Decerto não serei a única pessoa que, quando lê as características do seu signo, pensa: ‘eu não sou nada assim, e como é que há milhões de piscianos iguais?’. Mas as coisas, como vamos ver, não são assim tão simples. Há uns anos, quando ainda publicávamos as previsões astrológicas, havia sempre alvoroço na redação: havia quem quisesse ler logo o que o futuro lhe reservava, quem torcesse o nariz e quem dissesse ‘só acredito se disserem coisas boas’, seguido de uma gargalhada. Agora decidimos fazer um reset, tentar perceber, sem preconceitos ou ideias-feitas, por que há tantas pessoas, sobretudo jovens, a procurar a astrologia. Entrevistámos duas astrólogas, que também são jornalistas, logo, habituadas a lidar com factos e a questioná-los. Aqui ficam as respostas de Aline Maccari, que tem um canal no Youtube ‘A Astróloga’ e no Instagram @aastrologa; e de Sílvia de Oliveira, autora do podcast ‘De Propósito’ e do Instagram @silviadeoliveira_astrologia.
O que as pessoas querem saber quando procuram um astrólogo?
Sílvia de Oliveira – Há dois tipos de pessoas que me procuram. As que vêm em desespero total, já estão com o céu aos trambolhões em cima delas, e vêm à procura de respostas. É claro que aproveitam a consulta para autoconhecimento, mas querem sobretudo previsões. E depois há quem venha à procura de se conhecer, tentar perceber as suas características através do mapa natal, os seus padrões de comportamento, qual o seu propósito… as pessoas querem estar mais alinhadas com aquilo que as faz sentir bem.
Que tipo de perguntas fazem com mais frequência?
S.O. – Muitas querem saber sobre o amor. Os temas que mais aparecem são a profissão, o propósito de vida, o que vou fazer, se vou apaixonar-me, se vou encontrar o amor para o resto da vida.
Há quem pergunte o que vai acontecer no futuro?
S.O. – Houve uma candidata à junta de freguesia que queria saber se ia ganhar as eleições autárquicas. Eu via Urano – que pode simbolizar um acontecimento súbito e inesperado, como concursos, ou no caso dela eleições – no seu mapa, mas não consigo dizer se ela vai ganhar ou não. Não há adivinhação na astrologia, o que existe de facto é o relógio e a predisposição para certas coisas acontecerem, não há um fado no mapa natal, nós não estamos fadados para determinados eventos. Não podemos esquecer o livre arbítrio nesta história.
O que é um mapa astral, que informação nos dá?
S.O. – É a fotografia do momento em que nascemos, com as coordenadas do momento em que respiras pela primeira vez, é teu e é único. Óbvio que diz muito sobre ti, e não é só o signo solar, é também o ascendente, a Lua, Vénus, Marte… todos os planetas a relacionarem-se entre si, as quadraturas, oposições, os sextis… Diz que padrões de comportamentos é que tu tens, fala sobre a ancestralidade, as memórias que estão gravadas, que é subconsciente, conta que desafios tens propensão a assumir, que tipo de características, que propósito de vida, que tipo de profissão deves seguir, pode dizer-te se vais ter um problema de saúde, casar, divorciar…
Aline Maccari – Conta-nos a história da sua vida. Quando a gente vê um mapa astral, vê as qualidades do Sol, da Lua, de Vénus, cada um numa casa astrológica, e aí a arte da leitura do mapa astral é pegar um pouquinho de cada um dos planetas e seus posicionamentos e vai fiando esse fio da vida, essa narrativa dos mitos antigos para contar a história da sua vida. É incrível como a história de uma pessoa vai estar atrelada à história dos arquétipos e dos mitos que compõem o céu naquele dia.
Eu tenho formação como analista Junguiana. Jung, que foi discípulo de Freud, estudou profundamente técnicas antigas de autoconhecimento – I Ching, Tarot, Astrologia, Runas – e para ele a astrologia era uma coisa tão séria que, quando tinha dúvidas sobre o diagnóstico de um determinado paciente encomendava o mapa astral porque dizia que era possível ver a psique profunda do sujeito refletida na mandala astrológica. Quando abro a mandala de uma pessoa, consigo identificar as suas potências, as qualidades, as experiências de vida pelas quais ela passou. A partir daí, isso se torna uma ferramenta de autoconhecimento. O mapa astral é como um gps, que te vai orientando para dentro de você mesma, em todas as etapas da vida, sobre todos os assuntos, amor, dinheiro, viagem, filhos, morte, nascimento, saúde, tudo.
Há pessoas que não se identificam com o seu mapa?
S.O. – Pode acontecer, porque pode haver certas coisas que estão ativas numa parte da vida e não noutra. Há técnicas que nos indicam que, por exemplo, aos 51 anos há uma área de vida que está mais ativa que outra. Nós não casamos nem mudamos de profissão todos os anos, não temos filhos a toda a hora.
