Afinal, sabems mais do que aquilo que sabemos? O nosso subconsciente pode mandar-nos ‘mensagens’ sem que as saibamos descodificar? A intuição existe mesmo? E pode-se treiná-la? Levávamos muitas perguntas e todas tiveram respsta . Às vezes não aquela que esperávamos. Psicólogo e psicoterapeuta, Vítor Rodrigues é autor de livros como ‘Constrói a tua felicidade’ ou ‘Tranquila-mente’, sempre se interessou por temas como a meditação, relaxamento, visualização ou hipnose e aqui nos explica porque é que, afinal, tudo ode ser mais comlexo do que pensamos.
Intuição é o que sabemos inconscientemente? Sem saber que sabemos? Ou não?
Isso dava pano para muitíssimas mangas. Quando falamos em intuição, podemos estar a falar em várias coisas. A mais comum é o equivalente a um palpite. ‘Tive a intuição de que isto ia correr mal.’ E aí o palpite é de facto uma impressão meio inconsciente, uma coisa meio fisiológica. Mas há uma explicação mais elaborada, em que até se admite uma forma de perceção extra-sensorial em que a pessoa capta informação acerca de qualquer coisa, até mesmo coisas que estejam para acontecer ou estejam fora do nosso alcance sensorial. Até há exemplos históricos engraçados. Um Emanuel Swedenborg, contemporâneo do Kant, conta uma vez que descreveu um incêndio que estava em curso a 300 km de distância.
São coincidências…
Se disseres ‘uma casa vai cair em Portugal no Próximo mês’, provavelmente sim. Mas se disseres ‘vai cair uma casa amarela de dois andares nesta aldeia assim e assado ao minuto tal do dia tal’, já é demasiado preciso.
Então é possível o cérebro fazer previsões?
Acho que é possível haver previsões. Podem é não ser feitas pelo cérebro. Há esotéricos que dizem que a nossa mente não é o cérebro. A mente estará para o cérebro como a estação emissora está para o aparelho de televisão, por exemplo. E isso leva-nos noutra direção, a de cérebro e mente serem entidades diferentes. Provavelmente interagem mas um não depende do outro. Cada um de nós teria uma alma individual, que seria parte da alma coletiva. E esta perceção paranormal poderia ser chamada de intuição. Mas a intuição é considerada um tipo de conhecimento para lá do conhecimento mental (que é discursivo, sequencial, articula conceitos, faz deduções e inferências) e estamos a falar de um conhecimento abrangente e claro. Diz-se que é a capacidade de apreender a realidade em direto, sem a mediação de expectativas, ansiedades, receios, etc. É uma espécie de razão pura, uma espécie de via direta para a realidade, não tanto mediada por sentidos.
Mas se não é mediada pelos sentidos é mediada pelo quê? Não recebemos nada fora dos sentidos…
Aí tens de pôr esta hipótese: imagina que uma porção de nós não é física, não é limitada pelo cérebro. Imagina que nós somos parte de uma realidade maior, e apreendêmo-la a partir da parte de nós em que estamos metidos nela.
Acho que não tenho capacidade mental para perceber isto (risos)
Imagina que estás a olhar para uma árvore. Se olhares para uma árvore, não percebes que está ali uma floresta. Mas podes perceber que existem outras árvores, uma floresta, solo, planeta.
Temos outras capacidades para além dos sentidos, é isso?
Há quem ponha essa hipótese. Se passam pelo cérebro? Sim, mas o cérebro não é o ponto de origem, é o ponto de chegada. Se tiveres acesso a uma perceção direta, consegues aceder a todos os pontos do planeta. Isto não é uma noção assim tão estranah se pensares numa rede sem fios. A intuição é uma espécie de rede sem fios. Por isso é que tantos místicos descrevem uma experiência interior que os leva a uma espécie de presença ou consciência universal. Mas isto não tem a ver com os mitos religiosos.
Somos todos intuitivos?
Sim. Claro que há seres humanos que estão mais na linha dos neadertais (risos) e cuja vida se centra nas suas necessidades físicas. Depois há quem viva uma vida mais emocional: aquelas pessoas mais apaixonadas, mais impulsivas, etc. Depois há várias categorias de desenvolvimento mental. E além disto há quem consiga uma forma de desenvolvimento dita supra-mental. Há pessoas que vão a uma floresta. E há xamãs que supostamente sentem a energia da floresta toda.
Mas hoje vivemos num meio altamente anti-intuitivo, não vivemos?
Profundamente anti-intuitivo. Estamos numa sociedade que cultiva uma mente desconcentrada, focada no imediato, viciada na superfície das coisas e que de maneira nenhuma nos incentiva a observar, a conhecer-nos, e a ter a ambição de sentir a realidade de outras maneiras.
E como é que eu posso desenvolver a intuição?
Boa pergunta. Normalmente as práticas espirituais orientam-se todas no sentido de modificar a consciência no sentido expansivo.
