. Há o caso dos filhos que são em casa bastante reprimidos, em vez de serem incentivados a construir a sua liberdade. Quando vêm da província para Lisboa e para a universidade, é uma transição de enorme risco, porque vêm desprotegidos e sem competências para se desenrascarem. Passam de um meio muito rígido para uma total liberdade que os assusta, e ficam com muito mais necessidade de rituais de grupo, porque reconhecem um papel de autoridade e não têm lucidez para perceber aquilo a que é seguro aderir. Assim como obedeceram ao pai, passam a obedecer ao líder. E depois há o caso contrário dos miúdos que sempre tiveram tudo, sempre se sentiram com direito a tudo, e nunca ouviram um não. E portanto há uma necessidade enorme de procurar limites no exterior. Curiosamente, a falta de limites em que foram educados como que lhes passou a mensagem ‘a tua vida não é assim tão importante’.” Ou seja, é difícil educar os filhos neste equilíbrio: demasiada proteção e eles procuram o espelho da autoridade, nenhuma proteção e eles procuram o líder que não tiveram.
“Os pais dão tudo aos filhos e depois zangam-se porque eles são ingratos, e não percebem que nunca os ensinaram a construir limites internos”, explica a psicóloga Cristina Martins. “Isto é muito subtil e insidioso. A frustração obriga a desenvolver mecanismos de pensamento e elaboração. Receber um ‘não’ obriga a pessoa a sentir-se irritada e a refletir, ou seja, obriga o cérebro a trabalhar.” Se não se habituam a pensar e a refletir, permanecem imaturos e mais suscetíveis ao risco. “Há jovens que sistematicamente se colocam em situação de risco como não há uma elaboração do sentir, querem sensações cada vez mais fortes porque não têm nada para além disto, há uma parte deles que não cresceu e sente um vazio profundo.”

Além disto, em Portugal deu-se um fenómeno bom mas com custos sociais: “Há hoje filhos com muito mais habilitações do que os pais”, nota Cristina Martins, “e caiu-se no extremo dos pais não serem referências. Nada do que aprenderam parece útil à geração atual, e portanto há uma desautorização dos pais que torna os filhos ainda mais desamparados”. Como dizia Bruno Bettelheim, só o amor não basta. “O amor dá trabalho: implica dizer ‘não’ e ter reações desagradáveis dos miúdos. Por outro lado, não há sistemas imbatíveis. E há situações pontuais de azar, não podemos controlar tudo. Mas falamos aqui em probabilidade de acontecer, e quanto menos probabilidade houver, melhor.”


A CULTURA DA HUMILHAÇÃO
A humilhação tornou-se um fenómeno global. “A epidemia da troça e dos comentários pérfidos e anónimos online juntou-se aos ‘reality shows’ para criar uma ‘cultura da humilhação'”, defende Nicolaus Mills, professor de estudos americanos no Sarah Lawrence College, N.Y. Quando os concorrentes são humilhados nos concursos televisivos, quando as pessoas têm de cumprir provas absurdas nos ‘Big Brothers’ da vida, quando tudo isto faz parte da nossa vida, como querer que os mais novos sejam respeitadores e atentos?

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