![](https://images.trustinnews.pt/uploads/sites/4/2023/10/231026_GettyImages-508297386.jpg)
Marta Barata e os avós Sílvia e José
“Os meus avós foram quase meus pais. Digo isto porque há quem passe grandes temporadas em casa dos avós, eu passei tanto tempo que acabei por pedir à minha mãe para ir lá viver. Quando os meus pais se separaram, tinha eu uns 4-5 anos, a minha mãe tinha de sair muito cedo de casa para abrir a escola onde trabalhava, e eu passei a dormir em casa dos meus avós. Daí até ficar lá permanentemente foi um passo, porque depois a minha mãe voltou a casar-se e eu não me dava bem com o meu padrasto. Mas não se pense que deixei de ter a minha mãe presente na minha vida, nada disso, a minha avó morava no prédio ao lado, por isso eu passava a vida a saltitar de uma casa para a outra e tinha quarto nas duas casas. Mas aquela que considero ser a minha casa é aquela onde vivi com os meus avós. Adorava lá ir, o cheiro, que reconhecia de imediato, o meu quarto permanecer praticamente igual durante anos, só com uns pequenos upgrades para receber as minhas filhas e a minha sobrinha. Ali passei horas a brincar sozinha ou em atividades a dois ou a três. O meu avô e eu éramos fãs de jogos de tabuleiro, passávamos horas naquilo, serões inteiros… Com a minha avó fazíamos vestidos para as bonecas. Também víamos televisão juntos, a Fórmula 1, que o meu avô adorava, a série ‘McGyver’, e sobretudo as comédias do Jerry Lewis e os filmes do Vasco Santana. O meu avô tinha de esconder as cassetes porque eu conseguia ver todos os filmes todos os dias e ele não queria que se estragassem.
Lembro-me também de passear muito com eles e até as férias de verão. Era uma festa aqueles dias no parque de campismo de Monte Gordo! Íamos pelo caminho a cantar e a dizer trava-línguas, parávamos sempre no mesmo sítio, para ir surripiar uns marmelos, galhofa total! Quando chegávamos ao destino era outra festa porque adorava fazer campismo, montava-se a tenda-rulote, uma Combi, e íamos logo para a praia fazer castelos na areia, e uma passagem por Ayamonte para comprar caramelos era sagrada. Infelizmente o meu avô morreu muito cedo, de repente, um ano depois de se reformar, tinha eu 18 anos. Foi um choque tremendo para todas nós, o meu mundo desabou, era a nossa âncora. E ele está muitas vezes no meu pensamento, às vezes basta um cheiro, como do aftershave da Nivea, para me lembrar dele e do seu ritual de manhã ao espelho a ouvir rádio antes de me ir pôr à escola. Sou parecida com eles? Sim, da minha avó herdei a mania de refilar [risos] e o gosto pela fotografia, do meu avô herdei o gosto por cozinhar, trabalhar e, claro, a paixão pelos animais. Se hoje sou uma amante e defensora dos animais e da natureza devo-o a ao meu avô, ele tinha um amor incondicional pelo Roy, o cão que nos acompanhava para todo o lado, até para férias. Tive a sorte de ter a minha avó viva durante muitos mais anos, e poder partilhá-la com as minhas filhas. Das muitas vezes que convivíamos era inevitável pegarmos nos álbuns de família e ficarmos horas a reviver aquelas memórias fantásticas.”
Madalena Martins e a Babá
“Estão a ver aquela avó tradicional, que nos faz bolinhos e em cuja casa passamos longas férias de verão, enquanto os pais folgam um bocadinho? Pois a minha não era nada assim e ainda assim temos uma relação muito bonita e próxima. A minha avó, ou antes, a minha Babá, que ela não achava graça nenhuma que eu lhe chamasse avó, devia achar que era uma palavra muita pesada. Até aos 10 anos da minha vida não tenho muitas recordações dela, porque morávamos fora de Portugal Continental e sendo ela uma mulher com uma profissão exigente, trabalhava no mundo da Publicidade, era muito ocupada. Quando fomos viver para as Caldas da Rainha é que passou a visitar-nos com regularidade aos fins de semana. Passávamos o dia juntas, a contar histórias, a ir ao mercado das Caldas para comprar fruta e legumes, que ela adorava, e eu lembro-me de ficar sempre fascinada por aquela mulher linda, com uma postura fantástica, muito arranjada, bem vestida, com um estilo irreverente, tão diferente das avós dos meus amigos.
Admirava-a por ser uma mulher à frente do seu tempo, de ter umas ideias muito fora da caixa, de não ser nada tradicional, e isso, claro, fazia com que me identificasse muito com ela. Era muito sábia nos conselhos que me dava para viajar, para viver a vida, ser livre… Se calhar foi por causa da importância que ela dava e dá à sua imagem que eu segui a profissão de maquilhadora. Sempre foi uma mulher extraordinária, superelegante, com uma cor de cabelo que de certeza muito poucas avós têm: laranja. Gostava muito que os meus filhos se lembrassem da bisavó Babá como ela é, única.”
