Estreou esta sexta-feira, dia 5, “Malcolm % Marie”. Um filme com realização e guião de Sam Levinson, e com interpretações de John David Washington e Zendaya. Uma produção feita já durante a pandemia, com apenas dois atores e utilizando apenas uma casa, e que está a dar que falar.
O motivo? A forma verdadeira, brutal e incómoda como aborda a relação entre as duas personagens.
Logo ao início, sente-se alguma tensão. Malcolm está entusiasmado com um grande feito, mas Marie não consegue disfarçar que algo a perturba. Surge o tradicional “o que tens?” seeguido do automático “nada” e a partir daí desencadeia-se uma guerra de argumentos que vai escalando de tom.
Durante a discussão que se prolonga pela noite, Malcolm e Marie trazem ao de cima o pior que podem dizer um ao outro. Tal como num campo de batalha, cada um usa as melhores armas que acredita ter. Malcolm é rápido na argumentação e quase parece não medir as palavras que dirige à namorada, sabendo exatamente de que forma a pode magoar e fazendo uso desses “trunfos”. Marie é mais comedida, deixando transparecer sentimentos recalcados, procurando, finalmente exprimi-los.
Ao longo da discussão, com avanços, recuos, momentos quase de reconciliação e outros de explosão, Malcolm e Marie levam o espetador a analisar a forma como encaramos as relações amorosas.
O primeiro ponto a ser destacado é a comunicação e o perigo de guardar ressentimentos. A forma como os outros podem afetar a vida em casal também tem alguma relevância, mas o fundamental acaba mesmo por ser a forma como a verdade é transmitida entre os dois.
Aqui, percebe-se que existem várias formas de expor argumentos, e que daí podem surgir diferentes reações. Malcolm e Marie acabam por perder a medida das palavras que dirigem um ao outro e, como consequência, chegam a um ponto se defendem ao provocar dor no outro. Recordação de que amar é colocar nas mãos de um parceiro as nossas vulnerabilidades e de como isso pode, infelizmente, ser tão penoso. É também curioso que as palavras que as personagens mais retém são aquelas que lhes infligiram maior dano.
Ao longo da troca de palavras mais ácidas, entende-se que a relação que existe com o próprio afeta diretamente a relação que temos com os outros. A necessidade de validação e reconhecimento podem gerar inseguranças, especialmente quando existe a sensação de que se é dado como adquirido.
Ao longo do filme, existem ainda muitas referências ao cinema e à música, destacadas de forma apaixonada. Aspectos que acrescentam camadas à história, mas que, ao mesmo tempo, podem levar a perder o foco do tema central ou a não permitir que existem mais silêncios significativos.
Destaque ainda para a belíssima fotografia e para a escolha de fazer este filme a preto e branco. A própria Zendaya já explicou o porquê de a cor não ser utilizada, revelando que a intenção estética, a ideia de intemporalidade e o recordar que não existiu representatividade durante a época em que o cinema era a preto e branco.
“Malcolm & Marie” pode não ser um filme para todos. Contudo, para quem o vê, é certamente marcante pela forma como representa as relações de forma tão verdadeira e sem os artifícios muitas vezes explorados no cinema. Uma recordação de que nem tudo é belo e idílico no amor. De como somos, antes de mais, seres indivuais, e só depois pessoas que estão em trabalho constante para a manutenção de uma vida a dois. E de como pode ser tão difícil dizer um “desculpa” sincero.