As vidas e os legados da Dra. Jane Elliott e do Dr. Martin Luther King, Jr. estão inextricavelmente ligados.
No dia 4 de abril de 1968, King foi assassinado por um atirador quando estava na varanda do seu quarto num hotel em Memphis, Tennessee. As repercussões desse dia fatídico foram sentidas um pouco por todo o mundo, mas foram as 24 horas seguintes que mudaram a vida de Elliott para sempre.
Em homenagem ao líder do movimento dos direitos civis nos Estados Unidos, a professora branca, que lecionava numa cidade habitada apenas por caucasianos, no estado do Iowa, planeou uma atividade para fazer com que os seus alunos da terceira classe sentissem na pele o que era o preconceito, a discriminação e o racismo.
Naquilo que se tornou conhecido como o exercício “blue eyes, brown eyes”, Elliott dividiu a turma em dois grupos, com base numa característica sobre a qual as crianças não tinham controlo: a cor dos olhos. Os alunos com olhos azuis foram colocados num grupo, e os alunos com olhos castanhos no outro. Os membros de ambos os grupos foram tratados de acordo com a cor dos olhos.
No primeiro dia, a educadora convenceu os alunos com olhos castanhos de que eram “melhores”, “mais inteligentes” e “superiores” aos colegas com olhos azuis e, consequentemente, tinham direito a privilégios como, por exemplo, passar mais tempo no recreio e ter acesso a uma fonte de água. No dia seguinte, inverteu os papéis.
Elliott ficou espefacta com os resultados. “Vi crianças maravilhosas e atenciosas a transformarem-se em crianças da terceira classe desagradáveis, cruéis e discriminadoras”, contou num documentário do canal PBS, sobre o seu trabalho, intitulado “A Class Divided”. Durante décadas, repetiu a experiência com crianças do primeiro ciclo, alunos universitários e adultos inseridos no mercado de trabalho de todo o mundo, encontrando consistentemente participantes que se viravam uns contra os outros apenas pela cor dos olhos.
Regresso ao passado
Em 2020, tal como acontecia em 1968, Jane Elliott acredita que “as pessoas brancas continuam a sentir, a pensar e a falar da mesma forma racista até passarem, de alguma forma, pelo mesmo tipo de tratamento com que as pessoas de minorias étnicas vivem todos os dias”.
No final da década de 1960, o exercício foi considerado controverso, em parte, porque forçava os brancos a sentirem (apenas por umas horas) uma fração da dor que aflige os negros. Por exemplo, não era incomum que participantes caucasianos, que provavelmente nunca tinham sido vítimas de discriminação aberta pela cor da pele, abandonassem a experiência com acessos de raiva e, por vezes, até mesmo com lágrimas nos olhos. Imagine-se, tal era o nível de humilhação e de impotência.
Regra geral, a dinâmica demonstrava que embora os comportamentos discriminatórios e racistas possam ser aprendidos, eles também podem ser desaprendidos.
O assassinato de George Floyd, em abril passado, fez ressurgir clipes antigos do “blue eyes, brown eyes”, catapultando a educadora novamente para a ribalta que ocupava há 52 anos. Contudo, apesar de ser universalmente reconhecida como a criadora da famosa atividade, Jane é rápida a refutar esta ideia. Em vez disso, diz apenas que a adaptou.
“Não criei o exercício. Aprendi-o com Adolf Hitler”, conta ao site OprahMag.com. “Um dos critérios para ele decidir quem ia para a câmara de gás era a cor dos olhos. Se tivesses um bom nome alemão, mas tivesses olhos castanhos, eles certificavam-se de que ias para a câmara de gás, porque pensavam que podias ser um judeu a fazer-se passar por ariano. Eles mataram centenas de pessoas somente com base na cor dos olhos”.
Quem fala na realidade americana, bem como em todas as suas nuances, também poderia falar noutros casos de discriminação que nos são bem mais próximos. Em Portugal, entre outros exemplos, tivemos o caso Marega e o das instituições de ensino vandalizadas com mensagens racistas e xenófobas – se não foram escritas por pessoas racistas, certamente foram ideia de alguém que pretendia adensar o clima de tensão racial no País.
Particularmente relevante nos dias que correm, a experiência popularizada por Elliott é uma representação palpável da discriminação em ação. E mais de cinco décadas depois, a professora ainda é uma força a ser reconhecida na luta antirracista. Afinal de contas, parece que ainda temos muito a aprender com ela.