Tomas Henriques e os avós Eulália e Vitorino
“Nasci em Vila Franca e ali que vivi os 10 primeiros anos da minha vida, muito perto da casa dos meus avós, onde passava muitos fins de tarde e de semana a fazer pinturas com a minha avó, a jogar à Batalha Naval com o meu avô ou a dar grandes passeios com eles no jardim. Lembro-me desses tempos com muito carinho, do conforto da sua casa, da boa comida na mesa, de passarmos bastante tempo em família. Geralmente ia com os meus irmãos mais novos lá para casa e divertíamo-nos imenso, mas o tempo mais precioso era quando estava sozinho, deitado no sofá em dias de chuva, a ver os Looney Toons e a comer pão maravilhoso com manteiga que a minha avó me preparava. Em 2005, os meus pais decidiram voltar aos Estados Unidos, porque a minha mãe é americana e foi lá que se conheceram e se casaram. Na altura, não fazia a mínima ideia de quanto essa separação me ia afetar emocionalmente. Depois de ter a presença constante daquelas duas pessoas na minha vida durante uma década, praticamente deixei de os ver. Foi a mudança que mais impacto teve na minha vida. Sentia muito a sua falta. Felizmente a minha avó visitou-nos pouco tempo depois de nos mudarmos e várias vezes depois disso. Adorava tê-la por perto. O meu avô só pôde visitar-nos alguns anos depois. Lembro-me nitidamente, como se fosse hoje, de o ver a entrar pela nossa garagem e de ir a correr abraçá-lo. Uma das coisas que recordo é que ele já não era tão alto como pensava. Eu tinha crescido. Foi um momento comovente tanto para mim como para ele, embora o meu avô não exteriorize muito as suas emoções. O dia em que eles tinham de regressar a Portugal era horrível, sofríamos todos. Passaram-se vários anos sem vir a Portugal, mas quando vim, em 2014, foi uma viagem inesquecível porque fiquei cá quase 3 meses de verão e viajámos em família por todo o lado. Lembro-me em especial do dia em que fomos até à Ericeira e Mafra e que nos divertimos imenso no Festival do Pão.
Hoje, quando penso no meu avô, vejo um homem que passou por muitas dificuldades durante e no pós-guerra, que viveu durante o regime fascista de Salazar… Imagino-o, muitas vezes, nos seus tempos de juventude a arranjar bicicletas, a tornar-se mecânico. É um homem generoso, orgulhoso, com sentido de humor, e que conseguiu providenciar uma boa vida para a sua família. Quanto à minha avó, quando penso nela vejo-a como uma mulher que faz tudo pela sua família. Só em adulto é que percebi o quanto ela nos ajudou e formou. A minha avó é uma alma gentil e, apesar de ter nascido numa família com dificuldades económicas, conseguiu ter uma vida bonita. Ensinou-me muito, sobretudo sobre a vida, que todos podemos retirar o melhor de qualquer situação. Quando olho para trás, vejo que tive e tenho muita sorte em ter dois avós que me amam, que estiveram sempre presentes, em todos os aniversários, dias de festa, encontros de Tae Kwon Do. Gosto de pensar que se me tornei num adulto decente muito se deve a eles. Apesar de viver nos EUA, esforço-me por visitá-los várias vezes por ano. Felizmente trabalho no mundo da aviação e isso permite-me vir cá regularmente (muitas vezes de surpresa) para estar com eles, relaxar a ver o Tejo e a Lezíria ao longe.”
Berta Silva Lopes e os avós Elisa e Tomás
“Tive o privilégio de crescer numa aldeia, em Queixoperra, concelho de Mação [distrito de Santarém], onde vivi até aos 18 anos. Era e é uma aldeia pequena, onde todos se conhecem e na qual perdura, até hoje, um forte sentido de comunidade. Os meus quatro avós sempre lá viveram e eu tive a sorte de conviver com eles diariamente até ao final da escola primária. A convivência tornou-se menos regular quando passei a frequentar a escola preparatória porque esta era na vila de Mação, a uns quilómetros dali, mas ainda assim a sensação que tenho é que nunca passámos mais de uma semana sem estarmos juntos. Gostava muito de estar com os meus avós e sei que era habitual pedir aos meus pais para me deixarem ir almoçar, lanchar ou jantar em casa deles, além de também ter passado lá muitas noites. A nossa relação era muito afetuosa, não de abraços espontâneos, beijos desirmanados, cafunés ou demonstrações de carinho avulso sem razão de ser, nada disso fazia parte da linguagem dos afetos dos meus avós, criados em tempos de parcos recursos e mimo doseado. Todavia, havia tempo e o tempo que passava na casa deles era mágico e infinito.
Lembro-me que nunca nenhum deles parecia ter pressa, havia tempo para brincar e para tratar dos afazeres da casa e da horta. Vivem na minha memória as fornadas de pão e tigeladas que fazíamos em conjunto, as viagens de carroça a caminho das hortas ou do pinhal, as horas passadas no ribeiro enquanto a minha avó lavava a roupa e as brincadeiras no pátio da casa. Impossível esquecer aqueles dias de inverno passados à lareira, com a minha avó a fazer bolinhos farinheiros e o meu avô a contar histórias – reais e inventadas –, a entoar adivinhas e lengalengas, cantorias e desgarradas. Mas não era só eu que desfrutava do afeto e atenção dos meus avós, ao todo éramos 13 netos e recordo-me da infinita paciência de ambos para gerir as brigas de tantos netos, agora imagine-se a confusão aquando dos nossos encontros familiares, em que ficávamos todos reunidos à mesa. Era uma festa! É das memórias mais felizes que tenho. Fazem-me falta, ainda hoje, sinto a falta do seu colo”