Uma tarde de calor e uma conversa interessante entre pessoas que adoram livros. A apresentação do livro ‘Mãe”, de Francisco Ramalheira, aconteceu no terraço da casa do próprio autor num ambiente descontraído e informal, muito diferente das sessões em livrarias ou bibliotecas abertas ao público. Não quer dizer que essas sessões não vão acontecer – vão! -, mas com o verão instalado e as férias a decorrerem, optou-se por um encontro mais intimista antes do livro ficar disponível nas superfícies comerciais, o que vai acontecer a 1 de agosto.
Sou recebida pelo autor e junto-me a Luís Corte Real, fundador e editor da Saída de Emergência, a Cláudia Araújo Teixeira, coordenadora de comunicação da editora, a Nance Gonçalves, companheira do autor e também ela escritora, e ainda a quatro betareaders, Sofia, Miguel, Cátia e André, fãs de livros a quem é dada a missão de ler obras nacionais durante o processo de edição.
Falámos um pouco de tudo: de ‘Mãe’, das alterações climáticas, do que nos faz não agir perante os avisos dos cientistas, de como as gerações mais novas agem de forma diferente, do mercado editorial, da maior aposta em autores nacionais, dos muitos desafios que são travados para se publicar um livro, da comunidade que a paixão pela leitura cria, do papel das redes sociais na divulgação de novas obras e autores, e muito, muito mais. Neste texto, fica um pequeno resumo desta conversa que se estendeu por horas.
Sobre ‘Mãe’
Foram três anos até esta ‘Mãe’ ver a luz do dia. Uma obra que se enquadra dentro do género distópico por ser uma ficção que pretende avisar para um perigo futuro, neste caso, os perigos das alterações climáticas provocadas pela atividade humana.
O autor fala-nos sobre o trabalho de pesquisa que fez, a primeira versão do rascunho, que era “mais negra, pesada e adulta” e sobre o que o levou, mais tarde, a reescrever a história. “Percebi que tinha de tentar escrever para o meu objectivo, que era sensibilizar para esta questão ambiental. Enquanto professor de Português e de Cidadania, sei que os miúdos interessam-se e gostam de falar sobre este tema. Eles estão muito mais dispostos a agir do que os adultos. Percebi que estava a escrever o livro para um público adulto, que até pode ficar sensibilizado durante uns dois dias, mas depois volta aos hábitos de sempre. Se o que eu queria era passar uma mensagem duradoura, tinha de me direcionar a um outro público, por isso tive de me voltar e escrever para os miúdos, que são muito mais generosos para a necessidade de mudar de hábitos para se fazer a diferença”.
Após esta realização, Francisco mudou todo o tom da trama e dedicou-o à faixa etária dos seus alunos, que estão em turmas que vão do 5º ao 9º ano, mas referindo que o que está nestas páginas também pode impactar os leitores mais maduros. Pelo menos é esse o seu desejo.
“Percebi que tinha de tentar escrever para o meu objectivo, que era sensibilizar para esta questão ambiental. Enquanto professor de Português e de Cidadania, sei que os miúdos interessam-se e gostam de falar sobre este tema”.
A importância dos betareaders
Não é segredo para ninguém que antes de ser publicado, um livro tem de passar por um processo de edição. Luís Corte Real conta-nos que lê as obras, seleciona as que vão ser publicadas, fala com o autor sobre possíveis alterações e, depois, escolhe um grupo de betareaders para uma apreciação final antes de lançar a história no mundo. Isso não foi exceção para ‘Mãe’.
Francisco admite que este processo é importante para que a mensagem do livro passe com clareza aos leitores. “Eles são leitores experientes que a editora escolhe que nos dizem o que gostaram, não gostaram, o que mudavam, o que não entenderam. Com base nessa informação é possível melhorar um livro. Depois do meu livro voltar dos betareaders, fiz mais uma revisão. Olhei para cada ponto que foi apontado nas análises e verifiquei se me faziam sentido ou não, porque tudo isto é muito subjectivo, por isso é normal que não concorde com algumas coisas, mas entenda e aceite outras. O livro tem o meu nome, mas houve muito mais gente que trabalhou para ele. Quando se faz algo com ajuda, normalmente corre muito melhor”. O mais importante, diz, foi verificar se tudo era coerente enquanto se mantinha fiel a quem é e ao seu objectivo. “No final, tinha de ser uma história de que eu gostasse de ler”.
