Há uma altura na vida de todas as mães em que sabemos que alguma coisa mudou: quando ele fecha a porta da casa de banho. Sabemos que é uma etapa normal, sabemos que por volta dos 5 anos eles começam a ter consciência do corpo e daquilo que querem ou não mostrar. Mesmo assim, uma simples porta mostra-nos aquilo que sempre soubemos mas tivemos dificuldade em engolir: não podemos saber tudo da vida deles.
Outro marco acontece dez anos mais tarde: “É ridículo dizê-lo no século XXI, mas o mundo caiu-me aos pés quando vi a minha filha beijar o namorado na boca”, conta Patrícia Pereira, mãe da Marta, 15 anos. “Fui de surpresa à escola dela e vi a cena, à hora de almoço. Atenção, que eu não sou puritana. Mas ela era o meu bebé, e esse mundo acabou. Mas talvez isto seja normal. O meu pai ainda hoje diz que não gosta de me ver beijar o meu marido…”
A cena levou Patrícia a refletir sobre aquilo que pais e filhos devem saber uns dos outros. “Sou muito aberta com os meus filhos, mas isto levou-me a perceber que nem uns nem outros devem entrar muito na intimidade alheia. Há coisas que não gostamos de saber. Quando fiquei grávida do meu terceiro filho, ouvi o mais velho dizer à irmã “Mas os nossos pais não fazem ‘isso’!” (risos) A cena do beijo também deixou Patrícia com vários dilemas: “Converso com a Marta sobre isso? Não digo nada? Conto tudo ao pai? Se contar, cai o Carmo e a Trindade, se não contar, fico com um segredo dele…”
O QUE PERGUNTAR E NÃO PERGUNTAR
“Confrontarmo-nos com o crescimento dos adolescentes pode ser difícil para pais que estão mais dependentes de filhos como extensões de si”, nota a psicóloga Clara Soares. “Essa mãe não deve falar com a filha, porque não tem nada a ver com isso. Provavelmente, deveria falar com outra mãe para perceber porque é que isso a incomoda.
Pode haver uma situação de ressentimento: eu com 15 anos não podia fazer isto, se eu fizesse isto o meu pai matava-me…” Patrícia acabou por chegar à mesma conclusão: não contou nada a ninguém (a não ser às amigas mais próximas) e decidiu que a filha tinha direito aos seus segredos. Mas afinal, o que é que devemos saber dos nossos filhos? “O que os pais não têm de saber é simples”, nota Clara Soares. “Não têm de saber aquilo que os filhos não querem que eles saibam. Isto, claro, desde que não existam sinais paralelos como tristeza, ansiedade, zanga, descida de rendimento na escola, sinais de que eles não estão bem.”
Aqui um pai ou mãe deve seguir a sua intuição, e se sentir que alguma coisa não está bem, não desistir até descobrir o que se passa.”
O que os pais precisam de saber, curiosamente, é aquilo que não preocupa a maioria dos pais: “Os pais devem perguntar se eles gostam do que estão a fazer, se estão felizes, se o ambiente em casa com os irmãos é bom, por exemplo.” Segundo um estudo feito pela Universidade de Indiana, a privacidade torna-se tão importante na adolescência porque lida com o controlo que exercemos sobre os filhos.
À medida que as crianças crescem, a sua opinião sobre aquilo que os pais podem saber da sua vida começa a divergir muito da necessidade de controlo por parte dos pais.
Mas será que invadir a privacidade de um adolescente – segui-lo online, ler as mensagens no telemóvel, ou a velhinha arte de espiar o diário – leva a saber mais sobre a sua vida? Os psicólogos dizem diz que acontece exatamente o contrário: os adolescentes reagem puxando ainda mais as rédeas à ‘informação’ que deixam passar, e os pais acabam a saber cada vez menos sobre eles.
A ARTE DE CONVERSAR
“Os pais podem fazer perguntas em contexto oportuno”, nota Clara Soares.
Ou seja, se eu chego lá e faço um interrogatório, é normal que não receba respostas. “A mãe terá sempre de começar por se pôr no lugar do filho, e falar com ele mais para ouvir do que para interrogar.” Mas quantos pais estão dispostos a ouvir? Muito poucos, segundo Clara.
“Muitas vezes as pessoas queixam-se de que os filhos não falam mas eles próprios estão numa atitude dissociante.
Não olham os miúdos nos olhos, não lhes dão espaço, não têm uma atitude de partilha. Querem conversar mas não abrem espaço para que isso aconteça.” Por exemplo, uma coisa que não se deve fazer é ter estas conversas no quarto dos jovens. “Porque é um território onde o ‘dono’ é que deve ter as suas iniciativas e não os pais. Se eu entrasse em sua casa a fazer perguntas, qual seria a sua reação? Este é um território privado. Se o invadimos eles retraem-se e têm atitudes de ataque ou defesa.” A situação oportuna para partilhar é aquela em que se cria espaço para a conversa, que pode acontecer quando se está a lavar a louça, quando se vai ao supermercado, antes ou depois de ir ao cinema. E atenção que também há crianças que falam mais do que outras. “Não se pode fazer perguntas a um introvertido. Isso pode não ser o que o pai deseja, mas é o filho que ele tem, e fazer-lhe perguntas nunca vai funcionar.”
SOCORRO! SOU ‘AMIGO’ DA MINHA MÃE!
As redes sociais vieram trazer para a ribalta a discussão sobre privacidade, pela possibilidade de ‘cruzamento’ de informação tantas vezes indesejada. “Ser ‘amiga’ do meu filho depende da relação que mãe e filho têm um com o outro”, explica Clara Soares. “Os pais que sabem preservar os seus segredos e o seu espaço, e sabem, por consequência, preservar o dos filhos, são aqueles a quem os filhos pedem ‘amizade’.” Devemos esperar pelo pedido e nunca tomar a iniciativa. “Ser amiga do seu filho é ser amiga de todos os amigos dele. E na vida ‘real’, eu não vou pedir aos amigos dos meus filhos para serem meus amigos. Portanto, as plataformas apenas ampliam aquilo que já existe.
Estar lá para controlar é absolutamente inútil porque eles fogem com a maior das facilidades.” O problema é quando pais e filhos ficam a saber uns dos outros informação que não querem, de que não precisam e com a qual não sabem lidar. “Muitas vezes nem é o que nós não temos de saber deles, é também o que eles não têm de saber de nós. Mas o dever ou não dever ‘amigá-lo’ não é qualquer coisa que se põe à frente da relação com o filho, a relação é que vai definir se aquilo é ou não aconselhável.”
E UM BEBÉ, PRECISA DE PRIVACIDADE?
Os bebés têm uma relação dual com a mãe, uma relação-espelho em que ainda não têm noção da mãe como separada deles. Portanto, o bebé precisa de privacidade, geralmente, com a mãe, longe de outros membros da família. Portanto, neste caso, será uma privacidade a dois. Em casas muito barulhentas, onde o casal discute e os irmãos falam alto, o bebé precisa destes momentos de sossego para descansar e se acalmar.