Faz-nos ter consciência de como nós somos?
A.M. – Quando você sabe o seu mapa astral, sabe onde moram as suas forças, talentos e fraquezas. Quando você encomenda o mapa astral do namorado, filho, patrão, fica sabendo como essas pessoas funcionam, e começa a lidar melhor com elas porque as compreende mais profundamente. Não vai ficar tentando ter uma conversa racional com um Escorpião que tem vários planetas em Água, porque essa pessoa é emocional. Se está lidando com uma pessoa que tem vários planetas em Ar, então ela é uma muito racional, não adianta ter um chilique ela não vai entender. E posso fazer um mapa astral de alguém no Brasil, África ou Portugal porque os arquétipos atravessam culturas – em todas existe um Marte, deus da guerra, uma Afrodite, deusa feminina, um aspeto lunar que é maternal, um aspeto solar que é paternal – é quase uma linguagem universal.
Há planetas ‘maus’ e outros ‘bons’?
S.O. – Sim, existem os planetas maléficos, as casas de transformação, os planetas benéficos. As pessoas têm medo das palavras, e por isso a gente filtra, se eu disser ‘olhe tem um planeta maléfico em cima do Sol’, a pessoa pode achar que vai morrer, e não é assim. Por isso se eu vir Saturno, que é um planeta pesado, escuro, frio e que manda nos signos de inverno, isso pode fazer com que a pessoa ande mais em baixo, trazer introspeção, medo, insegurança, dúvidas…
Há muito a mania de dizer ‘os Carneiros são impulsivos, os Leões vaidosos, os Escorpiões vingativos’…
S.O. – Isso não corresponde inteiramente à verdade, nós somos muito mais do que um posicionamento de Sol em Escorpião, podemos até ser Escorpião mas ter uma catrefada de planetas em Peixes ou Gémeos e aí somos uns paz de alma. Diz-se isso para facilitar a comunicação.
A.M. – Existem, por exemplo, inúmeros tipos de arianos. Se o signo solar está na Casa 4, você é uma pessoa que não gosta de aparecer, prefere mais o conforto de casa, de tranquilidade, e usa todas as energias de Áries para os assuntos do lar. Se for um ariano da Casa 10, vai usar todas as suas potências para virar um atleta, ser uma pessoa reconhecida, um líder nato. É o mesmo princípio arquetípico que pode acontecer de várias maneiras. As pessoas confundem estereótipo com arquétipo. Uma das coisas mais bonitas da astrologia é usá-la para te libertar e não para te aprisionar. Voltando a Áries, é regido por Marte, deus guerreiro, sabe quantos guerreiros posso ter? O cavaleiro, o arqueiro, o estrategista, o peão… A gente deve olhar para a astrologia abrindo possibilidades de interpretação e não estereotipando.
O que as Casas significam?
S.O. – O mapa está dividido em 12 casas, e cada uma é uma área de vida. Por exemplo, Casa 7 é casamento, relações um a um. Casa 5: sexo, romance, filhos. Casa 10: carreira, profissão, propósito, legado. Casa II: dinheiro, entre outras coisas. Cada Casa tem vários significados, e depois há que interpretar o significado dos planetas que caem em cada uma.
E ter uma Casa vazia?
S.O. – Não quer dizer que não seja vivida. Por exemplo, há pessoas que ficam aflitas porque têm a Casa 5 vazia, acham que não vão ter filhos, e não é assim. As Casas vazias são vividas através de planetas posicionados noutras Casas.
Agora ouve-se muito falar em ‘Mercúrio Retrógado’, o que é?
A.M. – Os planetas andam em movimento direto, circulando no sistema astrológico, em volta do Sol. A retrogradação é como se o planeta estivesse caminhando para trás, é essa a impressão que nós temos aqui de baixo, mas na verdade só está mais lento. A retrogradação é um andar para trás aparente, que tem um significado terreno: algumas coisas vão atrasar, dar errado. Mas também existe um lado positivo na retrogradação, que é dar uma segunda oportunidade para resolver coisas que estavam emperradas. Mercúrio fica retrógrado 3 a 4 vezes por ano, talvez por isso seja tão popular, mas os outros planetas também, só o Sol e a Lua é que não.
Os millennials trouxeram a astrologia de novo à ribalta…
A.M. – A gente viveu uma crise com Plutão em Sagitário, o planeta da morte e renascimento, no signo das religiões, descobrindo assim as entranhas das religiões, e as últimas gerações ficaram muito frustradas. Foi o momento em que o mundo se sentiu desamparado, mas as pessoas continuam tendo necessidade de entender a vida e o seu sentido. Como a astrologia não é uma religião, é um modo de ver e perceber a vida, um gps, acho que os millennials ficaram interessados porque ela te oferece um sentido imediato muito rápido.