Esta mulher, desconhecida em Portugal, teve uma vida absolutamente extraordinária: em adolescente, Cixi não tinha escolha sobre o seu destino, como milhares de outras mulheres. Escolhida, com a irmã, para concubina do imperador, quando este morre Cixi torna-se de facto, embora não oficialmente, governadora da China durante quase 50 anos, desde 1861 até à sua morte em 1908.
A lenda transmitida no Ocidente mostrava-a como uma pessoa fria e calculista, sanguinária, conservadora e sem escrúpulos, e embora tivesse sido muitas dessas coisas, Cixi também foi responsável por modernizar a Cina de muitas maneiras.
Não estava numa posição fácil: quando o marido morreu o filho era ainda pequenino, e uma mulher no poder, no século XIX, não era comum em lado nenhum do mundo. Para começar, os aspetos práticos não eram, pronto, práticos: por exemplo, como homens e mulheres viviam rigorosame te separados, ela não podia reunir-se normalmente com os seus ministros, e tinha de se sentar atrás de um biombo de seda.
Quando Cixi chegou ao poder, a China debatia-se entre manter um modo de vida tradicional ou abrir portas ao Ocidente. Cixi era conservadora e tentou tudo (mesmo uma revolta sangrenta) para impedir a influência ocidental. Mas acabou por perceber que não havia nada que impedisse o avanço do progresso. Então avançou com a modernização do país, introduzindo a eletricidade e a mineração de carvão, melhorando a educação das raparigas e proibindo o costume de ligar os pés.
Claro que isto não fez dela uma pessoa encantadora: por exemplo, um dia antes de morrer ordenou que o seu sobrinho (designado seu sucessor depois da morte do filho) fosse envenenado (explicação: ele estava nas mãos dos japoneses e Cixi não queria que a China fosse dominada pelo Japão depois da sua morte).
Portanto, como tantas rainhas fortes antes de si, acabou por morrer sem ter treinado ninguém como sucessor. Sucedeu-lhe um sobrinho-neto de apenas 2 anos, que seia (lembram-se do filme?) o último imperador da China, até 1912, quando se deu a Revolução Chinesa.
Claro que estes são os factos contados com frieza. Pearl Buck traz-nos muito mais do que factos: traz-nos a descrição de ambientes e personagens, todos os pormenores da corte chinesa, as intrigas, as maquinações, a velocidade dos acontecimentos. Tudo é pormenorizado, colorido, exótico, e desde a primeira página que somos mergulhados na China Imperial. Um romance histórico tem sobre nós este fascínio de funcionar como uma máquina do tempo: entramos no livro e saímos diretamente para outro tempo e outras paragens, com a vantagem de ter sido tudo ‘verdade’.
Um romance histórico é sempre uma viagem exterior (desaguamos noutra vida e noutra cultura) e uma viagem interior (que faríamos se estivessemos nas mesmas circunstâncias, quais seriam os nossos sentimentos e ações?).
E Pearç Buck ainda hoje nos traz este poder de evocação. Durante muito tempo, ela foi a principal ‘explicadora’ do mundo chinês aos ocidentais, partilhando dessa dualidade de cidadão americana criada na China. Nascida na Virgínia, Estados Unidos, em 1892, foi com os pais para a China aos 3 anos de idade, e estudou em Xangai até aos 15. Voltou aos Estados Unidos para estudar psicologia e depois regressou à China para tomar conta da mãe. Só voltaria aos Estados Unidos em 1934, e a partir daí o governo chinês nunca mais autorizou a sua entrada, acusando-a de ser ‘agente imperialista’.
Escreveu imenso, mais de 110 livros e várias novelas, e para muitos europeus e americanos seria o primeiro – e único – elo com a cultura chinesa. Falava da china ancestral e rural, do choque de culturas, de casais bi-raciais, da vida das mulheres. Amiga de Eleanor Roosevelt, defendeu os direitos femininos e a igualdade racial, e apesar de ter recebido o prémio Nobel em 1938 e de vender brutalmente, continuou vista como uma autora ‘exótica’ e inferior até que os tempos modernos, com o seu interesse pela ‘diversidade’, vieram recuperar e reler muito do seu trabalho. Ainda hoje, esta ‘Imperatriz’ vale bem os dias que passamos com ela, percebendo melhor aquilo que foi, durante quase meio século, a China imperial.
‘Imperatriz’ – Pearl S. Buck, D. Quixote, E22,90