Nem sei porque é que comecei a ler este livro. Não gosto de sardinhas nem de caviar, não gostei da capa que é preguiçosa e não me diz nada sobre o que o livro realmente é, não adoro cozinhar e tinha muitos outros livros em fila de espera para ler. Mas gosto muito de não-ficção e de histórias verdadeiras de famílias, e gosto muito da Carmen Posadas, e calhou abri-lo.

Olhem. Só vos digo. Que barrigada de riso. Li-o do princípio ao fim aos soluços de tanto rir e a fazer aquela coisa muito irritante para quem está connosco que é passar o tempo a dizer “ora ouve lá só mais este bocadinho que eu prometo que não chateio mais”.

Então. O livro não se parece com nada que tenha lido até hoje, porque é a história de uma família contada – mais ou menos – alternadamente a 3 vozes: Carmen, o irmão Gervásio e a mãe de ambos. E digo mais ou menos porque a parte da mãe, que é de longe a mais divertida e a que ocupa a maior fatia do livro, foi ‘baseada’ em memórias da própria.

Carmen Posadas, escritora bestseller e autora de livros como ‘A mestra de marionetas’ ou ‘Pequenas Infâmias’, é filha de um diplomata, e durante a infância e a adolescência das 4 crianças a família andou num vaivém constante entre Madrid, Moscovo e Londres. O livro é o relato dessas vivências.

A heroína é a matriarca do clã Posadas, senhora de um sentido de humor, de uma capacidade de desenrasque e de uma inteligência social muito acima da média, e que durante anos tomou notas pessoais com o intuito de escrever as suas próprias memórias. Nunca o fez, mas os dois filhos, Carmen e Gervásio, basearam-se nessas notas para fazer um relato na primeira pessoa. Portanto, a voz da mãe é a protagonista deste livro, ‘mediada’ pela filha, que aparece de vez em quando para fazer as necessárias ligações e explicações, e completada pelo irmão, que traz alguns lados desconhecidos à narrativa (segundo conta Carmen mais tarde, a mãe ainda era viva quando o livro foi publicado Deixou-o intocado em cima da mesa durante muito tempo. Certo dia, anunciou que o tinha lido. ‘E então?’ perguntou a filha. ‘Eu tê-lo-ia escrito muito melhor’, respondeu).

De Madrid a Moscovo e a Londres cruzamo-nos com personagens como o clã Franco, com o presidente Brezhnev, a rainha de Inglaterra ou uma lady Di ainda antes de ser galáticamente famosa. E não conseguimos parar de rir, porque a embaixadora do Uruguai, em vez de ter a seriedade que o seu cargo indicaria, se revela ela própria uma das personagens mais interessantes e mais cómicas do livro.

Encontramos uma mulher pronta para tudo: para pôr os filhos numa escola pública, para ir a um baile só para mulheres ou para não perder a compostura quando o seu vestido se desmancha todo em plena audiência com a rainha e quase protagozina um striptease em frente de Isabel II. Mas também uma mulher intuitiva, que impede todos os convidados do casamento de Camen de morrerem num desastre de avião, que rapta a filha Dolores de um hospital russo, ou que prevê o desastroso casamento que esta poderia fazer com um aristocrata inglês que acabaria por morrer em pouco tempo.

Mas o que mais recordarei deste livro são as páginas que me fizeram chorar a rir. O baile só para mulheres onde a matriarca Posadas é arrebatada por uma ‘gordinha que dançava maravilhosamente e insistia em falar francês comigo’ e que descobriu finalmente ser a mais famosa professora do ballet Bolshoi, o drama do casamento de Carmen onde, em desespero de arranjar carne, arquitetou um magnífico strogonoff de urso, ou o estranho casal de criados, os Darling, que a serviu em Londres e que, acabou por descobrir, roubava acessórios das mulheres Posadas para criarem números de travestismo erótico para consumo privado. Por esta altura já choro a rir com tanta força que tenho de ir buscar o rolo de cozinha.

O mais interessante é que, a par dos episódios hilariantes, viajamos a uma época dura na História de Espanha (os anos 60, em que, por exemplo, o divórcio era inexistente e as pessoas viviam vidas de mentira), aos anos dramáticos da História russa (a altura da Guerra Fria, onde a matriarca usa os acessórios de espionagem a seu favor), ou aos anos 80 num Reino Unido ainda espartilhado num protocolo real pré-Lady Di (“percebe-se porque é que a única coisa que os deixam dizer é ‘how do you do’ e ‘Do you like London”, comenta acidamente a mãe Posadas).

Além de tudo isto, quem gostar de cozinhar ainda leva de brinde muitas receitas recolhidas ao longo dos anos e nas três culturas.

Portanto, se ainda estão de férias, aproveitem. Se não estão, aproveitem que o resto do mundo vos deixou em paz e tirem uns momentos para se divertirem.

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