“O livro tem o meu nome, mas houve muito mais gente que trabalhou para ele.”
Luís Corte Real explica que os betareaders são sempre usados quando se trata de publicar uma obra nacional e conta-nos que a missão destes leitores vai além de apontar os pontos mais fracos e fortes do livro. “Como acabam por se envolver emocionalmente com os livros, acabam por ser embaixadores que ajudam na divulgação, nas apresentações e acabam por ficar amigos dos autores. É muito giro. E muitos betareaders são autores também, o que faz com que tenhamos autores a lerem outros autores”.
O sentido de união e comunidade de que Luís fala sente-se neste pequeno grupo. Miguel, enfermeiro, foi um dos leitores de ‘Mãe’ ainda o livro era um rascunho e fala com entusiasmo do período em que debateu a obra com o autor. “Senti que o Francisco interiorizou muita coisa de que falei com ele nessa altura”, admite, referindo ainda que vê o produto final com carinho pois “há um sentimento de pertença, de que também está aqui um bocadinho meu”.
André,que trabalha como analista químico, fala sobre a responsabilidade que há em ser betareader. “O que dizemos pode ser ou não bem recebido, mas temos de ser honestos e fazer o nosso melhor para dar um feedback que seja respeitador e verdadeiro”, explica, uma opinião que é partilhada por Cátia, formadora, que reforça: “Temos de saber fundamentar as nossas opiniões para realmente ajudar. Esse é o nosso papel: ser construtivos“.
Todos concordam que uma obra literária pode despertar opiniões divergentes. “Por isso não gosto de falar em pontos negativos, mas prefiro falar sim em aspectos que gostaria de ver melhorados. O que pode não funcionar comigo pode ser bem recebido por outra pessoa”, argumenta Sofia, jurista.
Quando há outro escritor em casa…
… há uma ajuda e um apoio que não tem preço. Francisco Ramalheira partilha a vida com Nance Gonçalves, curiosamente, também ela professora e escritora. Os dois são um apoio fundamental um para o outro quando o assunto é criar histórias. Nance – que está a divulgar o seu novo livro, ‘Olhos de Cristal’ – foi das primeiras pessoas a ler ‘Mãe’. “Li tudo no final, revi as alterações que fez, discuti com ele o que fazia sentido mudar ou não”, revela-nos.
Autora de obras que se enquadram dentro do género romance, Nance admite que se trata de um tema geral que agrada ao companheiro. Ainda assim, Francisco não hesita em tecer-lhe elogios: “Neste último livro ela aborda a temática da saúde mental, que devia ser mais falada em sociedade, e fá-lo de uma forma muito interessante”.
Em casa, os dois trocam ideias sobre histórias que estão a escrever, procuram trazer ao de cima o melhor de cada um, congratulam-se com as vitórias que têm e dão suporte quando surge uma opinião que pode não ser tão positiva. Um casal que quer inspirar através das suas histórias, cada um dentro do seu género, e que entende a leitura como um caminho especial para se fazer a diferença.
SINOPSE DE ‘MÃE’: O ano é 2099 e a humanidade está prestes a extinguir-se. Durante décadas, a comunidade científica avisou o mundo para os perigos das alterações climáticas. Pouco ou nada foi feito. E agora o fim aproxima-se. A maior parte do planeta já não é habitável: a água desapareceu, os solos estão inférteis, o ar é irrespirável e os cataclismos ambientais multiplicam-se. Os sobreviventes refugiaram-se em setores protegidos por cúpulas, administrados por um Governo Mundial militarista e opressivo. É nesta nova ordem mundial que surge a Academia da Esperança, uma organização secreta que, após anos de buscas incessantes, descobre, finalmente, um planeta habitável. Uma nova oportunidade para a Humanidade. Contudo, enquanto a Academia pretende enviar uma tripulação composta por crianças sem vícios e uma mãe, o líder do Governo Mundial prefere salvar a elite do poder. E vai fazer tudo para o conseguir. Cabe à comitiva liderada pelo cientista Matthew Krone garantir que será a jovem mãe, Margarida Travis, e as suas crianças, a terem a responsabilidade de, algures no Universo, garantirem a preservação da nossa espécie.