– Como começou a paixão pelos ralis? O que sonhava ser quando fosse criança?
Em criança não me lembro de ter nenhum sonho que fosse muito marcante. Queria ser médica, enfermeira, cabeleireira… e o desejo ia mudando a cada dia. A paixão pelo todo-o-terreno começou já muito tarde, depois de ter tirado a carta de moto e de ter experimentado um passeio na Serra da Lousã, a “Ronda dos Castelos”. Instalou-se verdadeiramente depois de ter feito a minha primeira prova de competição, o Grândola 300, em 1992.
– Lembra-se da primeira prova em que participou? O que sentiu nesse momento?
Lembro-me como se fosse hoje. Achava que não ia ser capaz de fazer 300 quilómetros aos saltos em cima de uma moto, já que só o facto de fazer a mesma distância entre Lisboa e o Algarve por estrada me deixava bastante cansada. A adrenalina subiu a níveis muito altos! Lembro-me de sentir tantas dores musculares que, a partir de certa altura, o sofrimento começou a ser muito grande. Caí num rio e a moto não trabalhou mais porque entrou água para o motor. Faltavam apenas 30 quilómetros para terminar a prova e, apesar de não ter atingido o objectivo, estava felicíssima. Tinha-me superado e percebi que, com treino, poderia vir a fazer melhor. Tinha descoberto uma verdadeira paixão.
– Já se sentiu discriminada por ser mulher? Pode partilhar connosco alguns desses momentos?
É impossível para uma mulher praticar uma modalidade considerada masculina sem que nunca se tenha sentido discriminada. Essa impossibilidade é uma característica da nossa sociedade e eu aprendi a viver com ela… A minha opção foi sempre a de tentar ser inteligente e não me deixar abater por situações menos simpáticas. Lembro-me, por exemplo, de um jornalista marroquino ter perguntado ao meu marido se o facto de eu ter bons resultados nas provas não contribuía para desvalorizar a modalidade! Confesso até que o sentimento de irritação que daí resulta me serve de impulso para conseguir fazer melhor!
– Qual é o segredo para estar neste ‘ramo’ há tantos anos?
Penso que são vários os segredos… O primeiro talvez seja gostar muito desta modalidade e ter uma meta muito definida que ainda não atingi e que quero atingir. O segundo passa por tentar fazer bem as coisas, ser responsável, correcta, boa profissional. O terceiro resulta de ter uma excelente equipa ao meu lado.
– Já pensou em desistir? O que se via a fazer caso o fizesse?
Nunca penso na hipótese de abandonar a competição mas, se em alguma circunstância sou obrigada a pensar no assunto, sinto um nó apertado na garganta e chego sempre à conclusão que ainda não chegou o momento. Não consigo vislumbrar nada no horizonte que me realize tanto como a competição, o todo-o-terreno, a condução… a organização que tudo isto implica.
– Provas mistas ou só para mulheres… Quais os principais aliciantes e pontos negativos de cada uma delas?
Nas provas em que participo, apenas o Rallye Aicha des Gazelles é exclusivo a mulheres. Todas as outras provas são mistas e as mulheres estão em minoria. Nestas dá muito gozo ter uma boa classificação, principalmente porque sabemos que, para muitos homens, as mulheres estão ali a mais. Nas provas só de mulheres as relações humanas tornam-se mais difíceis.
– Qual foi o maior desafio com que se confrontou ao longo destes anos?
Terminar o Dakar de moto foi, sem dúvida, o maior de todos os desafios. Exigiu muito de mim e pôs à prova todas as minhas capacidades. Esta experiência deu-me a bagagem necessária para enfrentar todos os desafios, ou seja, senti-me com a força necessária para fazer tudo o que eu quisesse na minha vida.
– Quando não está em provas, como ocupa os seus dias? Faz alguma preparação especial?
Quando não estou em prova passo os dias a preparar as provas. Começo o dia a fazer preparação física. Faço-a ao longo de todo o ano, cerca de duas horas por dia. Para além deste há todo o trabalho de oficina para acompanhar e todo o trabalho de secretariado que esta actividade envolve. Depois tenho um grande conjunto de solicitações a que tenho de dar resposta, quer da parte dos patrocinadores ou da sociedade. Ando a correr de manhã á noite e não me sobra tempo para outras coisas.
– Como é a Elisabete a conduzir no dia-a-dia?
Sou uma condutora tranquila, segura e muito defensiva. Sou despachada e desenrascada sem ser acelera. Não me “pico” com os outros condutores e raramente me irrito com as atitudes pouco correctas que habitualmente se vêm na estrada. Enfim… tento evitar todo o tipo de problemas que se podem ter na estrada.
– Ausências longas, dedicação e uma profissão tida ainda como masculina… Como se mantém uma relação de tantos anos fora de uma vida dita ‘normal’?
Pode não ser fácil manter uma relação mas quando o amor existe todos as dificuldades de relacionamento se superam. Eu e o Jorge temos personalidades muito diferentes e, no passado, tivemos necessidade de fazer alguns acertos. Depois tudo se tornou mais fácil. Há que lutar por uma relação quando esta vale a pena e, por vezes, é preciso fazer concessões… Temos que nos adaptar ao outro, que nunca é aquilo que nós queremos que seja! No meu caso, porque trabalhamos em conjunto, passamos todo o tempo juntos, o que poderia acarretar algum desgaste. Contudo, aprendemos a respeitar-nos e a dar ao outro o espaço necessário. Não nos massacramos.
– Quando está em prova, o que faz para combater a solidão?
É raro sentir-me só quando estou em prova. O ritmo é sempre muito acelerado e o cansaço elimina os tempos mortos. Quando as coisas começam a correr mal e os problemas me fazem sentir com uma grande falta de ar, ponho os headphones, escolho as músicas que mais se adequam ao meu estado de espirito e entrego-me a reflexões profundíssimas sobre a razão das coisas e, nesses momentos, quase sempre acabo por tomar decisões importantes.
– Que rali ainda lhe falta fazer?
São vários os ralis que gostava de fazer e não tenho possibilidade…Por exemplo o Silk Way Rally, China Grand Rally….mas tenho consciência de que sou uma sortuda por ter a possibilidade de participar em ralis como o Africa Eco Race ou o Rallye Oilibya du Maroc pois são provas onde a navegação e a condução se completam.