– Santo lisboeta – Lisboa não é, definitivamente, o melhor sítio para criar santos. Nascidos cá, só tivemos um: esse mesmo, o SantoAntónio. Mas o que se festeja não é a data do seu aniversário, desconhecida, mas a da sua morte. Ah, e já agora, o nome dele não era António, mas Fernando. E já agora, Fernando Pessoa chamava-se de facto Fernando António, em homenagem ao Santo do dia em que nasceu.
– Já sou santo? – Ao contrário de outros, como Nuno Alvares Pereira, que teve de esperar desde a batalha de Aljubarrota, Santo António teve uma canonização supersónica: foi canonizado logo no ano seguinte à sua morte.
– Não são de hoje – Tal como muitas outras festas católicas, incluindo o Natal e a Pásco, também os santos populares têm origem numa celebração pagã, desta feita o solstício de verão, tradicionalmente celebrada antes da Idade Média no dia 24 de Junho.
– Cuidado com o pé! – As fogueiras fazem parte – adivinhe lá – da tradição pagã. As festas estavam tradicionalmente ligadas à fertilidade e ao casamento, pelo que, se quiser seguir a tradição à risca, terá de saltar a fogueira de mãos dadas com o seu amado. Não aproveite para o deixar lá.
– Santo santinho, arranja-me maridinho – O nosso Santo António, monge devoto, sisudo e muito muito douto, viajou por todo o mundo, fartou-se de pregar e era muito respeitado pelas aulas que dava nas Universidades mais importantes da Europa. Nunca se lhe conheceu namorada, e não consta que tivesse feito o apreciado milagre de juntar nenhum casal de apaixonados. Porquê então a fama de Santo Casamenteiro? Mais uma vez, parece ter havido uma sobreposição de festejos: a fama pagã da fecundidade veio cair direitinha no colo do santo.
– E o Menino? – Dizem alguns que o Menino Jesus com que Santo António é tradicionalmente representado era apenas uma representação das crianças, por quem o Santo tinha muito carinho… Enfim… Mas a lenda, sempre mais explicativa, diz que um dia, estando Santo António hospedado em casa do Conde Niso, recebeu o Menino dos céus diretamente dos braços de Nossa Senhora… o Conde, claro, foi logo relatar o fenómeno, e assim nasceu o menino ao colo do santo. Mais uma vez, também pode ser uma representação de fertilidade, mas digam lá que não é ternurento…
– Agora vê lá… – Quer arranjar namorado com a ajuda do santo? As nossas avós faziam o seguinte: punham uma imagem do santo de cabeça para baixo atrás da porta e faziam o pedido. Se o Zé Manel continuava sem lhes dar cavaco, deixavam o santo de cabeça para baixo, que era para aprender. Enfim, demasiado vingativo para uma alma cristã, mas até um santo deve saber que não se brinca com o coração de uma mulher apaixonada. Para agilizar o processo, também havia quem retirasse o Menino Jesus do colo do Santo António, procedimento que fará gelar o coração de qualquer mãe mas que pelos vistos costumava resultar.
– Aparece! – Se ainda não sabe com quem vai casar, o santo pode ter a resposta: à meia noite, num quarto às escuras, ponha-se em frente de um espelho, chame por Santo António sete vezes e acenda uma vela… No espelho, aparecerá a imagem do homem com quem casará. Pormenor: pôr uma fotografia do George Clooney (ou do Vasco, ou do Zé Manel) à sua frente, não vale.
– Perdoa-me, que sou devedora! – Santo António deve ser especialmente venerado em época de crise: é que talvez vocês não saibam, mas acabou com a prisão dos devedores e foi muito bom para os pobres.
– Mostra-me o futuro – Se nem Santo António sabe com quem você vai casar, não desespere, que há mais santos a quem recorrer. A noite de S. João é considerada mágica desde a Idade Média, e muito boa para adivinhar o futuro. Não há é memória de ele ter acertado nos números do euromilhões.
– Joões há muitos! – Ao contrário do que se pensa, o S. João que se celebra no Porto não é o S. João Baptista mas S. João do Porto, padroeiro da cidade.
– João sem cabeça – A história do S. João do Porto não deve nada à do Baptista. Então foi assim: no século IX, vivia no norte de Portugal um eremita conhecido pelos seus bons conselhos. Era tão respeitado que, muito depois da sua morte, uma rainha trouxe a sua cabeça para ser venerada (diz-se que ainda está na igreja de Nossa Senhora da Consolação). Bem, como a história era demasiada negra para muitas almas sensíveis, aproveitou-se que o santo sem cabeça partilhava o nome com um dos mais fieis seguidores de Jesus e começou-se a festejar o S. João do Porto no mesmo dia do S. João Baptista. Que, enfim, também não tinha uma história muito mais animadora, acabando tão decapitado como o seu congénere do Porto. Mas pronto. Sempre era primo de Cristo.
– Ai a cabeça! – O martelinho de plástico foi introduzido nos festejos na década de 60, o alho-porro corresponde àquilo que vocês estão a pensar, e ambos são símbolos de um ‘acordar’ da cidade e das pessoas para as alegras do verão depois de um inverno escuro e tristonho.
– A pedra da Igreja – S. Pedro é o santo popular… menos popular. O seu dia, 29 de Junho, marca o fim das festas. O facto de se ter escolhido um santo tão sério – atenção que foi o primeiro Papa! – para uma data tão festiva deve-se mais uma vez à sobreposição com as tradições pagãs.
– Ai S. Pedro, e se chove? – Também já estão a adivinhar a ligação entre S. Pedro e o clima, não é? O santo é tradicionalmente representado com um molho de chaves representando as portas do Céu, que é suposto guardar. Das nuvens metafóricas às nuvens verdadeiras, foi um pau.
– O meu nome é Simão – Pois era: Pedro chamava-se originalmente Simão, e se esteve com atenção durante os filmes de Domingo à tarde na Páscoa, há-de estar lembrada que era pescador. Bondoso e impulsivo, foi a ele que Jesus confiou a missão de chefe da Ingreja, dando-lhe o nome de Pedro, que significa ‘pedra’.