
O mito do rei D. Sebastião continua bem presente na cultura portuguesa e na cabeça de todos nós. Continuamos todos à espera que alguém nos venha salvar de todos os infortúnios e desgraças com que temos de lidar no nosso dia-a-dia. Na política, esperamos pelo líder que nos tirará de vez da cauda da Europa e nos catapulte, de uma vez por todas e sem sombra de dúvidas, para o grupo dos países mais avançados.
No futebol, esperamos o treinador miraculoso que levará a nossa equipa ao pódio mundial. Até no Festival da Eurovisão esperamos (será que ainda?) o artista que finalmente arrebate o primeiro lugar desse concurso em que acabamos quase sempre por ficar nas últimas posições.
Também na vida privada existem D. Sebastiões. São aquelas pessoas que esperamos nos venham a arrebatar de vidas enfadonhas e sem graça para nos levarem para a ribalta da
dolce vita, com viagens por destinos paradisíacos, festas da alta sociedade com os ricos e famosos ou aventuras loucas em cidades exóticas e distantes.
No campo amoroso, a figura mítica do rei desaparecido em Alcácer Quibir personifica outra figura, também ela pertencente à realeza, que é a do príncipe ou da princesa encantados.
Trata-se da pessoa que irá preencher o vazio emocional que alguns sentem, pessoa essa só com qualidades; defeitos, nem vê-los! A lista de requisitos contempla habitualmente, mais coisa, menos coisa, as seguintes características: terá de ser alguém sensível, bonito (por dentro e, de preferência, por fora também), com um bom sentido de humor, meigo, bom amante e, se possível, com uma boa situação fi nanceira. Anseia-se, espera-se e desespera-se.
Diz Björk numa canção que aborda este tema (‘I Miss You’): ‘Tenho saudades tuas / Mas ainda não te conheci / Tão especial / Mas ainda não aconteceu.’ Vão-se rejeitando possíveis candidatos ao lugar vago no coração, uma vez que os que aparecem não preenchem as exigências, mantendo-se assim vivo o mito de que ele ou ela surgirá.
A grande questão (e o grande problema) é que pessoas assim perfeitas não existem. Se isso nos parece óbvio à partida, nem sempre é uma realidade fácil de aceitar.
A opção de esperar pela realeza do nosso coração é muitas vezes mais fácil porque se evita todo o investimento necessário para que uma relação funcione, porque se passa por cima de todas as frustrações e dificuldades que fazem parte de qualquer vida a dois e, claro está, porque mantém o devaneio aceso.
Tenho dúvidas se o regresso de D. Sebastião teria resolvido todos os problemas do reino. Mais provavelmente esse retorno teria dado origem a alguma instabilidade no País, a conflitos e problemas internos.
Além de que ninguém garante que o rei desejado teria sido um bom governante! Também as figuras míticas da vida amorosa, quando surgem, podem ser autênticos flops… Quanto maior a expectativa, maior a queda e, por vezes, pensa-se que se encontrou o príncipe, quando apenas se deu de caras com o bobo. Porém, há que não esquecer que a felicidade também pode ser possível com o bobo.