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Em Março de 2020, no auge da crise do Covid, a responsável plo CDC (Center for Disease Control) chinês dava uma conferência de imprensa em Pequim. Mas não falou em cantonês nem mandarim. Falou em inglês, para ser entendida pelo resto do mundo. Há mais pessoas no mundo a saberem dizer obrigado em chinês do que em inglês, e ainda mais em japonês. Mas os chineses abdicaram de uma parte da sua soberania cultural para entrar no mundo.
Em ‘Paz English – a nossa tribo’, Rodrigo Moita de Deus analisa de muitas maneiras o que significa uma língua comum que seja compreendida pelos povos de todo o mundo (ok, se não forem à China profunda).
Estão-me a dizer: mas isso toda a gente sabe. Toda a gente já descobriu, mesmo quem nem sequer fala inglês, que o inglês é mesmo a língua franca universal. O inglês é aquilo que o latim foi noutros tempos (com a vantagem de ser muito mais fácil de aprender. Tentem lá aprender latim. Just saying).
A supremacia do inglês, como também toda a gente sabe, vem da supremacia não apenas do império do Reino Unido mas dos Estados Unidos tornados a grande potência mundial. Mas, como nota Marcelo Rebelo de Sousa no prefácio, o livro não se limita a enunciar o óbvio: põe-nos perante muitas provocações, sendo a maior de todas a nossa própria língua. Afinal de contas, também é universal. Observar o poder do inglês leva-nos também a observar o português: como é usada, como é valorizada (enfim, ou não), como é estudada.
Muito depois da Paz Romana, nasce outro tipo de paz. “A língua franca traz-nos princípios e valores comuns. Permite a partilha e a promoção de um sistema cultural comum. Permite que os homens se conheçam e reconheçam. Goste-se ou não, o inglês está a criar uma tribo comum. A nossa tribo. A tua tribo. E está a criar uma paz única na nossa história. A Pax English.”
O inglês é a língua franca da União Europeia: “Depois da saída do Reino Unido, o alemão continuou a ser a língua nativa mais falada na Europa ma o inglês continua a ser a língua mais falada, ponto.” Ou seja: o Reino Unido vai abandonar o projeto europei mas o projeto europeu não pode abandonar a língua do Reino Unido (tal como aocnteceu com o latim noutras épocas). Ou seja: quem quer fazer-se entender tem de falar inglês.
“Tribo é a nossa língua”, ensina um queniano a Rodrigo Moita de Deus. É a frase-chave de todo o livro. A frase-chave seguinte, enfim, hoje em dia não sabemos até que ponto continuará verdadeira: quantas mais pessoas falarem a mesma língua, menos guerras haverá no mundo. “Dito de outra forma: quanto mais fizermos pela eliminação de múltiplas identidades tribais, maior colaboração dos homens e mais paz no mundo.” Enfim. Isso já se provou nos tempos mais recentes que pode não funcionar bem assim. Além de que a famosa Pax Romana, de que esta Pax English é herdeira, também era uma pax sui generis feita de batalhas, escaramuças, escravaturas e massacres. Além disso, Rodrigo afirma a certa altura que “damos a democracia como garantida” o que só pode querer dizer que tem visto poucos telejornais.
Mas enfim: exceptuando estas tiradas ligeiramente surrealistas, é um livro muito interessante de ler.
Tem imensa informação e requer uma cabeça despreocupada e muito tempo livre. Ou então olhem, façam como na Bíblia e vão lendo. A propósito, aqui se discute se Deus é poliglota, a preocupação com as citações da Bíblia, os 30 milhões de exemplares do Corão impressos por ano e a batalha dos livros sagrados. Também se discute geografia e fronteiras, os suíços alemães que se recusam a falar francês, os suíços franceses que se recusam a falar alemão e todos eles falam inglês.
Mas mesmo que tudo isto seja um bom ponto de partida para pensar no papel do inglês no nosso mundo, é importante manter a noção de que a nossa riqueza também se faz de diferença, de outras línguas, de palavras diferentes.
Pensamos de formas diferentes consoante dissermos ‘saudade’ ou ‘longing’: que mundo seria aquele em que todos falássemos a mesma língua e pensássemos com as mesmas palavras? Conseguem imaginar a monotonia? E quanto à paz, o importante, mais do que falar a mesma língua, é o nosso esforço para ‘ouvir’ o outro. Não vamos mais longe: pensem lá na vossa família. Admitamos que falam todos a mesma língua. Há ou não há escaramuças?
I rest my case.
‘Paz English – a nossa tribo’ – Rodrigo Moita de Deus, D. Quixote, E22,20