Que é que isso quer dizer?
Um estado expansivo em termos quantitativos mas também de mudança qualitativa. É como se a faixa vibratória que capta a realidade mudasse, e passamos a captar muito mais coisas. Isso pode ser feito com práticas meditativas, oração, dança sagrada, etc. Mas nem sempre a pessoa consegue depois trazer estas realidades para o cérebro. Tu apreendes coisas em determinado estado emocional. Por exemplo, quando há um trauma, as pessoas memorizam tudo com muito pormenor. E também há aparentemente aprendizagens específicas não só de estado emocional como de estado de consciência, que apreendes em estado meditativo e muitas vezes esqueces em consciência.
Portanto, certas coisas que se podem apreender, digamos, num transe, depois não passam para a consciência?
Podem não passar. Mas há coisas cómicas. Um colega meu contou-me que um amigo dele perdeu as chaves do carro quando estava bêbedo. Tentaram tudo para as encontrar e nada. O que é que ele lhe sugeriu: que apanhasse outra bebedeira. Ele assim fez e encontrou as chaves. Enfim, isto não é um incentivo à bebida, que não conduz a um estado de consciência muito elaborado (risos) só serve para exemplificar o que acontece. Por exemplo, em práticas de hipnose, deu-se a beber à pessoa copos de água dizendo que são vodca. E ela comporta-se como se estivesse bêbeda. Há coisas na nossa fisiologia de interação com a consciência que ainda hoje não são muito fáceis de perceber.
A intuição está ligada aos sonhos?
Eventualmente. Há muitas categorias de sonhos. Há sonhos que são apenas uma má digestão (risos) mas há outros muito vívidos e elaborados, e aí sim, os caminhos podem cruzar-se.
Se eu me tornar mais atenta, torno-me mais intuitiva?
As duas coisas costumam estar ligadas, sim. Se te tornares mais atenta estás mais presente, mais calma, mais centrada, e estás a expandir a consciência em tempo real. Outras formas de expandir a consciência é tudo o que treine o foco mental, a consciência, a presença, a deliberação, a escolha, está a expandir a consciência. Normalmente, isso implica amplificar a consciência de nós e do campo mem ue estamos embrenhados. Para isso, temos de estar atentos. Mas isso não interessa a ninguém.
Tudo contribui para nos desfocar?
Claro. Estamos mesmo a ser treinados para a desatenção, a dispersão, a perda de foco, o sermos levados de um lado para o outro sem pensar, e o engraçado é que há mensagens subliminares que podem entrar sem darmos por isso, para passar às pessoas mensagens que elas não sabem que receberam. Isto pode ser feito atualmente, chama-se neuromarketing. Hoje em dia, já estudamos como é que o cérebro reage à forma como passamos certas mensagens: o ritmo, a cor, o tom.
Podemos defender-nos disso?
Sim, na medida em que aprendemos a estar atentos a pequenas respostas do nosso cérebro e organismo, mesmo que às vezes não saibamos exatamente como. Aliás, hoje há corporações que se comportam de forma absolutamente psicopática, tendo em vista apenas o lucro, e controlando o mais possível o comportamento do consumidor. Há economistas que dizem que o verdadeiro presidente dos Estados Unidos é Larry Fink, CEO da BlackRock, uma multinacional americana de gestão de investimentos, que tem todas as grandes farmacênticas e meios de comunicação, bem como as cinco maiores empresas de armamento americanas, a Uber e o Facebook. Mas as pessoas não sabem isto.
As mulheres são mais intuitivas que os homens?
Não sei, mas diria que sim. As mulheres estão muitas vezes mais orientadas para valores como o cuidado e o amor que estão ligados a uma energia mais profunda, ao tecido do universo. Por vezes também são mais observadoras, o que as predispõe a serem mais intuitivas.
Além de que durante séculos foi o único poder que tiveram…
Também. Havia uma mulher muito interessante na Idade Média, a Hildegarde Bingen, que fez uma data de coisas improváveis, e que seria, além de intuitiva, muito convincente. Então parece que terá a certa altura passado uma descompostura ao imperador da Alemanha. Não se sabe porquê, o imperador acatou o que ela disse. Ninguém sabe porquê. Mas nesse tempo eles tinham medo desses poderes…
Mas há pessoas que dizem que são muito intuitivas e é só folclore…
Sim, mas a intuição na sua aceção mais nobre é uma faculdade superior do ser humano e não é de acesso fácil. Normalmente, as pessoas mais intuitivas são os artistas, e dentro destes, os músicos. Porque têm uma sensibilidade que não é apenas emocional. Há um monte de autores de música clássica que se dizem inspirados pelo sopro divino. O Mozart tem partituras inteiras sem uma única emenda. Os músicos têm um acesso se calhar diferente a outros tipos de vibração ou perceção.
E tu, já tiveste intuições?
Normalmente, a minha perceção é mais na esfera do conhecimento, que é a minha busca.