
Não há nada melhor do que começar um ano a aprender qualquer coisa. Mas vou ser honesta com vocês: quando peguei no livro pensei ‘olha mais uma xaropada romântica’. Nem fazia a mais pálida ideia de quem tinha inspirado a sua heroína nem, para dizer a verdade, nunca sequer tinha ouvido falar dela. O que é um bocado escandaloso porque eu faço parte daquela seita irritante de pessoas que adoram livros sobre a Segunda Guerra.
Vamos lá então começar outra vez. Toda a gente ouviu falar de Christian Dior, mas quantos sabem quem foi Catherine Dior? Para começar, foi ela quem deu o nome ao clássico perfume ‘Miss Dior’, que ainda hoje é o preferido de tantas mulheres. Conta-se que em 1947, quando se estava discutir o nome da nova criação, Catherine entrou na sala e alguém disse, ‘Ah, Miss Dior’, e assim ficou batizado um dos perfumes mais famosos de sempre. Mas não foi isso que inspirou Natasha Lester, a autora do livro ‘O segredo de Dior’ (Porto Editora, E19,90) e não foi por isso que Catherine se tornou uma heroína francesa.
Vamos lá então começar pela terceira vez: quando a guerra rebentou em 1939, o famoso criador francês tinha 34 anos e uma irmã mais nova, com 22. Em 1940 as forças alemãs invadiram Paris. Christian voltou à cidade ocupada e em pouco tempo tornou-se o costureiro preferido das mulheres com dinheiro, fossem francesas ou alemãs.
Catherine também estava em Paris. Mas não trabalhava em moda. Trabalhava na Resistência. Em 1944 foi presa pela Gestapo e enviada para Ravensbruck, um dos mais terríveis campos de concentração. Conseguiu sobreviver, e depois da Guerra recebeu várias condecorações pela sua coragem. E, nota a autora, o que mais nos choca hoje em dia é a tremenda coragem desta mulher e a tremenda injustiça de ter sido tão esquecida, enquanto o irmão é recordado por todos. Problema: tanto Catherine como Christian ficaram traumatizados com o que passaram e tempo de guerra, e deixaram muito pouca informação sobre a sua experiência.
Que se passou ao certo com Catherine? A autora fez pesquisas em livros, casas e museus, e como encontrou pouquíssima informação, serviu-se da sua imaginação para, como dizem os ingleses, ‘fill in the gaps’ . Assim, em ‘O segredo de Dior’ temos a figura de Catherine mas também as irmãs Penrose: Skye e Liberty (que nos trazem o mundo da força aérea e das primeiras mulheres piloto), a história do ‘Miss Dior’ e ainda uma parte de atualidade onde uma conservadora de moda descobre uma coleção de vestidos que pertencera à sua avó.
Entre todas estas figuras, Natasha Lester constrói uma teia de histórias interligadas que vão comover até o coração mais empedernido, e trazer-nos um bom princípio de ano. E neste janeiro de 2023 tão pouco otimista, não podemos deixar de terminar o primeiro capítulo com uma certa sensação de reconhecimento: “Não há nada que possa fazer agora. A não ser beber champanhe, sorrir e avançar no seu New Look para aquele terrível mundo novo, que não é capaz de compreender.”
‘O segredo de Dior’, Natasha Lester, Porto Editora, E.19,90.